quinta-feira, 12 de junho de 2014

Explosões gigantescas enterradas em poeira

Observações obtidas com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) permitiram aos astrônomos mapear diretamente, e pela primeira vez, o gás molecular e a poeira nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama, as maiores explosões no Universo.

ilustração do meio em torno da GRB 020819B

© NAOJ (ilustração do meio em torno da GRB 020819B)

Surpreendentemente, observou-se menos gás e muito mais poeira do que o esperado, fazendo com que estas explosões pareçam “explosões escuras”. Trata-se do primeiro resultado científico do ALMA relativo a explosões de raios gama, evidenciando assim o potencial do telescópio no estudo deste fenômeno.

As explosões de raios gama são enormes explosões de energia extremamente elevada observadas em galáxias distantes; são os mais brilhantes fenômenos explosivos no Universo. As explosões que duram mais do que alguns segundos são as chamadas explosões de raios gama de longa duração e estão associadas a explosões de supernovas, fortes detonações no final da vida de estrelas de elevada massa. As explosões de raios gama de longa duração, com mais de dois segundos, correspondem a 70% de todas as explosões de raios gama observadas. Avanços na última década mostraram a existência de outra classe destas explosões, que duram menos de dois segundos, as explosões de raios gama de curta duração, que têm muito provavelmente origem na fusão de estrelas de nêutrons, não estando associadas nem a supernovas nem a hipernovas.
Em apenas alguns segundos, uma explosão típica liberta tanta energia como o Sol ao longo de toda a sua vida de 10 bilhões de anos. A explosão propriamente dita é normalmente seguida por uma emissão que se vai desvanescendo, conhecida por brilho remanescente, e que se pensa ser causada por colisões entre o material ejetado e o gás circundante.
No entanto, algumas explosões de raios gama parecem não ter este brilho remanescente. são as chamadas explosões escuras. Uma explicação possível prende-se com a existência de nuvens de poeira que absorverão esta radiação remanescente.

 explosão de raios gama enterrada em poeira

© ESO/NAOJ/NRAO (explosão de raios gama enterrada em poeira)

Observações da galáxia hospedeira de GRB 020819B. As imagens mostram medições rádio do gás molecular (à esquerda) e da poeira (ao centro), ambas obtidas com o ALMA. À direita podemos ver uma imagem no visível capturada pelo telescópio Frederick C. Gillett Gemini North. A cruz indica a localização da explosão de raios gama.

Nos últimos anos, os cientistas têm estudado galáxias onde ocorrem as explosões de raios gama, no intuito de tentar perceber como é que estes fenômenos se formam. Esperava-se que as estrelas massivas progenitoras das explosões de raios gama se encontrassem em regiões de formação estelar ativa, as quais estariam envoltas por enormes quantidades de gás molecular, o combustível da formação estelar. No entanto, até agora nenhum resultado observacional corroborou esta teoria, mantendo-se assim um mistério de longa data.
Agora, e pela primeira vez, uma equipe japonesa de astrônomos utilizou o ALMA para detectar a emissão rádio do gás molecular em duas galáxias onde ocorrem estas explosões escuras de raios gama de longa duração - GRB 020819B e GRB 051022 - a cerca de 4,3 e 6,9 mil milhões de anos-luz de distância, respetivamente. Embora tal emissão rádio nunca tenha sido detectada nestas galáxias, o ALMA possibilitou esta detecção, graças à sua sensibilidade elevada sem precedentes. A sensibilidade do ALMA nestas observações foi cerca de cinco vezes melhor que a de outros telescópios semelhantes. As observações científicas preliminares do ALMA começaram em 2011 com uma rede parcial de antenas. Estas observações foram feitas com uma rede de apenas 24 a 27 antenas, com separações entre si de, no máximo, 125 metros. A rede completa de 66 antenas oferece grande promessa relativamente ao que o ALMA será capaz de revelar no futuro próximo, quando as antenas estiverem dispostas em diferentes configurações, com distâncias entre si variando entre 150 metros e 16 quilômetros.
Kotaro Kohno, professor da Universidade de Tóquio e membro da equipe de pesquisa que efetuou este trabalho, disse: “Há mais de dez anos que procuramos este gás molecular nestas galáxias, utilizando vários telescópios em todo o mundo. Conseguimos finalmente atingir o nosso objetivo, utilizando o poder do ALMA. Estamos muito entusiasmados com os resultados obtidos.”
Outro resultado digno de nota, e igualmente possível graças à resolução elevada do ALMA, foi a descoberta da distribuição do gás molecular e da poeira em galáxias hospedeiras das explosões de raios gama. Observações da GRB 020819B revelaram um ambiente notavelmente rico em poeira, ao mesmo tempo que foi encontrado gás molecular em torno do centro da galáxia. Esta é a primeira vez que é descoberta uma tal distribuição de material nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama. A proporção de poeira para gás molecular é cerca de 1% no meio interestelar na Via Láctea e em galáxias próximas com formação estelar ativa, sendo dez ou mais vezes maior na região que rodeia a GRB 020819B.
“Não esperavamos que as explosões de raios gama ocorressem em meios tão poeirentos, com uma baixa razão de gás molecular relativamente à poeira. Este fato indica-nos que as explosões têm lugar num ambiente completamente diferente da típica região de formação estelar,” diz Hatsukade. Este resultado sugere que as estrelas massivas que morrem com explosões de raios gama mudam o ambiente na sua região de formação estelar antes de explodirem.
Acredita-se que uma explicação possível para a alta proporção de poeira comparada ao gás molecular no local da explosão de raios gama possa vir da diferença nas reações relativas à radiação ultravioleta. Uma vez que as ligações entre os átomos que formam as moléculas são facilmente quebradas pela radiação ultravioleta, o gás molecular não consegue sobreviver num ambiente exposto à forte radiação ultravioleta emitida pelas estrelas quentes massivas na região de formação estelar, incluindo a própria estrela que eventualmente explodirá com emissão de raios gama observada. Embora uma distribuição semelhante seja também observada na GRB 051022, este resultado tem ainda que ser confirmado devido à falta de resolução (uma vez que a galáxia hospedeira da GRB 051022 está mais afastada do que a da GRB 020819B). De qualquer modo, estas observações do ALMA apoiam a hipótese de que é a poeira que absorve a radiação remanescente, dando origem às explosões de raios gama escuras.
“Os resultados obtidos foram muito além das nossas expectativas. Precisamos agora de fazer mais observações de outras galáxias onde ocorrem explosões de raios gama para ver se estas podem ser efetivamente condições ambientais gerais de um local de explosões de raios gama. Aguardamos com muito interesse o seguimento deste trabalho, que será executado fazendo já uso das capacidades melhoradas do ALMA,” diz Hatsukade.

Este trabalho foi publicado hoje na revista Nature.

Fonte: ESO

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