quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Supernova em forma de dente-de-leão e uma estrela zumbi

Uma supernova histórica, documentada por astrônomos chineses e japoneses em 1181, esteve perdida durante séculos, até muito recentemente.

© Adam Makarenko (ilustração do remanescente de supernova Pa 30)

No entanto, o remanescente recentemente encontrado apresenta algumas características impressionantes. Agora, revela os seus segredos. 

Uma equipe liderada por Tim Cunningham, do Centro de Astrofísica do Harvard & Smithsonian, e por Ilaria Caiazzo, professora assistente do ISTA (Institute of Science and Technology Austria), fornece o primeiro estudo detalhado da estrutura da supernova e da sua velocidade de expansão em 3D. 

Em 1181, uma nova estrela brilhou perto da constelação de Cassiopeia durante seis meses antes de desaparecer. Este acontecimento, registado como uma "estrela convidada" por observadores chineses e japoneses há quase um milênio, intrigou os astrônomos durante séculos. É uma das poucas supernovas que foram documentadas antes da invenção dos telescópios. Além disso, foi a que permaneceu mais tempo "órfã", o que significa que nenhum dos objetos celestes hoje visíveis lhe podia ser atribuído. 

Atualmente conhecida como supernova SN 1181, o seu remanescente só foi localizado em 2021 na nebulosa Pa 30, descoberta em 2013 pelo astrônomo amador Dana Patchick enquanto examinava um arquivo de imagens do telescópio WISE no âmbito de um projeto de ciência cidadã. Mas esta nebulosa não é um típico remanescente de supernova. O intrigante é a presença de uma "estrela zumbi" sobrevivente no seu centro, um remanescente dentro do remanescente.

Pensa-se que SN 1181 tenha ocorrido quando uma explosão termonuclear foi desencadeada numa estrela densa e morta chamada anã branca. Normalmente, a anã branca seria completamente destruída neste tipo de explosão, mas neste caso, parte da estrela sobreviveu, deixando para trás um cadáver estelar. A este tipo de explosão parcial chama-se uma supernova do Tipo Iax. Mais intrigante ainda é o fato de desta estrela zumbi saírem estranhos filamentos, semelhantes às pétalas de uma flor de dente-de-leão. 

Agora, os pesquisadores obtiveram uma visão detalhada e sem precedentes destes estranhos filamentos. Foi possível estudar em pormenor este estranho remanescente de supernova graças ao KCWI (Keck Cosmic Web Imager) do Caltech. O KCWI é um espectrógrafo situado a 4.000 metros de altitude no Observatório W. M. Keck, no Havaí, perto do cume do vulcão Mauna Kea, o pico mais alto da ilha. Como o seu nome indica, o KCWI foi concebido para detectar algumas das fontes de luz mais tênues e escuras do Universo, coletivamente designadas por "teia cósmica". Além disso, o KCWI é tão sensível e inteligentemente concebido que consegue captar informação espectral para cada pixel de uma imagem. Pode também medir o movimento da matéria numa explosão estelar, criando algo como um filme 3D de uma supernova. O KCWI examina a forma como a luz se desloca quando se aproxima ou se afasta de nós, um processo físico semelhante ao conhecido efeito Doppler que conhecemos das sirenes que mudam de tom quando uma ambulância passa por nós. 

Assim, em vez de verem apenas a típica imagem estática de um espetáculo de fogo de artifício comum às observações de supernovas, foi criado um mapa 3D detalhado da nebulosa e dos seus estranhos filamentos. Além disso, foi mostrado que o material nos filamentos viajava balisticamente a cerca de 1.000 quilómetros por segundo.

