sábado, 21 de janeiro de 2023

Um sistema binário composto por duas anãs ultrafrias

Astrofísicos da Universidade Northwestern e da Universidade da Califórnia em San Diego descobriram o sistema binário, composto por duas anãs ultrafrias, mais íntimo alguma vez observado.

© NASA (ilustração de uma estrela anã ultrafria)

As duas estrelas estão tão próximas uma da outra que completam uma órbita em menos de um dia. Por outras palavras, cada "ano" de cada estela dura apenas 20,5 horas.

O sistema recentemente descoberto, denominado LP 413-53AB, é composto por um par de anãs ultrafrias, uma classe de estrelas de massa muito baixa que são tão frias que emitem a sua luz principalmente no infravermelho, tornando-as completamente invisíveis ao olho humano. No entanto, são um dos tipos de estrelas mais comuns no Universo. 

Anteriormente, os astrônomos apenas tinham detectado três sistemas binários de curta duração compostos por anãs ultrafrias, todos eles relativamente jovens, com até 40 milhões de anos. O LP 413-53AB tem uma idade estimada em poucos bilhões de anos, idade semelhante à do nosso Sol, mas um período orbital que é pelo menos três vezes mais curto do que todas as estrelas duplas anãs ultrafrias descobertas até agora.

A equipe descobriu pela primeira vez o estranho sistema binário enquanto explorava dados de arquivo. Foi desenvolvido um algoritmo que consegue modelar uma estrela com base nos seus dados espectrais. Ao analisar o espectro da luz emitida por uma estrela, os astrofísicos podem determinar a composição química, temperatura, gravidade e rotação da estrela. Esta análise também mostra o movimento da estrela à medida que esta se desloca em direção ao observador e à medida que se afasta, método conhecido como velocidade radial.

Ao examinar os dados espectrais de LP 413-53AB, foi notado algo de estranho. As primeiras observações captaram o sistema quando as estrelas estavam aproximadamente alinhadas e as suas linhas espectrais sobrepostas, sugerindo que se tratava apenas de uma estrela. Mas à medida que as estrelas se moviam na sua órbita, as linhas espectrais deslocaram-se em direções opostas, dividindo-se em dados espectrais posteriores. Na realidade eram duas estrelas presas num binário incrivelmente íntimo. 

Em 13 de março de 2022, a equipe virou os telescópios poderosos do Observatório W. M. Keck em direção à constelação de Touro, onde o sistema binário está localizado, e observou-o durante duas horas. Fizeram novas observações em julho, outubro e dezembro. Com este sistema, notou-se as linhas espectrais se afastarem em tempo real. As observações confirmaram o que o modelo havia previsto. 

A distância entre as duas estrelas é de cerca de 1% da distância entre a Terra e o Sol. A equipe especula que as estrelas ou migraram uma em direção à outra com o passar do tempo, ou podem ter-se juntado após a ejeção de um terceiro, membro estelar, agora perdido. São necessárias mais observações para testar estas ideias. 

As anãs ultrafrias são muito mais fracas e tênues do que o Sol, pelo que qualquer mundo com água líquida à superfície teria que estar muito próximo da estrela. Contudo, para LP 413-53AB, a zona habitável é a mesma que a órbita estelar, tornando impossível a formação de planetas habitáveis neste sistema.

Novos dados observacionais poderiam ajudar a reforçar modelos teóricos para a formação e evolução de estrelas duplas. No entanto, até agora, a descoberta de estrelas binárias ultrafrias tem permanecido um feito raro. Mas não sabemos se são raros porque raramente existem ou porque simplesmente não os encontramos. É uma questão em aberto.

Fonte: Northwestern University

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Nuvens inesperadas em direção à galáxia de Andrômeda

Por que existem arcos emissores de oxigênio em direção perto da galáxia de Andrômeda?

© Y. Sainty & M. Drechsler (nuvens próximas a galáxia de Andrômeda)

Ninguém tem certeza. Os arcos de gás, mostrados em azul, foram descobertos e confirmados pela primeira vez por astrônomos amadores no ano passado. 

As duas principais hipóteses de origem para os arcos são que eles realmente estão próximos da galáxia de Andrômeda (M31), ou que são apenas filamentos de gás colocados coincidentemente em nossa galáxia, a Via Láctea. 

