sábado, 6 de abril de 2024

Sol emitiu excesso de raios gama no último pico de atividade

Por sua proximidade e importância para a manutenção da vida na Terra, o Sol é a estrela mais pesquisada pelos astrofísicos.

© NASA (linhas do complexo campo magnético na superfície do Sol)

Esta situação de objeto de estudo preferencial não significa que há pouco a se descobrir sobre o astro. Ao contrário, alguns tipos de pesquisa, como as de longo prazo, só podem ser realizados porque nosso planeta está, sempre, nas vizinhanças do Sol. Assim, é possível observá-lo de forma contínua e perceber detalhes que não podem ser conferidos em estrelas mais distantes. Foi justamente essa particularidade que permitiu um achado recente. 

O estudo realizado pelo brasileiro Bruno Arsioli e a italiana Elena Orlando relata que o Sol emitiu um excesso inesperado de raios gama de alta energia em seus polos. A maior concentração de radiação ocorreu durante seu último período mais ativo, o chamado máximo solar, em junho de 2014. 

Como a Terra, o Sol gira em torno de um eixo, cujas extremidades definem os polos. A rotação gera o campo magnético, de forma que os polos magnéticos coincidem com as pontas do eixo de rotação. Segundo os autores do trabalho, o esperado era que, quando houvesse variações no nível das emissões de raios gama, tais flutuações se manifestassem com a mesma intensidade em todas as áreas do Sol, de forma mais ou menos homogênea, em vez de se concentrarem exageradamente nas zonas de alta latitude. Essa maior concentração de emissões de raios gama foi observada no momento em que ocorreu a inversão dos polos magnéticos do Sol. Por isso, suspeita-se que a reconfiguração magnética esteja relacionada com a produção excessiva de radiação gama nos polos. A troca faz com que o polo magnético do sul migre para o norte do disco solar e vice-versa. Tal inversão ocorre em média a cada onze anos, durante o máximo solar. 

Atualmente, Bruno Arsioli é pesquisador no Instituto de Astrofísica e Ciências Espaciais da Universidade de Lisboa, em Portugal. Elena Orlando é pesquisadora da Universidade de Trieste, Itália. Arsioli iniciou o estudo com dados do Fermi em 2021, quando passou um ano associado ao grupo da italiana na Universidade de Trieste. 

Inédito, o resultado foi obtido a partir da análise de dados referentes a 13 anos e meio de observação do Sol, entre agosto de 2008 e janeiro de 2022, pelo telescópio espacial Fermi, que é dedicado a registrar emissões em frequências da radiação gama, a porção mais energética do espectro eletromagnético. Recentemente foi usado também para estudar uma misteriosa explosão de raios gama, a segunda mais intensa que se observou no espaço, ocasionada provavelmente pela rara fusão de duas estrelas de nêutrons. 

O trabalho de análise das emissões do Sol foi feito em etapas. Primeiramente, Arsioli e Orlando dividiram os dados coletados, que abrangeram um ciclo solar inteiro, em intervalos menores, de 400 a 700 dias. Em seguida, com o emprego de ferramentas de análise de dados por eles desenvolvidas, compararam as emissões de raios gama com energia acima de 5 gigaelétron-volt (GeV) de cada subperíodo em todas as regiões do disco solar. Dessa forma, notaram a concentração de produção de emissões de altas energias nas zonas polares durante o máximo solar. A constatação é amparada por testes estatísticos, descritos no trabalho, que indicam a relevância dos sinais observados. 

Considerado um astro comum entre as mais de 100 bilhões de estrelas da Via Láctea, o Sol se formou há cerca de 4,5 bilhões de anos. Diferente da Terra e da Lua, ele não é um corpo sólido. É uma bola de plasma quente (matéria ionizada, com partículas carregadas eletricamente), constituída pelos gases hidrogênio e hélio. O nível de atividade solar (produção de energia) varia ao longo do tempo de forma mais ou menos regular, em ciclos. 

A duração média de um ciclo solar é de 11 anos, mas pode variar entre 9 e 14 anos. A formação de manchas solares, pontos pretos associadas a áreas mais frias na superfície, é um termômetro da atividade solar. Ocasionalmente, as maiores manchas são visíveis da Terra sem a necessidade de recorrer a telescópios. Mais manchas sinalizam que o astro está funcionando em ritmo acelerado. A dinâmica energética do Sol também está associada a outros fenômenos, como a ocorrência de flares (erupções) e ejeções de massa coronal. 

Entre o momento de maior e o de menor atividade, a diferença de brilho, ou seja, de produção de energia, do Sol é muito pequena, de no máximo 0,1%. Por isso, os climatologistas descartam que variações na atividade solar possam influir de forma significativa no aumento do aquecimento global. Segundo cálculos da NASA, ao longo dos dois últimos séculos, o peso acumulado das emissões de gases de efeito estufa provenientes de atividades humanas sobre a temperatura média da Terra é pelo menos 270 vezes maior do que a possível influência de qualquer alteração de luminosidade do Sol. 

Ainda assim, as alterações em seu regime de funcionamento produzem impactos evidentes na aparência e no comportamento da estrela. Além de gerar conhecimento básico sobre a física estelar, os estudos sobre a atividade solar são úteis para entender os impactos reais que o astro pode ter sobre diferentes aspectos da vida cotidiana na Terra. Ao emitir mais radiação e matéria na direção do Sistema Solar, a estrela pode afetar os sistemas de navegação terrestre, como o GPS, e as telecomunicações no planeta. Para o astrofísico Rodrigo Nemmen, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não participou do artigo, os dados do trabalho de Arsioli e Orlando são importantes para melhorar o entendimento sobre o funcionamento da superfície do Sol. 