Para além dos filamentos em forma de dente-de-leão e da sua expansão balística, a forma geral da supernova é muito incomum. A equipe conseguiu demonstrar que o material dentro dos filamentos que é ejetado para longe do local da explosão é incomumente assimétrica. Isto sugere que a assimetria tem origem na própria explosão inicial. Além disso, os filamentos parecem ter uma orla interna aguçada, mostrando uma "lacuna" interna em torno da estrela zumbi.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters

Fonte: Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics

domingo, 27 de outubro de 2024

Encontradas as primeiras candidatas a anãs marrons fora da Via Láctea

Astrônomos utilizaram o telescópio espacial James Webb para detectar a primeira população de candidatas a anãs marrons fora da Via Láctea, no aglomerado estelar NGC 602.

© Webb (NGC 602)

Perto da periferia da Pequena Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite a cerca de 200.000 anos-luz da Terra, encontra-se o jovem aglomerado estelar NGC 602. O ambiente local deste aglomerado é um análogo próximo do que existia no Universo primitivo, com abundâncias muito baixas de elementos mais pesados do que o hidrogênio e o hélio. 

A existência de nuvens escuras de poeira densa e o fato de o aglomerado ser rico em gás ionizado também sugerem a presença de processos de formação estelar em curso. Juntamente com a sua região HII associada N90, que contém nuvens de hidrogênio atômico ionizado, este aglomerado constitui uma oportunidade valiosa para examinar cenários de formação estelar em condições dramaticamente diferentes das da vizinhança solar.

As anãs marrons são as primas mais massivas dos planetas gigantes gasosos (tipicamente variam entre 13 e 75 massas de Júpiter, por vezes menos). Flutuam livremente, o que significa que não estão gravitacionalmente ligadas a uma estrela como os exoplanetas. No entanto, algumas delas partilham características com os exoplanetas, como a sua composição atmosférica e padrões de tempestade.

Até agora, conhecíamos cerca de 3.000 anãs marrons, mas todas elas vivem dentro da nossa própria Galáxia. Esta descoberta realça o poder de usar tanto o Hubble como o Webb para estudar aglomerados estelares jovens. O Hubble mostrou que NGC 602 abriga estrelas muito jovens de baixa massa, mas só com o Webb é possível finalmente ver a extensão e o significado da formação de massa subestelar neste aglomerado. 

Os dados incluem uma nova imagem de NGC 602 obtida pelo instrumento NIRCam (Near-InfraRed Camera) do Webb, que destaca as estrelas do aglomerado, os jovens objetos estelares e as cristas de gás e poeira circundantes, bem como o próprio gás e poeira, ao mesmo tempo que mostra a contaminação significativa por galáxias de fundo e outras estrelas na Pequena Nuvem de Magalhães. Estas observações foram efetuadas em abril de 2023. 

Ao estudar as jovens anãs marrons pobres em metal recentemente descobertas em NGC 602, estamos mais perto de desvendar os segredos de como as estrelas e os planetas se formaram nas duras condições do Universo primitivo. Estes são os primeiros objetos subestelares fora da Via Láctea.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Fonte: ESA

sábado, 26 de outubro de 2024

Descoberto o primeiro buraco negro num sistema triplo

Muitos dos buracos negros detectados até o momento parecem fazer parte de um par.

© Jorge Lugo (estrela distante e buraco negro consumindo estrela próxima)

Estes sistemas binários são constituídos por um buraco negro e um objeto secundário, como uma estrela, uma muito mais densa estrela de nêutrons ou outro buraco negro, que giram em volta um do outro, atraídos pela gravidade do buraco negro para formar um par orbital íntimo.

Agora, uma descoberta surpreendente está expandindo a nossa imagem dos buracos negros, dos objetos que podem abrigar e da maneira como se formam. Num estudo, físicos do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e do Caltech (California Institute of Technology) afirmam ter observado pela primeira vez um sistema triplo que conta com a presença de um buraco negro. O novo sistema contém um buraco negro central que está consumindo uma pequena estrela e que completa uma órbita a cada 6,5 dias, uma configuração semelhante à maioria dos sistemas binários. 