Para aumentar o mistério, os arcos não foram vistos em imagens profundas anteriores da M31, obtidas principalmente na luz emitida pelo hidrogênio, e outras galáxias mais distantes não foram geralmente observadas mostrando estruturas emissoras de oxigênio semelhantes.

Os astrônomos amadores dedicados usando telescópios comerciais fizeram esta descoberta porque, em parte, os telescópios profissionais geralmente investigam pequenas manchas angulares do céu noturno, enquanto estes arcos abrangem várias vezes o tamanho angular da Lua cheia. É necessário efetuar observações futuras, tanto na luz emitida pelo oxigênio quanto por outros elementos, para dirimir esta dúvida.

As nuvens azuladas foram descobertas por Marcel Drechsler e Xavier Strottner, astrônomos amadores que queriam escanear partes do céu em busca de nebulosas de brilho fraco. Para isso, eles se juntaram ao astrônomo amador Yann Sainty, que decidiu observar Andrômeda.

Ele enviou suas observações à dupla para processamento e análise. Quando foram trabalhar com as imagens, eles encontraram as estruturas azuladas que pareciam cercar Andrômeda. A equipe até se questionou sobre a possibilidade de a estrutura ser resultado de algum artefato causado pelo telescópio, e pediram para outro astrônomo amador observá-la novamente. A imagem foi confirmada por observações de cinco diferentes telescópios.

Fonte: NASA

sábado, 14 de janeiro de 2023

O segundo exoplaneta do tamanho da Terra no sistema planetário TOI 700

Utilizando dados do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA, os cientistas identificaram um mundo de tamanho semelhante à Terra, chamado TOI 700 e, em órbita dentro da zona habitável da sua estrela, ou seja, a gama de distâncias onde poderá existir água líquida à superfície de um planeta.

© NASA / Robert Hurt (ilustração do exoplaneta TOI 700 e)

O exoplaneta tem 95% do tamanho da Terra e é provavelmente rochoso. Os astrônomos já tinham descoberto anteriormente três planetas neste sistema, chamados TOI 700 b, c e d. O planeta d também orbita na zona habitável. Mas os cientistas precisaram de um ano adicional de observações para descobrir TOI 700 e.

Este é um dos poucos sistemas conhecidos com múltiplos planetas na zona habitável. O exoplaneta TOI 700 e é cerca de 10% menor do que o exoplaneta d. A TOI 700 é uma pequena e fria estrela anã M localizada a cerca de 100 anos-luz de distância na direção da constelação do hemisfério sul de Dourado. 

Em 2020, os astrônomos anunciaram a descoberta do planeta d, de tamanho semelhante à Terra, na zona habitável, que se encontra numa órbita de 37 dias, juntamente com outros dois mundos. O exoplaneta mais interior, o TOI 700 b, tem cerca de 90% do tamanho da Terra e orbita a estrela a cada 10 dias. O TOI 700 c é mais de 2,5 vezes maior do que a Terra e completa uma órbita a cada 16 dias.

Os exoplanetas têm provavelmente bloqueio de marés, o que significa que giram apenas uma vez por órbita, de modo que um lado está sempre virado para a estrela, tal como a Lua tem sempre a mesma face virada para a Terra.

O TESS monitora grandes faixas do céu durante aproximadamente 27 dias de cada vez. Estes longos olhares permitem com que o satélite acompanhe as mudanças de luminosidade estelar provocadas pela travessia do planeta em frente da sua estrela, um acontecimento chamado trânsito. A missão utilizou esta estratégia para observar o céu do hemisfério sul a partir de 2018, antes de se virar para o céu do hemisfério norte. Em 2020, regressou ao céu do sul para observações adicionais. O ano suplementar de dados permitiu à equipe refinar as dimensões originais dos planetas, que são cerca de 10% menores do que os cálculos iniciais.

A descoberta de outros sistemas com mundos semelhantes à Terra, nesta região, ajuda os cientistas planetários a aprender mais sobre a história do nosso próprio Sistema Solar. O estudo de acompanhamento do sistema TOI 700, com observatórios terrestres e espaciais, está em curso, e pode fornecer mais informações sobre este raro sistema. 