Um dos desafios de Arsioli e Orlando é tentar observar novamente o pico de emissão de raios gama nas regiões polares do Sol durante o próximo máximo solar, que deve ocorrer em 2025. Se a estrela se comportar novamente como em junho de 2014, a ideia de que a produção excessiva de raios gama decorre da inversão periódica dos polos magnéticos se torna mais robusta.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: Revista FAPESP

Companhia mútua de duas galáxias

Esta imagem mostra Arp 72, um grupo de galáxias muito seletivo que inclui apenas duas galáxias em interação.

© Hubble (Arp 72)

As galáxias em interação são: NGC 5996 (a grande galáxia espiral) e NGC 5994 (sua companheira menor, no canto inferior esquerdo da imagem).

Ambas as galáxias ficam a aproximadamente 160 milhões de anos-luz da Terra e seus núcleos estão separados um do outro por uma distância de cerca de 67 mil anos-luz. Além disso, a distância entre as galáxias nos seus pontos mais próximos é ainda menor, perto de 40 mil anos-luz. 

Embora isto ainda possa parecer vasto, em termos de separação galáctica é realmente muito acolhedor! Para efeito de comparação, a distância entre a Via Láctea e sua vizinha galáctica independente mais próxima, Andrômeda, é de cerca de 2,5 milhões de anos-luz. Alternativamente, a distância entre a Via Láctea e a sua maior e mais brilhante galáxia satélite, a Grande Nuvem de Magalhães é de cerca de 162 mil anos-luz. 

Tendo isto em conta, juntamente com o fato de NGC 5996 ser aproximadamente comparável em tamanho à Via Láctea, não é surpreendente que NGC 5996 e NGC 5994, aparentemente separadas por apenas 40 mil anos-luz ou mais, estejam interagindo entre si. 

Na verdade, a interação pode ser o que fez com que a forma espiral da NGC 5996 se distorcesse e aparentemente fosse desenhada na direção da NGC 5994. Também levou à formação da cauda de maré muito longa e tênue de estrelas e gás curvando-se para longe da NGC 5996, no canto superior direito da imagem. Esta cauda de maré é um fenômeno comum que aparece quando as galáxias se aproximam, como pode ser visto em várias imagens do telescópio espacial Hubble. 

Fonte: NASA

sábado, 30 de março de 2024

Explosões gigantes que alimentam jatos de uma estrela de nêutrons

O telescópio espacial de raios gama da ESA, Integral, desempenhou um papel decisivo na observação de jatos de matéria expelidos para o espaço a um-terço da velocidade da luz.

© ESA (jato emitido no disco de acreção)

A matéria e a energia foram liberadas quando ocorreram enormes explosões na superfície de uma estrela de nêutrons.

Esta observação inédita provou ser ideal para explorar jatos astrofísicos de todos os tipos. Os jatos são produzidos por muitos objetos astronômicos diferentes, mas o seu estudo é difícil. Estes fluxos de matéria são distantes e é um desafio ver as suas características. Isto torna extremamente difícil o rastreio da matéria em movimento para assim compreender como o jato está sendo lançado e acelerado. 

No entanto, uma equipe internacional de astrônomos, incluindo Thomas Russell, do INAF (Istituto Nazionale di Astrofisica), Palermo, Itália, notou de que certos tipos de estrelas de nêutrons poderiam abrir uma nova via de investigação. 

As estrelas de nêutrons são "cadáveres" estelares supercompactos. Quando em órbita com outra estrela, o intenso campo gravitacional da estrela de nêutrons pode acabar por puxar matéria da sua estrela companheira. Parte desta matéria acumulada é então expelida em jatos que se afastam ao longo do eixo de rotação da estrela de nêutrons, e o resto da matéria espirala para a estrela de nêutrons. Aí, acumula-se como uma camada à superfície. À medida que mais e mais material é absorvido pela estrela de nêutrons, o campo gravitacional comprime-o até se iniciar uma explosão nuclear descontrolada. Isto cria um evento cataclísmico conhecido como erupção de raios X de tipo I. 

A equipe pensou que esta súbita liberação de matéria e energia, da superfície da estrela de nêutrons, afetaria o jato e que poderiam medir esta perturbação à medida que se propagava para longe. Se assim fosse, isso proporcionaria um novo e poderoso método para estudar estes eventos violentos e energéticos. Atualmente, conhecemos cerca de 125 estrelas de nêutrons que se comportam desta forma. 

Trata-se de uma medição crucial porque, uma vez estudado um número suficiente de estrelas de nêutrons em acreção, a velocidade do jato pode revelar o mecanismo de lançamento dominante e mostrar se o jato é alimentado por campos magnéticos ancorados no material acretado ou na própria estrela. 

A equipa identificou duas estrelas de nêutrons, denominadas 4U 1728-34 e 4U 1636-536, respectivamente, que mostraram um comportamento explosivo em raios X. No entanto, no momento, apenas 4U 1728-34 era suficientemente brilhante, no rádio, para realizar a experiência com o detalhe necessário. Depois houve um problema prático. Ao passo que as explosões eram visíveis em raios X, o jato só emitia ondas de rádio. Assim, era necessário coordenar as observações radiotelescópicas na Terra para que ocorressem simultaneamente com as do satélite Integral, que é capaz de ver em raios X. Mas era impossível prever exatamente quando é que uma destas explosões ia acontecer. 

