terça-feira, 19 de setembro de 2023

O mistério da Tensão de Hubble

O ritmo de expansão do Universo, a que se dá o nome constante de Hubble, é um dos parâmetros fundamentais para compreender a evolução e o destino final do cosmos. No entanto, observa-se uma diferença persistente, designada por "Tensão de Hubble", entre o valor da constante medido com uma vasta gama de indicadores de distância independentes e o seu valor previsto a partir do brilho remanescente do Big Bang.

© Hubble / Webb (NGC 5584)

Observações combinadas do instrumento NIRCam (Near-Infrared Camera) do Webb e do WFC3 (Wide Field Camera 3) do Hubble mostram a galáxia espiral NGC 5584, que se encontra a 72 milhões de anos-luz da Terra. Entre as estrelas brilhantes da NGC 5584 encontram-se estrelas pulsantes chamadas variáveis Cefeidas e supernovas do Tipo Ia, uma classe especial de estrelas em explosão. Os astrônomos utilizam as variáveis Cefeidas e as supernovas do Tipo Ia como marcadores de distância para medir o ritmo de expansão do Universo.

O telescópio espacial James Webb fornece novas capacidades para analisar e aperfeiçoar algumas das mais fortes evidências observacionais da Tensão de Hubble. Adam Riess, da Universidade Johns Hopkins e do STScI (Space Telescope Science Institute), laureado com o Prêmio Nobel, apresenta o seu trabalho recente e o dos seus colegas, utilizando observações do Webb para melhorar a precisão das medições locais da constante de Hubble. 

Os cosmólogos querem decifrar um sinal cósmico de limite de velocidade que fornece a que velocidade o Universo está se expandindo, ou seja, um número chamado constante de Hubble. Este sinal está escrito nas estrelas de galáxias distantes. O brilho de certas estrelas nestas galáxias mostra a que distância estão e, portanto, durante quanto tempo esta luz viajou até chegar a nós, e os desvios para o vermelho das galáxias revelam quanto o Universo se expandiu durante este tempo, indicando o ritmo de expansão. 

Uma classe particular de estrelas, as variáveis Cefeidas, fornece as medições de distância mais precisas desde há mais de um século, porque estas estrelas são extraordinariamente brilhantes: são estrelas supergigantes, com uma luminosidade cem mil vezes superior à do Sol. Além disso, elas pulsam durante um período de semanas que indica a sua luminosidade relativa. Quanto mais longo for o período, mais brilhantes são intrinsecamente. São a ferramenta de referência para medir as distâncias de galáxias a cem milhões de anos-luz de distância ou mais, um passo crucial para determinar a constante de Hubble. Infelizmente, as estrelas nas galáxias estão amontoadas num pequeno espaço a partir do nosso ponto de vista distante e, por isso, muitas vezes não possui resolução necessária para as separar das suas vizinhas na linha de visão.

Uma das principais justificações para a construção do telescópio espacial Hubble foi a resolução deste problema. Antes do lançamento do Hubble em 1990 e das subsequentes medições das Cefeidas, o ritmo de expansão do Universo era tão incerto que os astrônomos nem sabiam se o Universo estava se expandindo. Isto porque um ritmo de expansão mais rápido leva a uma idade mais jovem do Universo e um ritmo de expansão mais lento a uma idade mais velha do Universo. O Hubble tem uma melhor resolução no comprimento de onda visível do que qualquer telescópio terrestre porque está situado acima dos efeitos de desfocagem da atmosfera da Terra. Como resultado, pode identificar variáveis Cefeidas individuais em galáxias que estão a mais de cem milhões de anos-luz de distância e medir o intervalo de tempo durante o qual mudam de brilho.

No entanto, também temos de observar as Cefeidas na parte do infravermelho próximo do espectro, para ver a luz que passa incólume através da poeira (a poeira absorve e dispersa a luz visível azul, fazendo com que os objetos distantes pareçam tênues e dando o aspecto que estão mais longe do que estão). Infelizmente, a visão da luz vermelha do Hubble não é tão nítida como a da luz azul, pelo que a luz das estrelas Cefeidas que vemos está misturada com outras estrelas no seu campo de visão. Porém, a visão nítida no infravermelho é a especialidade do telescópio espacial James Webb. Com o seu grande espelho e óptica sensível, consegue separar facilmente a luz das Cefeidas das estrelas vizinhas com pouca mistura. 

No primeiro ano de operações do Webb, foram recolhidas observações de Cefeidas encontradas pelo Hubble em dois passos ao longo do que é conhecido como a escada de distâncias cósmicas. O primeiro passo envolve a observação de Cefeidas numa galáxia (NGC 4258) com uma distância geométrica conhecida que permite calibrar a verdadeira luminosidade das Cefeidas. O segundo passo é observar Cefeidas nas galáxias hospedeiras de supernovas recentes do Tipo Ia. A combinação dos dois primeiros passos transfere o conhecimento da distância às supernovas para calibrar as suas verdadeiras luminosidades. O terceiro passo é observar estas supernovas a uma grande distância, onde a expansão do Universo é aparente e pode ser medida comparando as distâncias inferidas a partir da sua luminosidade e os desvios para o vermelho das galáxias hospedeiras das supernovas. Esta sequência de passos é conhecida como a escada de distâncias.

Foram observadas mais de 320 Cefeidas nas duas primeiras etapas. Confirmou-se que as anteriores medições do telescópio espacial Hubble eram exatas, embora mais ruidosas. Também foram observadas mais quatro hospedeiras de supernovas com o Webb e verificou-se um resultado semelhante para toda a amostra.

O que os resultados ainda não explicam o motivo do Universo parece estar se expandindo tão rapidamente! Podemos prever o ritmo de expansão do Universo observando a sua imagem primordial, a radiação cósmica de fundo em micro-ondas e depois utilizar o melhor modelo de como cresce ao longo do tempo para evidenciar a que velocidade o Universo deverá estar se expandindo atualmente. O fato de a medida atual do ritmo de expansão exceder significativamente a previsão é um problema que já dura há uma década, a chamada "Tensão de Hubble". 

A possibilidade mais excitante é que ela seja uma pista sobre algo que está faltando na compreensão do cosmos. Pode indicar a presença de energia escura exótica, matéria escura exótica, uma revisão da compreensão da gravidade, a presença de uma partícula ou campo único. O mistério da Tensão de Hubble aprofunda-se.

Fonte: Space Telescope Science Institute

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