Um artigo sobre o exoplaneta recentemente descoberto foi aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Michigan State University

O telescópio James Webb confirma o seu primeiro exoplaneta

Pesquisadores confirmaram a presença de um exoplaneta, um planeta que orbita outra estrela, pela primeira vez usando o telescópio espacial James Webb.

© STScI / L. Hustak (ilustração do LHS 475 b)

Formalmente classificado como LHS 475 b, o exoplaneta tem quase exatamente o mesmo tamanho que o nosso, atingindo 99% do diâmetro da Terra. 

Os astrônomos optaram por observar este alvo com o Webb depois de rever cuidadosamente dados do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite) da NASA que sugeriam a existência do exoplaneta. 

O espectrógrafo NIRSpec (Near-Infrared Spectrograph) do Webb captou o exoplaneta pequeno e rochoso com facilidade e clareza com apenas duas observações de trânsito. 

Entre todos os telescópios em operação, apenas o Webb é capaz de caracterizar as atmosferas de exoplanetas de tamanho terrestre. A equipe tentou avaliar a composição da atmosfera do planeta, analisando o seu espectro de transmissão. Embora os dados mostrem que se trata de um planeta terrestre do tamanho da Terra, ainda não sabem se tem uma atmosfera. Embora não seja possível concluir o que está presente, a atmosfera não pode ter ser espessa dominada pelo metano, semelhante à lua de Saturno, Titã. 

Além da possibilidade do exoplaneta não possuir atmosfera, existem algumas composições atmosféricas que não foram descartadas, tais como uma atmosfera pura de dióxido de carbono. São necessárias medições ainda mais precisas para que haja possibilidade de distinguir uma atmosfera de dióxido de carbono puro de nenhuma atmosfera.

O Webb também revelou que o planeta é algumas centenas de graus mais quente do que a Terra, pelo que se forem detectadas nuvens, será possível concluir que o exoplaneta é mais parecido com Vênus, que tem uma atmosfera de dióxido de carbono e está perpetuamente envolto em nuvens espessas.

Os pesquiadores também confirmaram que o planeta completa uma órbita em apenas dois dias, informação que foi revelada quase instantaneamente pela curva de luz precisa do Webb. Embora o LHS 475 b esteja mais próximo da sua estrela do que qualquer outro planeta do Sistema Solar, a sua estrela anã vermelha tem menos de metade da temperatura do Sol, mas ainda poderá suportar uma atmosfera. 

O LHS 475 b está relativamente perto, a apenas 41 anos-luz de distância, na direção da constelação de Octante. 

Os resultados da descoberta foram apresentados nesta semana numa conferência da Sociedade Astronômica Americana.

Fonte: Space Telescope Science Institute

O aglomerado estelar jovem NGC 346

O aglomerado estelar jovem mais massivo na Pequena Nuvem de Magalhães é o NGC 346, embutido na maior região de formação estelar da nossa pequena galáxia satélite, a cerca de 210.000 anos-luz de distância.

© James Webb (NGC 346)

É claro que as estrelas massivas de NGC 346 têm vida curta, mas são muito energéticas. Seus ventos e radiação esculpem as bordas da nuvem molecular empoeirada da região, desencadeando a formação de estrelas dentro. 

A região de formação estelar também parece conter uma grande população de estrelas récem-formadas. Com apenas 3 a 5 milhões de anos e ainda não queimando hidrogênio em seus núcleos, estas estrelas estão espalhadas pelo aglomerado estelar incorporado. 

Esta imagem infravermelha espetacular da NGC 346 foi obtida pela NIRcam do telescópio espacial James Webb. A emissão de hidrogênio atômico ionizado pela radiação energética das estrelas massivas, bem como hidrogênio molecular e poeira na nuvem molecular de formação estelar é detalhada em tons de rosa e laranja. A imagem nítida do Webb da jovem região de formação estelar abrange 240 anos-luz em relação à distância da Pequena Nuvem de Magalhães. 

Fonte: NASA

Poeira estelar em Perseu

Esta extensão cósmica de poeira, gás e estrelas cobre cerca de 6 graus no céu na heroica constelação de Perseu.