As observações no rádio foram efetuadas durante três dias com o ATCA (Australia Telescope Compact Array) da CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation), registando um total de cerca de 30 horas de tempo de observação entre os dias 3 e 5 de abril de 2021. O Integral observou a partir do espaço. Foi a única missão de alta energia capaz de manter esta longa vigília. A sua órbita grande e alongada permitia-lhe observar o objeto celeste durante muitas horas seguidas. No final das observações, o Integral tinha captado 14 explosões de raios X de 4U 1728-34, das quais 10 ocorreram quando a fonte era visível para o ATCA. 

A capacidade de seguir a matéria extra injetada ao longo do jato, a comprimentos de onda do rádio, permitiu à equipe calcular que o material estava sendo lançado a uns incríveis 35-40% da velocidade da luz.

Esta técnica permitirá o estudo de muitas mais estrelas de nêutrons com erupções de raios X. Isto permitirá compreender e relacionar o lançamento de jatos com características específicas, tais como a rotação e a quantidade de gás que cai na sua superfície. Para quem estuda estes fenômenos, estas são as questões mais prementes. A sua resposta terá impacto nos estudos que vão para além das estrelas de nêutrons, porque os jatos são criados por muitos objetos astronômicos. Desde estrelas recém-formadas a buracos negros supermassivos no centro das galáxias, os jatos podem também ser produzidos por eventos cataclísmicos como explosões de supernovas e explosões de raios gama. 

Desempenham uma função importante em todo o Universo, desde o transporte de elementos exóticos sintetizados em explosões cósmicas para o espaço interestelar, até ao aquecimento de nuvens de gás circundantes que alteram a forma e o local de formação de novas estrelas. Uma vez que se pensa que todos os jatos astrofísicos são lançados de forma semelhante, nomeadamente pela interação da matéria com campos magnéticos em objetos celestes em rotação, os novos resultados terão grande aplicabilidade em muitos estudos do cosmos.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: ESA

Gaia revela duas antigas correntes estelares da Via Láctea

O telescópio espacial Gaia, da ESA, desfez ainda mais o enredo da nossa Galáxia, descobrindo duas surpreendentes correntes de estrelas que se formaram e se entrelaçaram há mais de 12 bilhões de anos.

© ESA (imagem das correntes estelares Shakti e Shiva)

Na imagem os pontos amarelos mostram a localização das estrelas do fluxo estelar Shakti. Os pontos azuis mostram a localização das estrelas da corrente estelar Shiva. 

As duas correntes, Shakti e Shiva, ajudaram a formar a jovem Via Láctea. Ambas são tão antigas que provavelmente se formaram antes mesmo das partes mais velhas dos braços espirais e do disco da nossa atual Galáxia.

Utilizando as observações do Gaia, os pesquisadores conseguiram determinar as órbitas de estrelas individuais da Via Láctea, bem como o seu conteúdo e composição. Cada fluxo contém a massa de cerca de 10 milhões de sóis, com estrelas de 12 a 13 bilhões de anos, todas se movendo em órbitas muito semelhantes e com composições semelhantes. A forma como estão distribuídos sugere que podem ter sido formados como fragmentos distintos que se fundiram com a jovem Via Láctea. 

Ambas as correntes se encontram perto do núcleo da Via Láctea. O Gaia explorou esta parte da Via Láctea em 2022, utilizando uma espécie de "arqueologia galáctica"; este estudo mostrou que a região contém as estrelas mais antigas de toda a Galáxia, todas nascidas antes do disco da Via Láctea se ter devidamente formado.

As estrelas são tão velhas que não possuem muitos dos elementos metálicos mais pesados criados mais tarde na vida do Universo. Estes metais pesados são os forjados no interior das estrelas e espalhados para o espaço quando estas morrem. As estrelas no coração da Via Láctea são pobres em metais. 

Embora muito semelhantes, as duas correntes estelares não são idênticas. As estrelas de Shakti orbitam um pouco mais longe do centro da Via Láctea e em órbitas mais circulares do que as estrelas de Shiva. O nome das correntes deriva do nome de um casal divino da filosofia hindu que se une para criar o Universo (ou macrocosmo). Há cerca de 12 bilhões de anos, a Via Láctea tinha um aspecto muito diferente da espiral ordenada que vemos hoje.

Pensamos que a nossa Galáxia se formou quando múltiplos filamentos longos e irregulares de gás e poeira se fundiram, formando estrelas e envolvendo-se para dar origem à nossa Galáxia tal como a conhecemos. Parece que Shaki e Shiva são dois desses componentes, e os futuros lançamentos de dados Gaia poderão revelar mais. 

Khyati Malhan e Hans-Walter Rix, amos do Instituto Max Planck, construíram também um mapa dinâmico de outros componentes conhecidos que desempenharam um papel na formação da Via Láctea e que foram descobertos utilizando dados do Gaia. Estes incluem Gaia-Salsicha-Encélado, GNM-1/Wukong, Arjuna/Sequoia/I'itoi e Ponto. Todos estes grupos de estrelas fazem parte da complexa árvore genealógica da Via Láctea, algo que o Gaia tem trabalhado para construir ao longo da última década.

