terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

As ondas gravitacionais permanecem elusivas

Apesar de relatos anteriores de uma possível detecção, a análise conjunta de dados do satélite Planck da ESA e das experiências terrestres BICEP2 e Keck Array não encontraram provas conclusivas de ondas gravitacionais primordiais.

orientação do campo magnético galáctico

© ESA/Planck (orientação do campo magnético galáctico)

Esta imagem mostra uma região do céu do hemisfério sul e tem por base observações efetuadas pelo satélite Planck da ESA em micro-ondas e em comprimentos de onda submilimétricos. A escala de cores representa a emissão da poeira, um componente menor mas crucial do meio interestelar que permeia a Via Láctea. A textura, por sua vez, indica a orientação do campo magnético galáctico.
É baseado em medições da direção da luz polarizada emitida pela poeira. A emissão de poeira é mais forte no plano da Galáxia (topo da imagem), mas que não pode ser negligenciada nas outras regiões do céu. A pequena nuvem visível em vermelho, na direção do canto superior direito do campo BICEP2, mostra a emissão da poeira da Pequena Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea.

O Universo começou há cerca de 13,8 bilhões de anos e evoluiu a partir de um estado extremamente quente, denso e uniforme até ao cosmos rico, complexo e repleto de galáxias, estrelas e planetas que vemos hoje em dia.

A radiação cósmica de fundo em micro-ondas (em inglês, Cosmic Microwave Background, ou CMB) é uma extraordinária fonte de informações sobre a história do Universo, o legado da radiação emitida apenas 380.000 anos após o Big Bang.

O satélite Planck da ESA observou este pano de fundo em todo o céu numa precisão sem precedentes e uma ampla variedade de novas descobertas acerca do início do Universo já foram reveladas ao longo dos últimos dois anos.

Mas os astrônomos "escavam" cada vez mais fundo na esperança de explorar ainda mais para trás no tempo: estão à procura de uma assinatura específica da "inflação" cósmica, uma breve expansão acelerada que, segundo a teoria atual, o Universo sofreu quando tinha apenas uma minúscula fração de segundo.

Esta assinatura seria permeada por ondas gravitacionais, pequenas perturbações no tecido do espaço-tempo que podem ter sido geradas durante a fase inflacionária.

Curiosamente, estas perturbações deveriam deixar uma marca em outra característica da radiação cósmica de fundo: a sua polarização. Quando as ondas de luz vibram preferencialmente numa certa direção, dizemos que a luz é polarizada.

A CMB é polarizada, exibindo um arranjo complexo pelo céu. Isto surge a partir da combinação de dois padrões básicos: circulares e radiais (conhecidos como modos-E) e encaracolados ou torcidos (modos-B).

Vários fenômenos do Universo produzem ou modos-E ou modos-B em diferentes escalas angulares e a identificação das várias contribuições requer medições extremamente precisas. Os modos-B podem conter o incrediente da inflação no início do Universo.

"A procura deste registo único do Universo muito jovem é tão difícil quanto emocionante, uma vez que o sinal sutil está escondido na polarização da CMB, que por si só representa apenas uma pequena percentagem da luz total," afirma Jan Tauber, cientista do projeto Planck da ESA.

O Planck não está sozinho nesta pesquisa. No início de 2014, uma outra equipe de astrõnomos apresentou resultados baseados em observações da radiação cósmica de fundo polarizada numa pequena zona de céu realizadas entre 2010 e 2012 com o telescópio BICEP2, uma experiência localizada no Pólo Sul. A equipe também usou dados preliminares de outra experiência no Pólo Sul, o Keck Array.

Encontraram algo novo: modos-B encaracolados na polarização observada ao longo de zonas do céu poucas vezes maiores que a Lua Cheia.

A equipe BICEP2 apresentou evidências privilegiando a interpretação de que este sinal era originário de ondas gravitacionais primordiais, o que provocou uma resposta enorme na comunidade acadêmica e no público em geral.

No entanto, a poeira interestelar na Via Láctea pode produzir um efeito semelhante. A Via Láctea é permeada por uma mistura de gás e poeira que brilha a frequências semelhantes àquelas da CMB e esta emissão em primeiro plano afeta a observação da luz cósmica mais antiga. É necessária uma análise muito cuidadosa a fim de separar a emissão, no plano da frente, da emissão do fundo cósmico. Criticamente, a poeira interestelar também emite luz polarizada, afetando assim a polarização da CMB.