Mas, surpreendentemente, uma segunda estrela parece estar também orbitando o buraco negro, embora a uma distância muito maior. Os físicos estimam que esta companheira distante complete uma órbita em torno do buraco negro a cada 70.000 anos. O fato de o buraco negro parecer ter influência gravitacional sobre um objeto tão distante está levantando questões sobre as origens do próprio buraco negro. 

Pensa-se que os buracos negros se formam a partir da explosão violenta de uma estrela moribunda, um processo conhecido como supernova, através do qual uma estrela libera uma enorme quantidade de energia e luz numa explosão final antes de colapsar para formar um buraco negro invisível. No entanto, a descoberta da equipe sugere que, se o buraco negro recém-observado resultasse de uma supernova típica, a energia que teria liberado antes de entrar em colapso teria ejetado quaisquer objetos fracamente ligados na sua periferia.

A segunda estrela, a mais externa, não deveria, portanto, estar ainda por perto. Ao invés, suspeita-se que o buraco negro se formou através de um processo mais gentil de "colapso direto", no qual uma estrela simplesmente colapsa sobre si própria, formando um buraco negro sem um último dramático fulgor. 

Uma origem tão gentil dificilmente perturbaria quaisquer objetos distantes e fracamente ligados pela gravidade. Como o novo sistema triplo inclui uma estrela muito distante, isto sugere que o buraco negro do sistema nasceu através de um colapso mais gentil e direto. E embora os astrônomos já observem há séculos supernovas mais violentas, a equipe afirma que o novo sistema triplo pode ser a primeira evidência de um buraco negro que se formou a partir deste processo mais moderado. 

Este sistema é muito interessante para a evolução dos buracos negros e também levanta a questão de saber se existem mais triplos por aí. A descoberta do buraco negro neste sistema triplo surgiu quase por acaso. Os físicos descobriram-no enquanto pesquisavam no Aladin Lite, um repositório de observações astronômicas, agregadas a partir de telescópios no espaço e em todo o mundo. Os astrônomos podem utilizar a ferramenta online para procurar imagens da mesma parte do céu, tiradas por diferentes telescópios que estão sintonizados para vários comprimentos de onda de energia e luz. 

A equipe tem vindo a procurar sinais de novos buracos negros na Via Láctea. Por curiosidade, foi analisada uma imagem de V404 Cygni, um buraco negro a cerca de 8.000 anos-luz da Terra que foi um dos primeiros objetos a ser confirmado como buraco negro, em 1992. Desde então, V404 Cygni tornou-se um dos buracos negros mais estudados, tendo sido documentado em mais de 1.300 artigos científicos. 

Ao olhar para as imagens ópticas de V404 Cygni, astrônomos viram o que pareciam ser duas manchas de luz, surpreendentemente próximas uma da outra. A primeira mancha era o que outros determinaram ser o buraco negro e uma estrela interior, que orbitava muito perto. A estrela está tão próxima que está derramando algum do seu material sobre o buraco negro, emitindo a luz que pode ser observada. A segunda mancha de luz, no entanto, foi algo que os cientistas não investigaram rigorosamente, até agora. 

A estrela exterior está a 3.500 UA do buraco negro (1 UA, ou unidade astronômica, é a distância entre a Terra e o Sol, cerca de 150 milhões de quilômetros), que é também igual a 100 vezes a distância entre Plutão e o Sol. 

A questão que se colocou então foi a de saber se a estrela exterior estaria ligada ao buraco negro e à sua estrela interior. Para responder a esta questão, os pesquisadores recorreram ao Gaia, um satélite que, desde 2014, tem seguido com precisão os movimentos de muitas estrelas da nossa Galáxia. A equipe analisou os movimentos da estrela interior e da exterior ao longo dos últimos 10 anos de dados do Gaia e descobriu que as estrelas se moviam exatamente em conjunto, em comparação com outras estrelas vizinhas. Foi calculado que a probabilidade deste tipo de movimento em conjunto é de cerca de uma em 10 milhões.