© Jack Groves (constelação de Perseu)

No canto superior esquerdo da deslumbrante paisagem celeste está o intrigante jovem aglomerado estelar IC 348 e a vizinha Nebulosa do Fantasma Voador com nuvens de poeira interestelar obscura catalogadas como Barnard 3 e 4. 

À direita, outra região ativa de formação estelar NGC 1333 está conectada por tentáculos escuros e empoeirados nos arredores da gigante Nuvem Molecular de Perseu, a cerca de 850 anos-luz de distância. 

Outras nebulosas de poeira estão espalhadas nesta imagem, junto com o leve brilho avermelhado do gás hidrogênio. Na verdade, a poeira cósmica tende a esconder as estrelas recém-formadas e os jovens objetos estelares ou protoestrelas de telescópios ópticos. 

As protoestrelas que estão colapsando devido à própria gravidade, se formam a partir de núcleos densos embutidos na nuvem molecular. Na distância estimada da nuvem molecular, este campo de visão abrangeria mais de 90 anos-luz. 

Fonte: NASA

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Descobertas oito novas estrelas superquentes

Uma equipe internacional de astrônomos descobriu oito das estrelas mais quentes do Universo, todas com superfícies acima dos 100.000º C.

© DES / Tom Watts (estrela J2039)

A descoberta baseia-se em dados recolhidos utilizando o SALT (Southern African Large Telescope), o maior telescópio óptico do hemisfério sul, com um espelho de 10x11 metros. 

O estudo descreve como um levantamento de estrelas subanãs ricas em hélio levou à descoberta de várias estrelas anãs brancas muito quentes e pré-anãs brancas, a mais quente das quais tem uma temperatura superficial de 180.000º C. Para efeitos de comparação, a superfície do Sol tem apenas 5.800º C. 

Uma das estrelas identificadas é a estrela central de uma nebulosa planetária recentemente descoberta, com um ano-luz de diâmetro. Duas das outras são estrelas pulsantes, ou "variáveis". Todas estas estrelas estão numa fase avançada do seu ciclo de vida e estão se aproximando do fim da sua vida como anãs brancas.

Devido às suas temperaturas extremamente elevadas, cada uma destas novas descobertas é mais de cem vezes mais brilhante do que o Sol, o que é considerado incomum para as estrelas anãs brancas. As anãs brancas têm aproximadamente o mesmo tamanho que o planeta Terra, mas são um milhão de vezes mais massivas, com massas próximas das do Sol. São as estrelas mais densas que existem e que consistem de matéria normal. As anãs pré-brancas são algumas vezes maiores e irão encolher para se tornarem anãs brancas em poucos milhares de anos.

As estrelas com temperaturas efetivas de 100.000º C ou mais são incrivelmente raras. Foi uma verdadeira surpresa encontrar tantas destas estrelas neste levantamento. Estas descobertas vão ajudar a aumentar a compreensão das fases finais da evolução estelar e demonstram que o SALT é um telescópio fantástico para este projeto. 

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Royal Astronomical Society

Reveladas galáxias semelhantes à Via Láctea no Universo jovem

Novas imagens, obtidas pelo telescópio espacial James Webb, revelam pela primeira vez galáxias com barras estelares - características alongadas de estrelas que se estendem dos centros das galáxias para os seus discos exteriores - num momento em que o Universo tinha apenas 25% da sua idade atual.

© NASA (galáxia EGS23205)

O poder do JWST em mapear galáxias em alta resolução e em comprimentos de onda infravermelhos mais longos do que o Hubble, permite-lhe olhar através da poeira e revelar a estrutura subjacente e a massa de galáxias distantes. Isto pode ser visto nestas duas imagens da galáxia EGS23205, vista como era há cerca de 11 bilhões de anos atrás. Na imagem do Hubble (esquerda, tirada com o filtro infravermelho próximo), a galáxia é pouco mais do que uma mancha em forma de disco obscurecida pela poeira e impactada pelo brilho de estrelas jovens, mas na imagem do Webb correspondente no infravermelho médio, é uma bela galáxia em espiral com uma clara barra estelar.