À medida que descobrimos partes surpreendentes da Via Láctea, como as correntes Shiva e Shakti, estamos preenchendo as lacunas da nossa história cósmica mais antiga.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Max Planck Institute

Hubble descobre que as anãs marrons envelhecem na solidão

Em sistemas binários a relação de anãs marrons não dura muito tempo, de acordo com um levantamento recente do telescópio espacial Hubble.

© STScI (ilustração de uma anã marrom)

 As anãs marrons são objetos interestelares maiores do que Júpiter, mas menores do que as estrelas de menor massa. Nascem como as estrelas, a partir de uma nuvem de gás e poeira em colapso, mas não têm massa suficiente para sustentar a fusão do hidrogênio como uma estrela normal. 

Os astrônomos, recorrendo ao Hubble, confirmaram que os pares são extremamente raros no que concerne às anãs marrons de menor massa e mais frias. O Hubble consegue detectar binários tão próximos um do outro como uma separação de aproximadamente 480 milhões de quilômetros, a separação aproximada entre o nosso Sol e o cinturão de asteroides. 

Mas não encontraram nenhum binário numa amostra de anãs marrons na vizinhança solar. Isto implica que um par de anãs está tão fracamente ligado pela gravidade que se afastam ao longo de algumas centenas de milhões de anos devido à atração de estrelas passageiras.

O estudo confirma que as companheiras amplamente separadas são extremamente raras entre as anãs marrons isoladas de menor massa e mais frias, apesar de serem observadas anãs marrons binárias em idades mais jovens. Isto sugere que tais sistemas não sobrevivem ao longo do tempo. 

Num estudo semelhante realizado há alguns anos, o Hubble observou anãs marrons extremamente jovens e algumas tinham companheiras, confirmando que os mecanismos de formação estelar produzem anãs marrons binárias e de baixa massa. A ausência de companheiras para anãs marrons mais velhas sugere que algumas podem ter começado como binárias, mas separaram-se ao longo do tempo. Mais de metade das estrelas da Via Láctea têm uma companheira que resultou destes processos de formação, sendo as estrelas mais massivas mais frequentemente encontradas em sistemas binários.

A equipe selecionou uma amostra de anãs marrons previamente identificadas pelo WISE (Wide-Field Infrared Survey Explorer) da NASA. Estudou algumas das anãs marrons mais antigas, mais frias e com menor massa na vizinhança solar. Estas velhas anãs marrons são tão frias (algumas centenas de graus mais quentes que Júpiter na maioria dos casos) que as suas atmosferas contêm vapor de água que se condensou. Para encontrar as companheiras mais frias, foi utilizado dois filtros diferentes no infravermelho próximo, um em que as anãs marrons frias são brilhantes e outro que cobre comprimentos de onda específicos em que aparecem muito tênues devido à absorção de água nas suas atmosferas.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Space Telescope Science Institute

quarta-feira, 27 de março de 2024

Descoberto campos magnéticos em espiral no buraco negro da Via Láctea

Uma nova imagem da colaboração Event Horizon Telescope (EHT) revelou campos magnéticos fortes e organizados espiralando desde a borda do buraco negro supermassivo Sagitário A* (Sgr A*).

© EHT (imagem em luz polarizada de Sagitário A*)

Com observações feitas pela primeira vez em luz polarizada, a nova imagem do monstro que se esconde no coração da Via Láctea revelou um campo magnético com uma estrutura muito semelhante à do buraco negro situado no centro da galáxia M87, sugerindo que campos magnéticos intensos podem ser comuns a todos os buracos negros. Esta semelhança aponta também para a existência de um jato oculto em Sgr A*. 

Em 2022, os cientistas revelaram a primeira imagem de Sgr A* durante conferências de imprensa em todo o mundo, incluindo no Observatório Europeu do Sul (ESO). Embora o buraco negro supermassivo da Via Láctea, que se encontra a cerca de 27.000 anos-luz de distância da Terra, seja pelo menos mil vezes menor e menos massivo do que o de M87, o primeiro buraco negro a ser fotografado, as observações revelaram que os dois têm um aspecto bastante semelhante, o que levou os cientistas a perguntarem-se se estes buracos negros partilhariam características comuns para além da sua aparência.

Para o descobrir, a equipe decidiu estudar o Sgr A* em luz polarizada. Estudos anteriores da luz em torno do buraco negro de M87 (M87*) revelaram que os campos magnéticos à sua volta permitiam que o buraco negro lançasse poderosos jatos de material para o seu meio circundante. Com base neste trabalho, as novas imagens revelaram agora que o mesmo pode ser verdade para Sgr A*.

A luz é uma onda eletromagnética oscilante que nos permite ver objetos. Por vezes, a luz oscila numa orientação preferencial, a que chamamos “polarizada". Apesar de estarmos rodeados por luz polarizada, aos olhos humanos essa luz é indistinguível da luz dita "normal".

No plasma que rodeia estes buracos negros, as partículas que giram em torno das linhas de campo magnético conferem-lhe um padrão de polarização perpendicular ao campo, o que permite observar com muito detalhe o que se passa nas regiões dos buracos negros e mapear as suas linhas de campo magnético. Ao obtermos imagens em luz polarizada de gás quente incandescente perto de buracos negros, estamos inferindo diretamente a estrutura e intensidade dos campos magnéticos que acompanham o fluxo de gás e matéria que o buraco negro consome e ejeta. 