Como é que o sistema foi formado? Se o buraco negro tivesse surgido de uma supernova típica, a explosão violenta teria ejetado a estrela exterior há muito tempo. Para realmente testar esta ideia, foram efetuadas simulações para ver como um tal sistema triplo poderia ter evoluído e retido a estrela exterior. No início de cada simulação, introduziu três estrelas (sendo a terceira o buraco negro, antes de se tornar um buraco negro). Em seguida, executou milhares de simulações, cada uma com um cenário ligeiramente diferente de como a terceira estrela poderia ter-se tornado um buraco negro, afetando subsequentemente os movimentos das outras duas estrelas.

Por exemplo, simulou uma supernova, variando a quantidade e a direção da energia que liberava. Simulou também cenários de colapso direto, em que a terceira estrela simplesmente colapsava sobre si própria para formar um buraco negro, sem emitir qualquer energia.

Para além de dar pistas sobre as origens do buraco negro, a estrela exterior também revelou a idade do sistema. Os físicos observaram que a estrela exterior está no processo de se tornar uma gigante vermelha, uma fase que ocorre no fim da vida de uma estrela. Com base nesta transição estelar, determinou-se que a estrela exterior tem cerca de 4 bilhões de anos. Dado que as estrelas vizinhas nascem mais ou menos no mesmo momento, conclui-se que o sistema triplo tem também 4 bilhões de anos.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Massachusetts Institute of Technology

A brilhante estrela Betelgeuse tem provavelmente uma companheira

A décima estrela mais brilhante do céu noturno, Betelgeuse, pode afinal não estar à beira de explodir como uma supernova, de acordo com um novo estudo sobre o seu aumento e diminuição de brilho.

© Simons Fundation (Betelgeuse e da sua provável companheira Betelbuddy)

Ao invés, uma pesquisa recente mostra que a pulsação observada da luz estelar é provavelmente causada por uma estrela companheira que orbita Betelgeuse. Formalmente designada por Alpha Ori B, "Betelbuddy" (como lhe chama o astrofísico Jared Goldberg) que empurra para fora do caminho poeiras que bloqueiam a luz e fazendo com que Betelgeuse pareça temporariamente mais brilhante. 

Betelgeuse é uma estrela gigante vermelha com cerca de 100.000 vezes o brilho do nosso Sol e mais de 400 milhões de vezes o seu volume. A estrela está se aproximando do final da sua vida e, quando morrer, a explosão resultante será suficientemente brilhante para ser vista durante o dia e durante semanas. 

Os astrônomos podem prever quando Betelgeuse vai morrer, "verificando o seu pulso". É uma estrela variável, o que significa que fica mais brilhante e mais fraca, pulsando como um batimento cardíaco. No caso de Betelgeuse, há dois batimentos: um que pulsa numa escala de tempo um pouco superior a um ano e outro que pulsa numa escala de tempo de cerca de seis anos. Um destes batimentos é o modo fundamental de Betelgeuse, um padrão de aumento e diminuição de brilho que é intrínseco à própria estrela. Se o modo fundamental da estrela for o seu batimento de longa escala, então Betelgeuse pode estar pronta para explodir mais cedo do que o esperado.

No entanto, se o seu modo fundamental for o seu batimento de curta escala, como sugerem vários estudos, então o seu batimento mais longo é um fenômeno chamado período secundário longo. Nesse caso, este mais longo aumento e diminuição de brilho seria provocado por algo externo à estrela. 

Os cientistas ainda não sabem ao certo o que causa os longos períodos secundários, mas uma das principais teorias é que surgem quando uma estrela tem uma companheira que a rodeia e atravessa a poeira cósmica que é produzida e expelida pela estrela. A poeira deslocada altera a quantidade de luz estelar que chega à Terra, mudando o brilho aparente da estrela. 

