domingo, 8 de março de 2020

Um "Jekyll e Hyde" cósmico

De acordo com observações do Observatório de raios X Chandra da NASA e do VLA (Karl F. Jansky Very Large Array) da NSF (National Science Foundation), um sistema estelar binário tem vindo a alternar entre dois alter-egos.


© Hubble (Terzan 5)

Usando quase uma década e meia de dados do Chandra, os pesquisadores notaram que um par estelar se comporta como um tipo de objeto antes de mudar a sua identidade e depois regressa ao seu estado original ao fim de alguns anos. Este é um exemplo raro de um sistema estelar que altera o seu comportamento desta maneira.

Os astrônomos encontraram esta volátil estrela dupla, ou sistema binário, numa densa coleção de estrelas, o aglomerado globular Terzan 5, localizado a mais ou menos 20.000 anos-luz da Terra, na Via Láctea. Esta dupla estelar, conhecida como Terzan 5 CX1, tem uma estrela de nêutrons (o remanescente extremamente denso deixado para trás por uma explosão de supernova) em órbita íntima com uma estrela semelhante ao Sol, mas com menos massa.

Em sistemas binários como Terzan 5 CX1, a estrela de nêutrons mais pesada puxa o material da companheira de massa inferior para um disco circundante. Os astrônomos podem detetar estes denominados discos de acreção graças à sua brilhante radiação em raios X e referem-se a estes objetos como "binários de raios X de baixa massa."

O material giratório no disco cai sobre a superfície da estrela de nêutrons, acelerando a sua rotação. A estrela de nêutrons pode girar cada vez mais depressa até que a esfera com aproximadamente 16 km de diâmetro, com mais massa do que o Sol, gira centenas de vezes por segundo. Eventualmente, a transferência de matéria diminui e o material restante é varrido pelo campo magnético giratório da estrela de nêutrons, que se torna num pulsar de milissegundo. Os astrônomos detectam pulsos de ondas de rádio destes pulsares de milissegundo enquanto o feixe de ondas de rádio da estrela de nêutrons aponta para a Terra durante cada rotação.



© Chandra (Terzan 5 em raios X)

Embora os cientistas esperem que a evolução completa de um binário de raios X de baixa massa para um pulsar de milissegundo ocorra ao longo de vários bilhões de anos, existe um período de tempo em que o sistema pode alternar rapidamente entre estes dois estados. As observações de Terzan 5 CX1 pelo Chandra mostram que estava agindo como um binário de raios X de baixa massa em 2003, porque era mais brilhante em raios X do que qualquer uma das dezenas de outras fontes no aglomerado globular. Isto era um sinal de que a estrela de nêutrons provavelmente estava acumulando matéria.

Nos dados do Chandra obtidos de 2009 a 2014, Terzan 5 CX1 havia se tornado cerca de dez vezes mais fraco em raios X. Os astrônomos também o detectaram como uma fonte de rádio com o VLA em 2012 e 2014. A quantidade de emissão de rádio e raios X e os espectros correspondentes (a quantidade de emissão em diferentes comprimentos de onda) concordam com as expectativas de um pulsar de milissegundo. Embora os dados rádio usados não permitam uma busca por pulsos de milissegundo, estes resultados implicam que Terzan 5 CX1 passou por uma transformação, passando a comportar-se como um pulsar de milissegundo e que estava ejetando material. Quando o Chandra observou Terzan 5 CX1 novamente em 2016, tornou-se mais brilhante em raios X e voltou a agir novamente como um binário de raios X de baixa massa.

Para confirmar este padrão de comportamento "Jekyll e Hyde", os astrônomos precisam de detectar pulsos de rádio enquanto Terzan 5 CX1 é fraco em termos de raios X. Estão planejadas mais observações no rádio e em raios X para procurar este comportamento, além de pesquisas sensíveis de pulsos nos dados existentes. Apenas se conhecem três exemplos confirmados destes sistemas que mudam de identidade, o primeiro descoberto em 2013 usando o Chandra e vários outros telescópios de raios X e rádio.

O estudo do binário "Jekyll e Hyde" foi liderado por Arash Bahramian do ICRAR (International Center for Radio Astronomy Research), Austrália, e publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Dois outros estudos recentes usaram observações de Terzan 5 pelo Chandra para estudar como as estrelas de nêutrons de dois diferentes binários de raios X de baixa massa se recuperam depois de terem recebido grandes quantidades de material despejado na superfície por uma estrela companheira. Tais estudos são importantes para entender a estrutura da camada externa de uma estrela de nêutrons, conhecida como crosta.

Num destes estudos, o do binário de raios X de baixa massa Swift J174805.3–244637 (T5 X-3 para abreviar), o material despejado na estrela de nêutrons durante uma explosão de raios X detectada em 2012 pelo Chandra aqueceu a crosta da estrela. A crosta da estrela de nêutrons então arrefeceu, levando cerca de cem dias para voltar à temperatura observada antes da explosão. O ritmo de arrefecimento está de acordo com um modelo de computador deste processo.

Num estudo separado de outro binário de raios X de baixa massa em Terzan 5, IGR J17480–2446 (T5 X-2 para abreviar), a estrela de nêutrons ainda estava arrefecendo quando a sua temperatura foi registada cinco anos e meio depois de ter ocorrido um surto. Estes resultados mostram que a capacidade da crosta desta estrela de nêutrons em transferir ou conduzir calor pode ser menor do que a que os astrônomos encontraram em outras estrelas de nêutrons arrefecendo ou em binários de raios X de baixa massa. Esta diferença na capacidade de conduzir calor pode estar relacionada com o fato de T5 X-2 ter um campo magnético maior em comparação com outras estrelas de nêutrons em arrefecimento, ou ser muito mais jovem do que T5 X-3.

O trabalho sobre a estrela de nêutrons de arrefecimento rápido e lento foram publicados na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

O estudo do binário foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

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