No entanto, obter imagens de buracos negros em luz polarizada não é tão fácil como usar um par de óculos de sol polarizados. Isto é particularmente verdadeiro no caso de Sgr A*, que apresenta variações tão rápidas que não consegue ficar parado para ser fotografado. Para captar imagens deste buraco negro supermassivo é necessário de ferramentas sofisticadas, melhores que as anteriormente utilizadas para captar M87*, um alvo muito mais estável. 

Uma das semelhanças entre estes dois buracos negros pode ser um jato, mas embora tenha sido captado um muito óbvio em M87*, ainda não foi encontrado nenhum em Sgr A*. Para observar Sgr A*, a colaboração juntou oito telescópios de todo o mundo num único telescópio virtual da dimensão da Terra, o EHT. O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), e o Atacama Pathfinder Experiment (APEX), ambos no norte do Chile, fizeram parte da rede que efetuou as observações em 2017.

O EHT realizou várias observações desde 2017 e estão programadas observações de Sgr A* novamente em Abril de 2024. Todos os anos as imagens melhoram, já que o EHT vai incorporando novos telescópios, maior largura de banda e novas frequências de observação. As expansões planejadas para a próxima década permitirão a realização de filmes de alta resolução de Sgr A*, poderão revelar um jato oculto e permitirão aos astrônomos observar características de polarização semelhantes em outros buracos negros. Entretanto, a extensão do EHT ao espaço permitirá obter imagens de buracos negros mais nítidas do que nunca.

Este trabalho de pesquisa foi apresentado pela colaboração EHT em dois artigos científicos publicados hoje no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: ESO

Supergigantes azuis podem ser formadas pela fusão de duas estrelas

Uma pesquisa internacional, liderada pelo IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias), encontrou pistas sobre a natureza de algumas das estrelas mais quentes e brilhantes do nosso Universo, chamadas supergigantes azuis.

© NASA / C. Reed (ilustração de estrela gigante vermelha e companheira mais jovem)

Embora estas estrelas sejam observadas com frequência, a sua origem é um velho enigma que é debatido há décadas. Através da simulação de novos modelos estelares e da análise de uma grande amostra de dados da Grande Nuvem de Magalhães, os pesquisadores do IAC encontraram fortes indícios de que a maioria das supergigantes azuis pode ter sido formado a partir da fusão de duas estrelas num sistema binário. 

As supergigantes azuis de classe B são estrelas muito luminosas e quentes (pelo menos 10.000 vezes mais luminosas e 2 a 5 vezes mais quentes do que o Sol), com massas entre 16 e 40 vezes a massa do Sol. Espera-se que ocorram durante uma fase muito rápida da evolução, de acordo com a tradição estelar convencional e, portanto, deveriam ser raramente vistas. Então, porque é que observamos tantas? 

Uma pista importante para a sua origem reside no fato de que a maioria das supergigantes azuis são observadas como "solteiras", ou seja, não têm companheiras gravitacionais detectáveis. No entanto, observa-se que a maioria das estrelas massivas jovens nascem em sistemas binários. Porque é que as supergigantes azuis são solteiras? 

Os sistemas binários massivos fundem-se e produzem supergigantes azuis. Num estudo pioneiro liderado por Athira Menon, pesquisadora do IAC, uma equipe internacional de astrofísicos computacionais e observacionais simulou modelos detalhados de fusões estelares e analisou uma amostra de 59 supergigantes azuis de classe B na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea.

Foi simulado as fusões de estrelas gigantes evoluídas com as suas companheiras estelares menores numa vasta gama de parâmetros, tendo em conta a interação e a mistura das duas estrelas durante a fusão. As estrelas recém-nascidas vivem como supergigantes azuis durante a segunda fase mais longa da vida de uma estrela, quando esta queima hélio no seu núcleo. 

Os resultados obtidos explicam por que razão as supergigantes azuis se encontram na chamada lacuna evolutiva da física estelar clássica, uma fase da sua evolução em que não esperaríamos encontrar estrelas. Mas será que essas fusões podem também explicar as propriedades medidas das supergigantes azuis? 

Notavelmente, descobrimos que as estrelas nascidas de tais fusões têm maior sucesso na reprodução da composição da superfície, particularmente o aumento do nitrogênio e do hélio, de uma grande fração da amostra do que os modelos estelares convencionais. Isto indica que as fusões podem ser o canal dominante para produzir supergigantes azuis. 

Este estudo dá um grande passo no sentido de resolver um velho problema de como as supergigantes azuis se formam e indica a importante função das fusões estelares na morfologia das galáxias e das suas populações estelares. A próxima parte do estudo tentará explorar a forma como estas supergigantes azuis explodem e contribuem para a "paisagem" de buracos negros e estrelas de nêutrons.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

Uma em cada dúzia de estrelas apresenta indícios de ingestão planetária

Astrônomos estudaram estrelas gêmeas que deveriam ter uma composição idêntica.

© OPENVERSE (planeta terrestre dilacerado por estrela num sistema binário)

Mas, em cerca de oito por cento dos casos, diferem, deixando os astrônomos perplexos. A equipe, liderada por pesquisadores do ASTRO 3D (ARC Centre of Excellence for All Sky Astrophysics in 3 Dimensions), descobriu que a diferença se deve ao fato de uma das estrelas gêmeas ter devorado planetas ou material planetário. 