"Quando detectamos pela primeira vez este sinal nos nossos dados, contamos com os modelos da emissão de poeira galáctica disponíveis no momento," afirma John Kovac, pesquisador principal do BICEP2 na Universidade de Harvard, EUA. "Estes pareciam indicar que a região do céu escolhida para as nossas observações tinham uma polarização de poeira muito mais baixa do que o sinal detectado."

As duas grandes experiências terrestres recolheram dados numa única frequência de micro-ondas, tornando difícil a separação das emissões oriundas da Via Láctea das do fundo cósmico.

Por outro lado, o Planck observou o céu em nove canais de frequência de micro-ondas e sub-milimétricos, sete dos quais também foram equipados com detectores sensíveis à polarização. Com uma análise meticulosa, estes dados multifrequência podem ser usados para separar as várias contribuições.

A equipe BICEP2 escolheu um campo onde acreditavam que a emissão de poeira seria baixa e, portanto, interpretaram o sinal como provavelmente cosmológico.

No entanto, assim que os mapas da emissão polarizada da poeira galáctica foram divulgados pelo Planck, ficou claro que esta contribuição de primeiro plano podia ser maior do que o anteriormente esperado.

Em Setembro de 2014 o Planck revelou pela primeira vez que a emissão polarizada da poeira é significativa ao longo de todo o céu e comparável com o sinal detectado pela experiência BICEP2 mesmo nas regiões mais limpas.

Assim, as equipes do Planck e da experiência BICEP2 uniram forças, combinando a capacidade do satélite para lidar com primeiros planos usando observações em diversas frequências, incluindo aquelas onde a emissão de poeira é mais forte, com a maior sensibilidade das experiências terrestres sobre áreas limitadas do céu, graças à sua tecnologia recentemente melhorada. Nesse momento, a gama completa de dados do Keck Array para 2012 e 2013 já estavam também disponíveis.

"Este trabalho conjunto mostrou que a deteção dos modos-B primordiais já não é robusta após a remoção da emissão da poeira galáctica," afirma Jean-Loup Puget, pesquisador principal do instrumento HFI do Planck e do Institut d’Astrophysique Spatiale em Orsay, França. "Por isso, infelizmente, não fomos capazes de confirmar que o sinal é um traço da inflação cósmica."

Outra fonte de polarização de modos-B, que remonta ao início do Universo, foi detectada neste estudo, mas em escalas muito menores no céu.

Este sinal, descoberto pela primeira vez em 2013, não é uma exploração direta da fase inflacionária, é induzido pela teia cósmica de estruturas gigantescas que povoam o Universo e que mudam o percurso dos fótons da CMB no seu caminho até nós.

Este efeito é chamado de "lente gravitacional", uma vez que é provocado por objetos maciços que dobram o espaço circundante e assim desviam a trajetória da luz como uma lupa. A detecção deste sinal com o Planck, BICEP2 e Keck Array, é o mais forte até agora.

Quanto aos sinais do período de inflação, a questão permanece em aberto.

"Embora ainda não tenhamos encontrado fortes evidências do sinal de ondas gravitacionais primordiais nas melhores observações da polarização da CMB atualmente disponíveis, isso não significa que temos que excluir a inflação," explica Reno Mandolesi, pesquisador principal do instrumento LFI do Planck e da Universidade de Ferrara, Itália.

De fato, o estudo conjunto estabelece um limite máximo para a quantidade de ondas gravitacionais da inflação, que podem ter sido criadas no momento mas a um nível demasiado baixo para serem confirmadas com esta análise.

"Este estudo mostra que o número de ondas gravitacionais pode, provavelmente, não ser mais do que metade do sinal observado," afirma Clem Pryke, pesquisador principal da experiência BICEP2 na Universidade de Minnesota, EUA.

"O novo limite superior para o sinal devido a ondas gravitacionais é compatível com o limite superior que obtivemos anteriormente com o Planck usando as flutuações de temperatura da CMB," comenta Brendan Crill, membro das equipes do Planck e da BICEP2 no JPL da NASA.

Fonte: ESA

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