A descoberta das chamadas galáxias barradas, semelhantes à nossa Via Láctea, tão cedo no Universo, vai exigir que os cientistas refinem as suas teorias sobre a evolução galáctica. Antes do Webb, as imagens do Hubble nunca tinham detectado barras em épocas tão jovens.

A equipe identificou outra galáxia barrada, EGS-24268, há cerca de 11 bilhões de anos, o que faz com que duas galáxias barradas existam mais longe no tempo do que qualquer outra galáxia anteriormente descoberta. Este estudo destaca estas duas galáxias e mostra exemplos de quatro outras galáxias barradas vistas há mais de 8 bilhões de anos. 

As barras desempenham um papel importante na evolução galáctica ao canalizarem gás para as regiões centrais, impulsionando a formação estelar. Uma barra transporta poderosamente gás para a região central, onde o gás é rapidamente convertido em novas estrelas a um ritmo tipicamente 10 a 100 vezes mais depressa do que no resto da galáxia. As barras também ajudam a fazer crescer buracos negros supermassivos nos centros das galáxias, canalizando o gás pelo caminho. 

A descoberta de barras durante tais épocas iniciais abala de várias maneiras os cenários de evolução galáctica. E a própria existência destas primeiras barras desafia os modelos teóricos, uma vez que precisam de acertar a física galáctica a fim de prever a abundância correta de barras. A equipe irá testar diferentes modelos nos seus próximos trabalhos. 

O telescópio espacial James Webb pode desvendar estruturas em galáxias distantes melhor do que o Hubble por duas razões: em primeiro lugar, o seu espelho maior dá-lhe mais capacidade de recolhimento de luz, permitindo-lhe ver mais longe e com maior resolução. Em segundo lugar, consegue ver melhor através da poeira, pois observa em comprimentos de onda infravermelhos mais longos do que o Hubble.

Um artigo foi aceito para publicação no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: University of Texas

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Uma serpente no céu

Nesta nova imagem infravermelha, podemos ver uma miríade de estrelas por trás do tênue brilho laranja da nebulosa Sh2-54.

© VISTA (Sh2-54)

Situada na constelação da Serpente, este berçário estelar foi captado em detalhes no infravermelho com o auxílio da câmara de 67 milhões de pixels do telescópio VISTA (Visible and Infrared Survey Telescope for Astronomy), instalado no Observatório do Paranal do ESO, no Chile. 

Quando contemplavam o céu noturno, os nossos antepassados imaginavam padrões e desenhos nas estrelas. Os gregos, por exemplo, chamaram a uma destas “constelações” de Serpente, por causa de sua semelhança com uma cobra. O que não poderiam ter visto era que na ponta da cauda desta constelação existe uma riqueza de objetos astronômicos impressionantes, incluindo as nebulosas da Águia, Omega e a Sh2-54; o último deles é revelado, sob uma nova luz, nesta espetacular imagem infravermelha.

As nebulosas são vastas nuvens de gás e poeira a partir das quais as estrelas se formam. Os telescópios permitiram aos astrônomos identificar e analisar estes objetos relativamente tênues com extremo detalhe. 

A nebulosa que aqui vemos, situada a cerca de 6.000 anos-luz de distância da Terra, tem o nome oficial de Sh2-54; o “Sh” refere-se ao astrônomo americano Stewart Sharpless, que catalogou mais de 300 nebulosas na década de 1950. À medida que a tecnologia utilizada para explorar o Universo vai progredindo, o mesmo acontece com o nosso conhecimento destes berçários estelares. Um desses avanços é a capacidade de enxergar além da luz que pode ser detectada por nossos olhos, como a luz infravermelha.

Tal como a serpente, homônima dessa nebulosa, desenvolveu a capacidade de sentir a luz infravermelha para entender melhor seu ambiente, também desenvolvemos instrumentos infravermelhos para aprender mais sobre o Universo. Enquanto a luz visível é facilmente absorvida pelas nuvens de poeira das nebulosas, a luz infravermelha passa quase inalterada através das espessas camadas de poeira.

A imagem que aqui vemos revela por isso uma quantidade de estrelas escondidas atrás de véus de poeira, o que é particularmente útil já que permite aos cientistas estudar o que é que está acontecendo nos berçários estelares com muito mais detalhe e assim compreender melhor como é que as estrelas se formam.