As descobertas foram possíveis graças a um vasto conjunto de dados recolhidos com o telescópio Magellan de 6,5 metros e com o VLT (Very Large Telescope) do ESO, ambos no Chile, e com o telescópio Keck de 10 metros no Havaí, EUA. 

Foram observadas estrelas gêmeas que viajam juntas. Nascem das mesmas nuvens moleculares e, por isso, deveriam ser idênticas. Graças a esta análise altamente precisa, podemos ver diferenças químicas entre as gêmeas. Isto fornece evidências muito fortes de que uma das estrelas engoliu planetas ou material planetário e alterou a sua composição. 

O fenômeno apareceu em cerca de oito por cento dos 91 pares de estrelas gêmeas analisadas. O que torna este estudo convincente é o motivo de as estrelas estarem no auge da sua vida, as chamadas estrelas de sequência principal, em vez de estrelas nas suas fases finais, como as gigantes vermelhas.

Este estudo é diferente dos anteriores em que as estrelas na sua fase final podem engolir planetas próximos quando se tornam gigantes. Há algum espaço para dúvidas no que se refere ao saber se as estrelas estão engolindo planetas inteiros ou material protoplanetário, mas os pesquisadores suspeitam que ambas as hipóteses são possíveis. A ingestão do planeta inteiro é o cenário preferido, mas é claro que também não se pode excluir que estas estrelas tenham ingerido muito material de um disco protoplanetário. 

As descobertas têm implicações importantes para o estudo da evolução a longo prazo dos sistemas planetários. Os astrônomos costumavam pensar que este tipo de eventos não era possível. Mas com base nas observações deste estudo, note-se que, embora a ocorrência não seja elevada, é efetivamente possível. Isto abre uma nova janela de estudo para os teóricos da evolução planetária. 

O estudo faz parte de uma colaboração mais vasta, a iniciativa C3PO (Complete Census of Co-moving Pairs of Objects) para observar espectroscopicamente uma amostra completa de todas as estrelas brilhantes em movimento conjunto identificadas pelo satélite Gaia. 

As descobertas aqui apresentadas contribuem para o panorama geral de um tema de investigação chave do ASTRO 3D: a evolução química do Universo. Especificamente, esclarecem sobre a distribuição dos elementos químicos e a sua subsequente viagem, que inclui o seu consumo pelas estrelas.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: ASTRO 3D

terça-feira, 19 de março de 2024

Um novo modelo refuta a matéria escura

O modelo teórico atual para a composição do Universo diz que este é feito de matéria normal, energia escura e matéria escura.

© NightCafeStudio (galáxias e planetas no Universo primitivo)

Um novo estudo da Universidade de Ottawa põe em causa este modelo. Em cosmologia, o termo "matéria escura" descreve tudo o que parece não interagir com a luz ou com o campo eletromagnético, ou que só pode ser explicado através da força gravitacional. Não a podemos ver, nem sabemos de que é feita, mas ajuda-nos a compreender como as galáxias, os planetas e as estrelas se comportam. 

Rajendra Gupta, professor de física na Faculdade de Ciências da Universidade de Ottawa, utilizou uma combinação das teorias das constantes de acoplamento covariantes e da "luz cansada" (o chamado modelo CCC+TL) para chegar a esta conclusão. Este modelo combina duas ideias: sobre a forma como as forças da natureza diminuem ao longo do tempo cósmico e sobre o fato de a luz perder energia quando viaja uma longa distância. 

Foi testado e demonstrou estar de acordo com várias observações, nomeadamente sobre a forma como as galáxias estão espalhadas e como a luz do Universo primitivo evoluiu. Esta descoberta teórica desafia a compreensão dominante do Universo, que sugere que cerca de 27% do mesmo é composto por matéria escura e menos de 5% por matéria comum, sendo o restante energia escura. 

"As descobertas deste estudo confirmam que o nosso trabalho anterior (um artigo científico denominado "JWST early Universe observations and ΛCDM cosmology") sobre a idade do Universo ser de 26,7 bilhões de anos permitiu-nos descobrir que o Universo não precisa de matéria escura para existir", explica Gupta. 

"Na cosmologia padrão, diz-se que a expansão acelerada do Universo é causada pela energia escura, mas na realidade deve-se ao enfraquecimento das forças da natureza à medida que se expande, e não à energia escura", indaga Gupta. 

 Os desvios para o vermelho referem-se a quando a luz é desviada para a parte vermelha do espetro. O pesquisador analisou dados recentes acerca da distribuição de galáxias a baixos desvios para o vermelho e do tamanho angular do "horizonte sonoro" na literatura com altos desvios para o vermelho. "Há vários trabalhos que questionam a existência da matéria escura, mas o meu é o primeiro, que eu saiba, que elimina a sua existência cosmológica ao mesmo tempo que é consistente com as observações cosmológicas fundamentais que tivemos tempo de confirmar", diz Gupta. 

Ao pôr em causa a necessidade de matéria escura no Universo e ao fornecer evidências para um novo modelo cosmológico, este estudo abre novas vias para a exploração das propriedades fundamentais do Universo.

Um artigo científico foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: University of Ottawa

Explosão de formação estelar após colisão de galáxia

Esta galáxia está saltando através de um anel gigante de estrelas?