Os pesquisadores exploraram a possibilidade de outros processos causarem o longo período secundário, tais como a agitação no interior da estrela ou alterações periódicas no seu poderoso campo magnético. Depois de combinarem dados de observações diretas de Betelgeuse com modelos computacionais avançados que simulam a atividade da estrela, a equipe concluiu que Betelbuddy é de longe a explicação mais provável. Ainda não foi possível determinar exatamente a natureza de Betelbuddy, mas presume que seja uma estrela com o dobro da massa do Sol. 

Uma hipótese mais exótica é que a companheira seja uma estrela de nêutrons, ou seja, o núcleo de uma estrela que já se tornou supernova. No entanto, nesse caso, seria de esperar ver evidências disso através de observações em raios X, o que não aconteceu. 

A seguir, a equipe irá captar imagens de Betelbuddy com telescópios, uma vez que haverá uma potencial janela de visibilidade por volta de 6 de dezembro.

Um artigo foi aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: University of Wyoming

Determinando a forma da coroa dos buracos negros

Novas descobertas, recorrendo a dados da missão IXPE (Imaging X-ray Polarimetry Explorer) da NASA, fornecem uma perspectiva sem precedentes sobre a forma e a natureza de uma estrutura importante para os buracos negros de nome coroa.

© Robert Hurt (ilustração da coroa de um buraco negro)

A coroa é uma região de plasma em movimento que faz parte do fluxo de matéria de um buraco negro, em que temos apenas uma compreensão teórica. Os novos resultados revelam a forma da coroa pela primeira vez e podem ajudar os cientistas a compreender o seu papel na alimentação e manutenção dos buracos negros. 

Muitos buracos negros, assim designados porque nem a luz consegue escapar à sua gravidade titânica, estão rodeados por discos de acreção, redemoinhos de gás cheios de detritos. Alguns buracos negros também têm jatos relativísticos, explosões ultrapoderosas de matéria lançada para o espaço a alta velocidade por eles que estão alimentado ativamente o material ao seu redor. 

Menos conhecido, talvez, é o fato de os buracos negros comedores, tal como o Sol e outras estrelas, também possuírem uma coroa superaquecida. Ao passo que a coroa do Sol, que é a atmosfera mais externa da estrela, arde a cerca de um milhão de graus Celsius, a temperatura da coroa de um buraco negro está estimada em bilhões de graus. 

Os astrofísicos já tinham identificado coroas em buracos negros de massa estelar - formados pelo colapso de uma estrela - e em buracos negros supermassivos, como o que se encontra no núcleo da Via Láctea.

A forma geométrica da coroa será uma esfera acima e abaixo do buraco negro, ou uma atmosfera gerada pelo disco de acreção, ou talvez plasma localizado na base dos jatos? E é aqui que entra o IXPE, especializado na polarização de raios X, a característica da luz que ajuda a mapear a forma e a estrutura das mais poderosas fontes de energia, iluminando o seu funcionamento interno mesmo quando os objetos são demasiado pequenos, brilhantes ou distantes para serem vistos diretamente. Assim como podemos observar em segurança a coroa do Sol durante um eclipse solar total, o IXPE fornece os meios para estudar claramente a geometria da acreção do buraco negro, ou a forma e estrutura do seu disco de acreção e estruturas relacionadas, incluindo a coroa. 

O IXPE demonstrou, entre todos os buracos negros para os quais as propriedades coronais puderam ser medidas diretamente através da polarização, que a coroa foi estendida na mesma direção que o disco de acreção, fornecendo, pela primeira vez, pistas sobre a forma da coroa e evidências claras da sua relação com o disco de acreção. Os resultados excluem a possibilidade de a coroa ter a forma de um poste de luz pairando sobre o disco.