A imagem faz parte do rastreio VVVX (VISTA Variables in the Via Láctea eXtended survey), que se trata de um projeto de vários anos que tem observado repetidamente uma enorme área da Via Láctea no infravermelho, fornecendo dados cruciais para compreendermos a evolução estelar. 

Fonte: ESO

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A Cascata de Estrelas de Kemble

Esta linha de estrelas é real.

© Tommy Lease (Cascata de Kemble)

Um pouco fraca demais para ser vista a olho nu, a cascata de estrelas de Kemble inspira admiração quando vista com binóculos. Porém, como o Big Dipper na Ursa Maior, a Cascata de Kemble é um asterismo, não uma constelação. O asterismo é visível no céu do norte em direção à constelação do pescoço comprido da Girafa (Camelopardalis). 

Esta cadeia de cerca de 20 estrelas não relacionadas, cada uma com brilho semelhante, abrange mais de cinco vezes a largura angular da Lua cheia. Estendendo-se diagonalmente do canto superior esquerdo ao canto inferior direito, a Cascata de Kemble foi popularizada no século passado pelo entusiasta da astronomia Lucian Kemble. 

O objeto brilhante próximo ao canto superior esquerdo da imagem é o relativamente compacto aglomerado aberto de estrelas Jolly Roger, oficialmente designado como NGC 1502, que foi descoberto pelo astrônomo William Herschel em 1787. 

Fonte: NASA

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Observação inédita da estrutura interna de jato de quasar

Um grupo internacional de cientistas publicou novas observações do primeiro quasar já identificado, conhecido como 3C 273, localizado na constelação de Virgem, que mostram as porções mais internas e profundas do proeminente jato de plasma do quasar.

© Wolfgang Steffen (ilustração do quasar 3C 273)

Os quasares são um dos tipos mais ativos e brilhantes dos buracos negros supermassivos encontrados no núcleo de quase todas as galáxias. Estes buracos negros supermassivos no centro das galáxias emitem jatos estreitos e incrivelmente poderosos de plasma, que escapa em velocidade próxima à da luz. Mas o processo de formação destes jatos ainda é um mistério para astrônomos e astrofísicos. 

O novo estudo inclui observações do jato do quasar 3C 273 na maior resolução angular e na maior profundidade já obtidas em um buraco negro central e traz um novo entendimento sobre a colimação dos jatos, que é o processo no qual eles são concentrados em um feixe estreito e pode avançar por distâncias extremas, para muito além da área dominada pela gravidade do buraco negro e até mesmo escapando da galáxia hospedeira deste buraco negro. Os buracos negros supermassivos também têm influência na evolução galáctica.

O trabalho teve participação de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). O 3C 273 tem sido estudado há décadas como o laboratório ideal mais próximo para jatos de quasar. No entanto, mesmo sendo um vizinho próximo, até recentemente não havia uma visão nítida o suficiente para ver onde este poderoso jato estreito de plasma é moldado.

A imagem do jato do quasar 3C 273 fornece aos cientistas a primeira visão das porções mais internas do jato de um quasar, onde ocorre a colimação e o estreitamento do feixe. A equipe também determinou que o ângulo do plasma fluindo do buraco negro é comprimido ao longo de uma distância muito extensa. O trabalho foi possibilitado pelo uso coordenado de um conjunto de radioantenas ao redor da Terra, combinando os instrumentos Global Millimeter VLBI Array (GMVA) e Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), no Chile. O GMVA e o ALMA foram conectados ao redor de continentes utilizando uma técnica chamada interferometria de longa linha de base (VLBI) para obter informações altamente detalhadas de fontes astronômicas distantes.

O astrofísico Ciriaco Goddi, que atualmente é pesquisador visitante no IAG, participou da equipe deste trabalho como responsável por observar, calibrar e analisar os dados do ALMA. As novas imagens mostram o jato 3C 273 com um nível de detalhe nunca antes alcançado. Em particular, graças à combinação de GMVA e ALMA, foi possível finalmente ter acesso à base destes poderosos jatos e investigar seus mecanismos de aceleração e colimação.