© Hubble (NGC 7714 & NGC 7715)

Provavelmente não. Embora a dinâmica precisa por trás da imagem apresentada ainda não seja clara, o que nota-se na galáxia retratada, NGC 7714, é que ela foi esticada e distorcida por uma colisão recente com uma galáxia vizinha.

Acredita-se que esta vizinha menor, NGC 7715, situada à esquerda da imagem, tenha carregado diretamente através de NGC 7714.  A interação destas duas galáxias constitui o objeto Arp 284 do catálogo peculiar de galáxias. As observações indicam que o anel dourado fotografado é composto por milhões de estrelas mais antigas, semelhantes ao Sol, que provavelmente estão em movimento com as estrelas interiores mais azuis. 

Em contraste, o centro brilhante da NGC 7714 parece estar passando por uma explosão de formação de novas estrelas. A imagem apresentada foi captada pelo telescópio espacial Hubble. 

A galáxia NGC 7714 está localizada a cerca de 130 milhões de anos-luz de distância, em direção à constelação dos Dois Peixes (Peixes). As interações entre estas galáxias provavelmente começaram há cerca de 150 milhões de anos e deverão continuar por mais centenas de milhões de anos, após o que poderá resultar uma única galáxia central. 

Fonte: NASA

sexta-feira, 15 de março de 2024

Explicando o "colar de pérolas" de uma supernova

Os físicos recorrem frequentemente à instabilidade de Rayleigh-Taylor para explicar a formação de estruturas fluidas nos plasmas, mas essa pode não ser a história completa no que se refere ao anel de aglomerados de hidrogênio em torno da supernova SN 1987A.

© Webb (SN 1987A)

Num estudo, efetuado na Universidade de Michigan, pesquisadores argumentam que a instabilidade de Crow explica melhor o "colar de pérolas" que rodeia o remanescente estelar, lançando luz sobre um mistério astrofísico de longa data. 

A parte fascinante disto é que o mesmo mecanismo que desfaz os rastos dos aviões pode estar aqui em jogo. Nos rastos de condensação dos aviões, a instabilidade Crow cria rupturas na linha suave das nuvens devido ao fluxo de ar em espiral que sai da extremidade de cada asa, conhecido como vórtices de ponta de asa. Estes vórtices fluem uns para os outros, criando lacunas, algo que podemos ver devido ao vapor de água nos gases de escape. E a instabilidade de Crow pode fazer algo que a instabilidade de Rayleigh-Taylor não conseguiu: prever o número de aglomerados observados em torno do remanescente.

A supernova SN 1987A está entre as mais famosas explosões estelares porque fica relativamente perto da Terra, a 163.000 anos-luz de distância, e a sua luz chegou à Terra num momento em que existiam observatórios sofisticados para testemunhar a sua evolução. É a primeira supernova visível a olho nu desde a supernova de Kepler do ano de 1604, o que faz dela um acontecimento astrofísico incrivelmente raro que desempenhou um papel importante na compreensão da evolução estelar. 

Embora ainda se desconheça muito sobre a estrela que explodiu, pensa-se que o anel de gás que a rodeava antes da explosão provém da fusão de duas estrelas. Essas estrelas "derramaram" hidrogênio no espaço ao seu redor quando se tornaram gigantes azuis dezenas de milhares de anos antes da supernova. Essa nuvem de gás em forma de anel foi então fustigada pelo fluxo de partículas carregadas altamente velozes que se desprendiam da gigante azul, conhecido como vento estelar. 

Pensa-se que os aglomerados se formaram antes da explosão da estrela. Os pesquisadores simularam a forma como o vento empurrava a nuvem para fora, ao mesmo tempo que arrastava a superfície, com a parte superior e inferior da nuvem a serem empurradas para fora mais rapidamente do que o centro. Isto fez com que a nuvem se enrolasse sobre si própria, o que desencadeou a instabilidade de Crow e fez com que se separasse em aglomerados bastante uniformes que se tornaram no colar de pérolas. A previsão de 32 está muito próxima dos 30 a 40 aglomerados observados em torno do remanescente da SN 1987A.

A equipe viu indícios de que a instabilidade Crow poderia prever a formação de mais anéis de contas em torno da estrela, mais afastados do anel que aparece mais brilhante nas imagens telescópicas. Ficaram satisfeitos por ver que mais aglomerados parecem surgir na imagem do instrumento NIRCam (Near Infrared Camera) do telescópio espacial James Webb, publicada em agosto do ano passado. Foi sugerido também que a instabilidade de Crow pode estar em jogo quando a poeira em volta de uma estrela se transforma em planetas, embora seja necessária mais análise para explorar esta possibilidade.

Um artigo foi publicado no periódico Physical Review Letters.

Fonte: University of Michigan

Telescópios confirmam o ritmo de expansão do Universo

O ritmo a que o Universo está se expandindo, caracterizada pela constante de Hubble, é um dos parâmetros fundamentais para compreender a evolução e o destino final do cosmos.

© Hubble / Webb (NGC 5468)

Esta imagem da NGC 5468, uma galáxia situada a cerca de 130 milhões de anos-luz da Terra, combina dados dos telescópios espaciais Hubble e James Webb. Esta é a galáxia mais distante em que o Hubble identificou estrelas variáveis Cefeidas.

Atualmente, observa-se uma diferença persistente, designada por Tensão de Hubble, entre o valor da constante medido com uma vasta gama de indicadores de distância independentes e o seu valor previsto a partir do brilho remanescente do Big Bang. 

