sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O primeiro ano de observações científicas do Gaia

Há uma semana o observatório espacial Gaia da ESA completou o seu primeiro ano de observações científicas no seu modo principal de levantamento.

Nebulosa Olho de Gato

© Hubble/Gaia (Nebulosa Olho de Gato)

Depois do lançamento, no dia 19 de dezembro de 2013, e de uma longa órbita de seis meses durante o período de comissionamento, o satélite começou as suas observações científicas de rotina no dia 25 de julho de 2014. Localizado no ponto L2 de Lagrange, a 1,5 milhões de quilômetros da Terra, o Gaia estuda estrelas e muitos outros objetos astronômicos enquanto gira, observando porções circulares do céu. Ao medir repetidamente as posições das estrelas com uma precisão extraordinária, o Gaia pode desvendar as suas distâncias e movimentos através da Via Láctea.

Durante os primeiros 28 dias, o Gaia operou num modo especial de estudo em que recolheu amostras de grandes círculos no céu, mas sempre incluindo os polos da eclíptica. Isto significa que o satélite observou as estrelas nessas regiões muitas vezes, fornecendo uma base de dados de valor inestimável para a calibração inicial do Gaia.

No final desta fase, no dia 21 de agosto de 2014, o Gaia deu início à sua operação primária, empregando um levantamento projetado para alcançar a melhor cobertura possível de todo o céu.

Desde o início da sua fase de rotina, o satélite registou 272 bilhões de medições posicionais ou astrométricas, 54,4 bilhões de pontos de dados fotométricos ou de brilho, e 5,4 bilhões de espectros.

A equipe do Gaia durante um ano processou e a analisou estes dados, a caminho de desenvolver os principais produtos científicos do Gaia, enormes catálogos públicos das posições, distâncias, movimentos e outras propriedades de mais de bilhões de estrelas. Devido ao imenso volume de dados e à sua natureza complexa, isto requer um enorme esforço por parte de cientistas e de criadores de software por toda a Europa, que constituem o DPAC (Data Processing and Analysis Consortium) do Gaia.

"Os últimos doze meses foram muito intensos, mas estamos aprendendo a lidar com os dados e estamos ansiosos pelos próximos quatro anos de operações nominais," afirma Timo Prusti, cientista do projeto Gaia da ESA.

"Estamos apenas a um ano de distância da primeira divulgação de dados do Gaia, um catálogo intermediário planejado para o verão de 2016. Com o primeiro ano de dados nas nossas mãos, estamos agora a meio caminho desse marco e somos capazes de apresentar alguns instantâneos preliminares que mostram que o observatório está trabalhando bem e que o processamento de dados está no caminho certo."

Como um exemplo da validação em curso, a equipe do Gaia foi capaz de medir a paralaxe para uma amostra inicial de dois milhões de estrelas.

A paralaxe é o movimento aparente de uma estrela contra um fundo distante observado ao longo de um período de um ano e resulta do movimento real da Terra em torno do Sol; isto é também observado pelo Gaia, uma vez que orbita o Sol ao lado da Terra. Mas a paralaxe não é o único movimento observado pelo Gaia: as estrelas também se movem através do espaço, o que chamamos de movimento próprio.

O Gaia fez uma média de aproximadamente 14 medições para cada estrela no céu, até agora, mas este número não é geralmente suficiente para separar a paralaxe dos movimentos próprios.

Para superar isto, os cientistas combinaram dados do Gaia com posições extraídas do catálogo Tycho-2, com base em dados obtidos entre 1989 e 1993 pelo antecessor do Gaia, o satélite Hipparcos.

Isto restringe a amostra a apenas dois milhões das mais de bilhões de estrelas que o Gaia observou até agora, mas gera algumas ideias iniciais e úteis da qualidade dos seus dados.

Quanto mais perto uma estrela está do Sol, maior a sua paralaxe e, portanto, a paralaxe medida para uma estrela pode ser usada para determinar a sua distância. Por sua vez, a distância pode ser usada para converter o brilho aparente da estrela no brilho verdadeiro ou "luminosidade absoluta".

Os astrônomos traçam as magnitudes absolutas das estrelas contra as suas temperaturas, estimadas a partir das cores das estrelas, para gerar o "diagrama Hertzsprung-Russell", cujo nome honra dois cientistas do século XX que reconheceram que um tal diagrama poderia ser usado como uma ferramenta para compreender a evolução estelar.

diagrama Hertzsprung-Russell

© ESA (diagrama Hertzsprung-Russell)

Este gráfico mostra a luminosidade absoluta de quase um milhão de estrelas observadas pelo Gaia em função da sua cor. Os pontos de dados parecem preencher algumas regiões características do diagrama, a maioria deles distribuídos diagonalmente desde o canto superior esquerdo até ao canto inferior direito: esta é a chamada sequência principal de estrelas, identificando todas as estrelas que queimam hidrogênio nos seus núcleos, uma fase que corresponde à maior parte do tempo de vida de uma estrela. Ao longo da sequência principal, as estrelas mais brilhantes e mais massivas estão localizadas na seção superior esquerda do diagrama, e as estrelas mais pequenas e menos brilhantes estão localizadas na seção inferior direita.
O grande grupo de pontos de dados na metade direita do gráfico identifica estrelas gigantes vermelhas: estrelas evoluídas que já esgotaram o hidrogênio nos seus núcleos. À medida que os seus núcleos colapsam sob o seu próprio peso, as camadas exteriores dessas estrelas incham, criando invólucros enormes, frios e avermelhados.