Por meio do desenvolvimento de hardware e software para VLBI, os 66 radiotelescópios do ALMA foram transformados na estação de interferometria astronômica mais sensível do mundo. A obtenção de dados nestes comprimentos de onda aumenta significativamente a resolução e sensibilidade do conjunto. Também foram feitas observações utilizando o High Sensitivity Array, para estudar o quasar 3C 273 em diferentes escalas, com o objetivo de medir a forma global do jato. 

Os dados deste estudo foram coletados em 2017, na mesma época em que as observações do Event Horizon Telescope (EHT) revelaram a primeira imagem de um buraco negro. O novo estudo abre a possibilidade de novas explorações dos processos de colimação em outros tipos de buracos negros. Dados obtidos em frequências mais altas, como 230 e 345 GHz com o EHT, permitem que cientistas observem detalhes mais sutis em quasares e outros buracos negros. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal

Veja também sobre o assunto, no blog: Revelada estrutura desconhecida em galáxia.

Fonte: Universidade de São Paulo

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Desvendando o mistério das galáxias satélites da Via Láctea

Os astrônomos resolveram um problema pendente que desafiou a nossa compreensão de como o Universo evoluiu.


© Projeto SIBELIUS (um análogo virtual do Grupo Local)

A nossa Via Láctea é rodeada por uma série de galáxias satélites que exibem um alinhamento bizarro, parecem encontrar-se num enorme e fino plano de rotação, chamado "plano dos satélites". 

Modelo cosmológico padrão 

Este arranjo aparentemente improvável tem vindo a intrigar os astrônomos há mais de 50 anos, levando muitos a questionar o modelo cosmológico padrão. Este modelo procura explicar a formação do Universo e como as galáxias que vemos agora formaram-se gradualmente dentro de "tufos" de matéria escura fria, uma substância misteriosa que constitui cerca de 27% do Universo. Como não existe nenhum mecanismo físico conhecido que produza planos de satélites de longa duração, é pressuposto que a teoria da formação galáctica pela matéria escura fria poderia estar errada. 

Peculiaridade cosmológica 

A nova investigação da Universidade de Durham, realizada em conjunto com uma equipe internacional de cientistas, descobriu agora que o plano das galáxias satélites da Via Láctea é uma peculiaridade cosmológica. Utilizando dados do observatório espacial Gaia da ESA, os pesquisadores recorreram a tecnologia de supercomputador para projetar as órbitas das galáxias satélites para o passado e para o futuro. Viram o plano das galáxias formar-se e dissolver-se em algumas centenas de milhões de anos, um simples piscar de olhos no tempo cósmico. 

Sistemas de satélites virtuais 

Perceberam também que estudos anteriores baseados em simulações de computador não tinham considerado as distâncias dos satélites em relação ao centro da Via Láctea, o que fez com que os sistemas de satélites virtuais parecessem muito mais redondos do que o sistema real. Estabelecendo que foram encontradas várias Vias Lácteas virtuais que ostentavam um plano de galáxias satélites muito semelhante ao que é visto através dos telescópios. Dizem que isto remove uma das principais objeções ao modelo padrão da cosmologia e significa que o conceito de matéria escura fria continua a ser a pedra angular da nossa compreensão do Universo. 

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Fonte: University of Helsinki

O Universo pode ser mais instável do que pensamos

A estabilidade final do vácuo do nosso Universo pode estar nas massas de duas partículas fundamentais, o bóson de Higgs, que habita todo o espaço e tempo, e o quark top.

© Tunnel Motions (ilustração de um bóson de Higgs)

As últimas medições dessas massas revelam que nosso Universo é metaestável, o que significa que pode persistir em seu estado atual essencialmente para sempre, ou não. 

Nosso Universo nem sempre foi o mesmo. Nos primeiros momentos do Big Bang, quando o cosmos era uma mera fração de seu tamanho atual, as energias e temperaturas eram tão altas que até mesmo as regras fundamentais da física eram completamente diferentes. Mais notavelmente, ao mesmo tempo, todas as quatro forças da natureza (gravidade, eletromagnetismo, nuclear forte e nuclear fraca) foram fundidas em uma única força unificada. A natureza dessa força unificada permanece um mistério, mas à medida que o Universo se expandiu e esfriou desde o estado inicial, as forças se separaram.