O telescópio espacial James Webb confirmou que o olhar perspicaz do telescópio espacial Hubble estava certo desde o início, eliminando qualquer dúvida remanescente sobre as medições do Hubble. 

Uma das justificativas científicas para a construção do Hubble foi a utilização do seu poder de observação para fornecer um valor exato para o ritmo de expansão do Universo. Antes do lançamento do Hubble, em 1990, as observações efetuadas por telescópios terrestres apresentavam incertezas enormes. Dependendo dos valores deduzidos para o ritmo de expansão, o Universo poderia ter entre 10 e 20 bilhões de anos. Nos últimos 34 anos, o Hubble reduziu esta medição para uma precisão inferior a um por cento, uma idade de 13,8 bilhões de anos. Isto foi conseguido através do refinamento da chamada "escada de distâncias cósmicas", medindo importantes pontos de referência conhecidos como estrelas variáveis Cefeidas. 

No entanto, o valor do Hubble não está de acordo com outras medições que mostram que o Universo estava se expandindo mais rapidamente após o Big Bang. Estas observações foram feitas pelo satélite Planck da ESA, que mapeou a radiação cósmica de fundo em micro-ondas, sendo um plano de como o Universo evoluiria em termos de estrutura depois do arrefecimento pós-Big Bang. Com o Webb, permitiu aos astrônomos verificar os resultados do Hubble. As imagens infravermelhas das Cefeidas, pelo Webb, concordaram com os dados ópticos do Hubble. 

O resultado final é que a chamada Tensão de Hubble, entre o que acontece no Universo próximo e a expansão do Universo primitivo, continua sendo um enigma para os cosmólogos. Poderá haver algo entrelaçado no tecido do espaço que ainda não compreendemos. Será que para resolver esta discrepância é necessária uma nova física? Ou será o resultado de erros de medição entre os dois diferentes métodos utilizados para determinar o ritmo de expansão do espaço? 

O Hubble e o Webb juntaram-se agora para produzir medições definitivas, reforçando a ideia de que algo mais, e não erros de medição, está influenciando o ritmo de expansão. Como verificação cruzada, uma primeira observação do Webb em 2023 confirmou que as medições do Hubble acerca da expansão do Universo eram exatas. No entanto, na esperança de aliviar a Tensão de Hubble, alguns cientistas especularam que erros invisíveis nas medições podem aumentar e tornar-se visíveis à medida que olhamos mais profundamente para o Universo.

Em particular, a aglomeração estelar poderia afetar de forma sistemática as medições do brilho de estrelas mais distantes. A equipe do levantamento SH0ES (Supernova H0 for the Equation of State of Dark Energy), liderada por Adam Riess, físico da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, EUA, obteve observações adicionais com o Webb de objetos que são marcos cósmicos críticos, conhecidos como estrelas variáveis Cefeidas, que podem agora ser correlacionados com os dados do Hubble. 

Os astrônomos utilizam vários métodos para medir as distâncias relativas no Universo, dependendo do objeto que está sendo observado. Coletivamente, estas técnicas são conhecidas como a escada de distâncias cósmicas; cada degrau ou técnica de medição depende do degrau anterior para ser calibrado. Mas alguns astrônomos sugeriram que, avançando ao longo do "segundo degrau", a escada de distâncias cósmicas poderia ficar instável se as medições das Cefeidas se tornassem menos precisas com a distância. Tais imprecisões podem ocorrer porque a luz de uma Cefeida se pode misturar com a de uma estrela adjacente, um efeito que se pode tornar mais pronunciado com a distância, à medida que as estrelas se aglomeram no céu e se tornam mais difíceis de distinguir umas das outras.

O desafio observacional é o fato das imagens anteriores do Hubble, destas variáveis Cefeidas mais distantes, parecerem mais amontoadas e sobrepostas com estrelas vizinhas a distâncias cada vez maiores entre nós e as suas galáxias hospedeiras, exigindo uma contabilização cuidadosa deste efeito. A existência de poeira interveniente complica ainda mais a certeza das medições no visível. O Webb atravessa a poeira e isola naturalmente as Cefeidas das estrelas vizinhas porque a sua visão é mais nítida do que a do Hubble nos comprimentos de onda infravermelhos.

As novas observações do Webb incluem cinco galáxias hospedeiras de oito supernovas do Tipo Ia, contendo um total de 1.000 Cefeidas, e vão até à galáxia mais distante onde as Cefeidas foram bem medidas, a NGC 5468, a uma distância de 130 milhões de anos-luz.

Em conjunto, a confirmação da Tensão de Hubble pelo Hubble e pelo Webb permite que outros observatórios resolvam o mistério, incluindo o futuro telescópio espacial Nancy Grace Roman da NASA e a missão Euclid recentemente lançada pela ESA. Atualmente, é como se a escada de distâncias observada pelo Hubble e pelo Webb tivesse fixado firmemente um ponto de ancoragem numa das margens de um rio, e o brilho remanescente do Big Bang observado pelo Planck no início do Universo estivesse fixado firmemente na outra margem. A forma como a expansão do Universo se alterou nos bilhões de anos entre estes dois pontos ainda não foi diretamente observada. 

"Precisamos de descobrir se nos está escapando alguma coisa sobre como ligar o início do Universo aos dias de hoje", disse Riess. 

Estas descobertas foram publicadas no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: ESA