Os pesquisadores estudaram os dados das observações de 12 buracos negros pelo IXPE, entre os quais Cygnus X-1 e Cygnus X-3, sistemas binários com buracos negros de massa estelar a cerca de 7.000 e 37.000 anos-luz da Terra, respectivamente, e LMC X-1 e LMC X-3, buracos negros de massa estelar na Grande Nuvem de Magalhães, a mais de 165.000 anos-luz de distância. O IXPE também observou vários buracos negros supermassivos, incluindo o que se encontra no centro da Galáxia do Compasso, a 13 milhões de anos-luz da Terra, e os que se encontram nas galáxias Messier 77 e NGC 4151, a 47 milhões de anos-luz e quase 62 milhões de anos-luz, respectivamente. 

Os buracos negros de massa estelar têm normalmente uma massa cerca de 10 a 30 vezes superior à do Sol, enquanto os buracos negros supermassivos podem ter uma massa milhões a dezenas de bilhões de vezes superior. Apesar destas grandes diferenças de escala, os dados do IXPE sugerem que ambos os tipos de buracos negros criam discos de acreção com geometria semelhante. Isso é surpreendente, porque a forma como os dois tipos são alimentados é completamente diferente. Os buracos negros de massa estelar retiram massa das estrelas que os acompanham, enquanto os buracos negros supermassivos devoram tudo em sua volta. Os astrônomos esperam fazer análises adicionais de ambos os tipos.

Os resultados foram publicados no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: NASA

sábado, 19 de outubro de 2024

Finalmente revelada a origem da maioria dos meteoritos

Uma equipe internacional liderada por três pesquisadores do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), do European Southern Observatory (ESO) e da Universidade Carlos de Praga (República Tcheca) demonstrou que 70% de todas as quedas de meteoritos conhecidas têm origem em apenas três famílias (Karin, Koronis e Massalia).de asteroides jovens.

© Adobe Stock (ilustração de um asteroide do cinturão principal)

A equipe também revelou as fontes de outros tipos de meteoritos; com esta pesquisa, a origem de mais de 90% dos meteoritos foi agora identificada. Em particular, a família Massalia foi identificada como a fonte de 37% dos meteoritos conhecidos. Embora se conheçam mais de 70.000 meteoritos, apenas 6% foram claramente identificados pela sua composição (acondritos) como provenientes da Lua, Marte ou Vesta, um dos maiores asteroides do cinturão principal. A fonte dos outros 94% dos meteoritos, a maioria dos quais são condritos comuns, permaneceu não identificada. 

Porque é que estas três jovens famílias são a fonte de tantos meteoritos? Isto pode ser explicado pelo ciclo de vida das famílias de asteroides. As famílias jovens são caracterizadas por uma abundância de pequenos fragmentos resultantes de colisões. Esta abundância aumenta o risco de colisões entre fragmentos e, associada à sua grande mobilidade, à sua fuga do cinturão, possivelmente em direção à Terra. As famílias de asteroides produzidas por colisões mais antigas, por outro lado, são fontes "esgotadas" de meteoritos. A abundância de pequenos fragmentos que outrora as constituíam desgastou-se naturalmente e acabou por desaparecer após dezenas de milhões de anos de colisões sucessivas e da sua evolução dinâmica. Assim, Karin, Koronis e Massalia coexistirão inevitavelmente com novas fontes de meteoritos provenientes de colisões mais recentes e acabarão por lhes dar lugar. 

Esta descoberta histórica foi possível graças a um levantamento telescópico da composição de todas as principais famílias de asteroides do cinturão principal, combinado com simulações computacionais de última geração da evolução colisional e dinâmica destas famílias principais. Esta abordagem foi alargada a todas as famílias de meteoritos, revelando as fontes primárias dos condritos carbonáceos e acondritos, que se juntam aos da Lua, Marte e Vesta. 

Permitiu igualmente identificar a origem de asteroides de dimensão quilométrica (tamanho que ameaça a vida na Terra). Estes objetos são foco de numerosas missões espaciais (NEAR Shoemaker, Hayabusa1, Chang'E 2, Hayabusa2, OSIRIS-Rex, DART, Hera, etc.). Em particular, parece que os asteroides Ryugu e Bennu, com amostras recentemente capturadas pelas missões Hayabusa2 (JAXA) e OSIRIS-REx (NASA), respectivamente, e estudados em laboratórios de todo o mundo, derivam do mesmo asteroide progenitor da família Polana.