Primeiro veio a gravidade, depois a nuclear forte e, por último, o eletromagnetismo e a força nuclear fraca se separaram. Essa última etapa podemos recriar em laboratório. Nos colisores de partículas mais poderosos, é possível obter as energias necessárias para temporariamente, pelo menos, recombinar essas forças em uma única força “eletrofraca”. 

Cada vez que as forças se dividiam, o cosmos passava por uma transição de fase radical, povoado por novas partículas e forças. Por exemplo, a força eletrofraca unificada é transportada por um quarteto de partículas sem massa, mas a força eletromagnética é transportada por uma única partícula sem massa, o fóton, enquanto três partículas massivas (W-, W+ e Z) carregam a nuclear fraca. Se essas duas forças não tivessem se separado, a vida como a conhecemos, que depende de interações eletromagnéticas para unir átomos em moléculas, simplesmente não existiria. 

O Universo não passou por tal reorganização de forças fundamentais em mais de 13 bilhões de anos, mas isso não significa que não seja capaz de repetir os mesmos truques. A estabilidade atual do vácuo depende de como foi a divisão da força eletrofraca. Essa divisão trouxe o Universo ao seu estado fundamental final de energia mais baixa? Ou é apenas uma parada no caminho de sua evolução posterior?

A resposta se resume às massas de duas partículas fundamentais. Uma delas é o bóson de Higgs, que desempenha um papel importante na física: sua existência desencadeou a separação das forças eletromagnética e nuclear fraca há bilhões de anos. A princípio, quando nosso Universo era quente e denso, o bóson de Higgs permaneceu em segundo plano, permitindo que a força eletrofraca governasse sem impedimentos. Mas uma vez que o Universo esfriou além de um certo ponto, este bóson tornou sua presença conhecida e interferiu com essa força, criando uma separação que foi mantida desde então.

A massa do bóson de Higgs determinou quando essa divisão aconteceu e regula o quão “forte” essa separação é hoje. Mas o ele desempenha outro papel importante na física: ao interagir com muitas outras partículas, ele dá massa a essas partículas. A força com que uma partícula se conecta ao Higgs governa a massa dessa partícula. Por exemplo, o elétron quase não interage com o Higgs, então ele ganha uma massa leve de 511 MeV. No outro extremo do espectro, o quark top interage mais com o Higgs, tornando-o o objeto mais pesado no Modelo Padrão da física de partículas, pesando 175 GeV.

Na física de partículas, as partículas estão constantemente interagindo e interferindo com todos os outros tipos de partículas, mas a força dessas interações depende das massas das partículas. Então, quando ocorre a tentativa de avaliar qualquer coisa que envolva o bóson de Higgs, como sua capacidade de manter a separação entre as forças eletromagnética e nuclear fraca, é necessário também considerar como as outras partículas vão interferir nesse esforço. 

E como o quark top é facilmente o maior do grupo (o segundo maior, o quark bottom, pesa apenas 5 GeV), é essencialmente a única outra partícula que há necessidade de atenção. 

Quando foi calculado pela primeira vez a estabilidade do Universo, conforme determinado pela capacidade do bóson de Higgs de manter a separação da força eletrofraca, não se sabia a massa nem do próprio Higgs nem do quark top. Inserir as duas massas destas partículas nas equações de estabilidade revela que o Universo é metaestável. Isso é diferente de estável, o que significaria que não há chance de o Universo se dividir instantaneamente, mas também diferente de instável, o que significaria que já aconteceu. Em vez disso, o Universo está equilibrado em uma posição bastante precária: ele pode permanecer em seu estado atual indefinidamente, mas se algo perturbasse o espaço-tempo da maneira errada, ele se transformaria em um novo estado fundamental.

Como seria esse novo estado? É impossível dizer, pois o novo Universo apresentaria uma nova física, com novas partículas e novas forças da natureza. Mas é seguro dizer que a vida seria diferente, se não completamente impossível. O que é pior, pode já ter acontecido. Algum canto do cosmos pode já ter começado a transição, com a bolha de uma nova realidade se expandindo na velocidade da luz. Não saberíamos que nos atingiu até que já chegasse.

Fonte: Astronomy