"O nosso primeiro diagrama Hertzsprung-Russell, com luminosidades absolutas baseadas no primeiro ano do Gaia e no catálogo Tycho-2, e informações de cor obtidas em observatórios terrestres, dá-nos uma amostra do que a missão vai proporcionar nos próximos anos," afirma Lennart Lindegren, professor na Universidade de Lund e um dos proponentes originais da missão Gaia.

Dado que o Gaia tem vindo a realizar estudos repetidos do céu para medir os movimentos das estrelas, também tem sido capaz de detectar se alguma mudou de brilho e, ao fazê-lo, começou a descobrir alguns objetos astronômicos muito interessantes.

O Gaia detectou centenas de fontes transientes até agora, sendo a primeira uma supernova no dia 30 de agosto de 2014. Estas deteções são rotineiramente partilhadas com a comunidade em geral, logo que são avistadas sob a forma de "alertas científicos", permitindo o acompanhamento rápido por telescópios terrestres a fim de determinar a sua natureza.

Uma dessas fontes transientes foi observada passando por uma explosão repentina e dramática que aumentou o seu brilho por um fator de cinco. Concluiu-se que o Gaia tinha descoberto o que se chama de "variável cataclísmica", um sistema binário no qual uma das estrelas, uma anã branca quente, devora massa da companheira estelar normal, levando a explosões de luz à medida que o material é ingerido. O sistema também acabou por ser um binário eclipsante, em que a relativamente maior estrela normal passa diretamente em frente da mais pequena, mas mais brilhante, anã branca, tapando-a periodicamente a partir do ponto de vista da Terra.

Invulgarmente, ambas as estrelas neste sistema parecem ter uma abundância de hélio mas pouco hidrogênio. Os dados da descoberta do Gaia e observações de acompanhamento podem ajudar os astrônomos a melhor compreender como as duas estrelas perderam o seu hidrogênio.

O Gaia também descobriu uma grande variedade de estrelas cujo brilho sofre mais alterações regulares ao longo do tempo. Muitas destas descobertas foram feitas entre julho e agosto de 2014, enquanto o Gaia realizava bastantes observações subsequentes de algumas áreas do céu perto dos polos eclípticos. Esta sequência de observações e amostras tornou possível a descoberta e o estudo de estrelas variáveis localizadas nestas regiões.

A famosa Grande Nuvem de Magalhães (LMC), uma galáxia anã satélite da Via Láctea, está localizada perto do polo sul da eclíptica. O Gaia forneceu curvas de luz detalhadas de dúzias de estrelas variáveis do tipo RR Lyrae na LMC e os detalhes revelados nas mesmas atestam a alta qualidade dos dados.

Outro objeto curioso estudado durante a mesma fase da missão: a Nebulosa Olho de Gato, vista no topo desta postagem. Também conhecida como NGC 6543, é uma nebulosa planetária situada perto do polo norte da eclíptica.

As nebulosas planetárias são formadas quando as camadas exteriores de uma velha estrela de baixa massa são expelidas e interagem com o meio interestelar circundante, deixando para trás uma anã branca compacta. O Gaia fez mais de 200 observações da Nebulosa Olho de Gato e registou mais de 84.000 deteções que traçam com precisão os intricados filamentos gasosos por que tais objetos são famosos. À medida que as observações continuam, o Gaia será capaz de ver a expansão dos nós nebulares, nesta e noutras nebulosas planetárias.

Mais perto de casa, o Gaia detectou uma grande quantidade de asteroides, pequenos corpos rochosos que povoam o nosso Sistema Solar, principalmente entre as órbitas de Marte e Júpiter. Tendo em conta que estão relativamente próximos e que orbitam o Sol, os asteroides movem-se contra o fundo estelar nas imagens astronômicas, aparecendo num instantâneo de um determinado campo, mas não em imagens do mesmo campo obtidas em momentos posteriores.

Os cientistas do Gaia desenvolveram um software especial para procurar estes dados extremos, combinando-os com as órbitas de asteroides conhecidos a fim de os remover dos dados que estão sendo usados para estudar estrelas. Mas, por sua vez, esta informação será utilizada para caracterizar asteroides conhecidos e para descobrir milhares de novos.

Finalmente, além das medições astrométricas e fotométricas, o Gaia tem recolhido espectros de muitas estrelas. Estes dados serão utilizados para determinar os movimentos das estrelas ao longo da linha de visão medindo ligeiras mudanças nas posições das linhas de absorção no seu espectro devido ao efeito Doppler. Mas nos espectros de algumas estrelas quentes, o Gaia também observou linhas de absorção em gás de material interestelar de primeiro plano, o que permitirá aos cientistas medir a sua distribuição.

"Estes estudos iniciais demonstram a qualidade dos dados recolhidos até agora pelo Gaia e as capacidades de processamento. Os produtos finais dos dados ainda não estão prontos, mas estamos trabalhando arduamente para fornecer o primeiro no próximo ano," conclui Timo.

Fonte: ESA

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