A origem dos restantes 10% dos meteoritos conhecidos está ainda por determinar. Para remediar esta situação, a equipe planeja continuar a sua exploração, desta vez concentrando-se na caracterização de todas as famílias jovens que se formaram há menos de 50 milhões de anos.

Três artigos foram publicados, dois na revista Nature e outro no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Centre National de la Recherche Scientifique

Resolvido o mistério de uma famosa anã marrom

Desde a sua descoberta em 1995, por pesquisadores do California Institute of Technology (Caltech) no Observatório Palomar, que já foram escritos centenas de artigos científicos acerca da primeira anã marrom conhecida, Gliese 229 B.

© Caltech (ilustração de anãs marrons binárias)

Mas ainda persistia um mistério premente referente a este objeto: é demasiado fraca para a sua massa. As anãs marrons são mais leves do que as estrelas e mais massivas do que os gigantes gasosos como Júpiter. 

E embora os astrônomos tenham medido a massa de Gliese 229 B como sendo cerca de 70 vezes superior à de Júpiter, um objeto com essa massa deveria brilhar mais do que o observado pelos telescópios. Agora, astrônomos resolveram finalmente este mistério: a anã marrom é, na verdade, um par de anãs marrons muito íntimas, com cerca de 38 e 34 vezes a massa de Júpiter, que giram em torno uma da outra a cada 12 dias. Os níveis de brilho observados no par correspondem ao que se espera de duas pequenas anãs marrons tênues com esta massa.

A descoberta leva a novas questões sobre a formação de pares de anãs marrons tão unidos como este e sugere que anãs marrons binárias semelhantes, ou mesmo exoplanetas binários, podem estar à espera de serem encontrados. 

Os astrônomos usaram o Observatório Palomar para descobrir que Gliese 229 B possuía metano na sua atmosfera, um fenômeno típico de gigantes gasosos como Júpiter, mas não de estrelas. Esta descoberta marcou a primeira detecção confirmada de uma classe de objetos frios semelhantes a estrelas, de nome anãs marrons, o elo perdido entre planetas e estrelas, que tinha sido teorizada cerca de 30 anos antes.

Para resolver Gliese 229 B em dois objetos, a equipe utilizou dois instrumentos diferentes, ambos acoplados ao VLT (Very Large Telescope) do ESO, no Chile. Usaram o instrumento GRAVITY, um interferômetro que combina a luz de quatro telescópios diferentes, para resolver espacialmente o corpo em dois, e usaram o instrumento CRIRES+ (CRyogenic high-resolution InfraRed Echelle Spectrograph) para detectar assinaturas espectrais distintas dos dois objetos. O último método envolveu a medição do movimento (ou efeito Doppler) das moléculas na atmosfera das anãs marrons, o que indicou que um corpo se dirigia na direção da Terra e o outro na direção oposta, e vice-versa, à medida que o par se orbitava um ao outro.

Estas observações, feitas ao longo de cinco meses, mostraram que a dupla de anãs marrons, agora com o nome Gliese 229 Ba e Gliese 229 Bb, orbitam-se uma à outra a cada 12 dias com uma separação apenas 16 vezes maior do que a distância entre a Terra e a Lua. O par ainda orbita uma estrela anã M (uma estrela menor e mais vermelha do que o nosso Sol) de 250 em 250 anos.

A forma como este par de objetos cósmicos rodopiantes surgiu é ainda um mistério. Algumas teorias dizem que os pares de anãs marrons podem formar-se nos discos de matéria que rodeiam uma estrela em formação. O disco se fragmentaria em duas "sementes" de anãs marrons, que se ligariam gravitacionalmente após um encontro próximo. Resta saber se estes mesmos mecanismos de formação funcionam para formar pares de planetas à volta de outras estrelas.

No futuro, a equipe gostaria de procurar anãs marrons binárias em órbitas ainda mais íntimas com instrumentos como o KPIC (Keck Planet Imager and Characterizer), que foi desenvolvido no Observatório W. M. Keck no Havaí, bem como o futuro HISPEC (High-resolution Infrared SPectrograph for Exoplanet Characterization), que está em construção no Caltech.

Dois artigos foram publicados, um na revista Nature e outro no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: California Institute of Technology

Novas informações sobre a forma como Marte se tornou inabitável

O rover Curiosity da NASA, que explora atualmente a cratera Gale em Marte, está fornecendo novos detalhes sobre como o antigo clima marciano passou de potencialmente adequado à vida para uma superfície inóspita tal como a conhecemos.

© NASA (ilustração de Marte antigo com água líquida à superfície)

Embora a superfície de Marte seja frígida e hostil à vida hoje em dia, os exploradores robóticos da NASA em Marte estão à procura de pistas sobre se poderia ter suportado vida num passado distante. Os pesquisadores utilizaram instrumentos a bordo do Curiosity para medir a composição isotópica de minerais ricos em carbono (carbonatos) encontrados na cratera Gale e descobriram novas perspectivas sobre a forma como o antigo clima do Planeta Vermelho se transformou.

Os valores isotópicos destes carbonatos apontam para quantidades extremas de evaporação, sugerindo que estes carbonatos se formaram provavelmente num clima que só podia suportar água líquida transiente. As amostras não são consistentes com um ambiente antigo com vida (biosfera) na superfície de Marte, embora isto não exclua a possibilidade de uma biosfera subterrânea ou de uma biosfera à superfície que começou e terminou antes da formação destes carbonatos. 

À medida que a água se evaporava, as versões leves de carbono e oxigênio tinham maior probabilidade de escapar para a atmosfera, enquanto as versões pesadas eram deixadas para trás com maior frequência, acumulando-se em abundâncias mais elevadas e, neste caso, acabando por ser incorporadas nas rochas carbonatadas. 

Os cientistas estão interessados nos carbonatos devido à sua capacidade comprovada de agirem como registros climáticos. Estes minerais podem reter assinaturas dos ambientes em que se formaram, incluindo a temperatura e a acidez da água, a composição da água e da atmosfera. 

O estudo propõe dois mecanismos de formação para os carbonatos encontrados na cratera Gale. No primeiro cenário, os carbonatos são formados através de uma série de ciclos úmidos-secos na cratera Gale. No segundo, os carbonatos são formados em água muito salgada sob condições frias e de formação de gelo (criogênicas) na cratera Gale.

Estes cenários climáticos para um Marte antigo já tinham sido propostos anteriormente, com base na presença de certos minerais, em modelos em escala global e na identificação de formações rochosas. Este resultado é o primeiro a acrescentar evidências isotópicas de amostras de rocha para apoiar os cenários. Os valores dos isótopos pesados nos carbonatos marcianos são significativamente mais elevados do que os observados na Terra para os minerais de carbonato e são os valores de isótopos de carbono e oxigênio mais pesados registrados para quaisquer materiais em Marte. Embora a evaporação possa causar alterações significativas nos isótopos de oxigênio na Terra, as alterações medidas neste estudo foram duas a três vezes maiores. Isto significa que houve um grau extremo de evaporação que levou estes valores isotópicos a serem tão elevados ou estes isótopos pesados foram preservados, pelo que quaisquer processos que criassem valores isotópicos mais leves devem ter sido significativamente menores em magnitude.

Esta descoberta foi feita utilizando os instrumentos SAM (Sample Analysis at Mars) e TLS (Tunable Laser Spectrometer) a bordo do rover Curiosity. O SAM aquece as amostras até cerca quase 900°C e depois o TLS é utilizado para analisar os gases que são produzidos durante esta fase de aquecimento.

Um artigo foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences

Fonte: NASA