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quinta-feira, 12 de maio de 2022

Primeira imagem do buraco negro no coração da Via Láctea

Hoje, em coletivas de imprensa simultâneas em todo o mundo, inclusive na sede do Observatório Europeu do Sul (ESO), na Alemanha, os astrônomos divulgaram a primeira imagem do buraco negro supermassivo situado no centro da nossa própria Galáxia, a Via Láctea.

© EHT (primeira imagem do buraco negro central da Via Láctea)

Este resultado fornece evidências contundentes de que o objeto é de fato um buraco negro e fornece pistas valiosas sobre o funcionamento de tais gigantes, que se acredita existirem no centro da maioria das galáxias.

A imagem foi criada por uma equipe internacional de pesquisadores, a chamada Colaboração Event Horizon Telescope (EHT), a partir de observações obtidas por uma rede mundial de radiotelescópios. A imagem é uma visão muito esperada do objeto massivo que se encontra no centro da nossa Galáxia.

Os cientistas já tinham observado estrelas em órbita de algo invisível, compacto e muito massivo no centro da Via Láctea. Esse fato sugeria fortemente que este objeto, conhecido por Sagitário A* (Sgr A*), se tratava de um buraco negro e a imagem de hoje fornece a primeira evidência visual direta disso. Embora não possamos ver o buraco negro em si, já que é completamente escuro, o gás brilhante que o rodeia revela uma assinatura inconfundível: uma região central escura (chamada sombra) cercada por uma estrutura brilhante em forma de anel. A nova visão capta a luz que se curva sob a poderosa gravidade do buraco negro, que é quatro milhões de vezes mais massivo que o nosso Sol.

O tamanho do anel que foi observado está de acordo com as previsões da Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein. Estas observações sem precedentes fornecem informações de como é que estes buracos negros gigantes interagem com o meio que os rodeia.

Como o buraco negro está a uma distância de cerca de 27.000 anos-luz da Terra, ele aparece para nós no céu com o mesmo tamanho de uma rosquinha (donut) na Lua. Para observá-lo, a equipe criou um poderoso EHT, ligando entre si oito radiotelescópios existentes em todo o planeta, para formar um único telescópio virtual do “tamanho da Terra”, uma técnica denominada interferometria.

O EHT observou Sgr A* em 2017 durante várias noites, colectando dados ao longo de muitas horas seguidas, num processo semelhante a tirar uma fotografia de longa exposição com uma máquina fotográfica. Além de outras instalações, a rede EHT de observatórios no comprimento de onda rádio inclui o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) e o Atacama Pathfinder EXperiment (APEX), ambos instalados no deserto do Atacama no Chile. A Europa contribuiu também para as observações EHT com outros observatórios nesta frequência, o Telescópio IRAM de 30 metros na Espanha e, desde 2018, o NOEMA (NOrthern Extended Millimeter Array) na França, além de um supercomputador que combina os dados EHT e que se encontra no Instituto Max Planck de Radioastronomia, na Alemanha.

Uma base sólida para a interpretação desta nova imagem foi fornecida por pesquisas anteriores realizadas em Sgr A*. Desde os anos 1970 que os astrônomos tinham conhecimento da fonte rádio brilhante e densa localizada no centro da Via Láctea na direção da constelação do Sagitário. Ao fazer medições das órbitas de várias estrelas muito próximas no nosso centro galáctico durante um período de 30 anos, equipes lideradas por Reinhard Genzel (Diretor do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, na Alemanha) e Andrea M. Ghez (Professor no Departamento de Física e Astronomia da Universidade da California, Los Angeles, EUA), concluiram que a explicação mais provável para um objeto dessa massa e densidade seria um buraco negro supermassivo. As infraestruturas do ESO (incluindo o Very Large Telescope e o Interferômetro do Very Large Telescope) e o Observatório Keck foram utilizados para realizar estes trabalhos, que partilharam o Prêmio Nobel de Física de 2020.

A conquista do EHT segue o lançamento da Colaboração em 2019 da primeira imagem de um buraco negro, chamado M87*, situado no centro de uma galáxia mais distante, a Messier 87 (M87). Os dois buracos negros são muito parecidos, embora o buraco negro da nossa galáxia seja mais de mil vezes menor e menos massivo que M87*. Os buracos negros são os únicos objetos que conhecemos em que as massas estão diretamente ligadas ao tamanho, ou seja, um buraco negro mil vezes menor que outro é também mil vezes menos massivo.

Este resultado foi consideravelmente mais difícil de se obter que o de M87*, apesar de Sgr A* se encontrar muito mais perto de nós. O gás que se encontra perto dos buracos negros se move à mesma velocidade, quase à velocidade da luz, tanto em torno de Sgr A* como em torno de M87*. No entanto, o gás leva dias a semanas para orbitar o muito maior M87*, enquanto que em torno do mais pequeno Sgr A* completa uma órbita em meros minutos. Consequentemente, o brilho e o padrão do gás que circunda Sgr A* variavam rapidamente à medida que ele é observado, um pouco como tentar tirar uma fotografia nítida de um cachorro que persegue a sua cauda a toda a velocidade.

Os pesquisadores tiveram que desenvolver novas ferramentas sofisticadas que explicassem o movimento do gás em torno de Sgr A*. Enquanto o M87* era um alvo mais fácil e estável, com quase todas as imagens parecendo iguais, isto não acontece com o Sgr A*. A imagem do buraco negro Sgr A* é uma média das diferentes imagens que a equipe extraiu, finalmente revelando pela primeira vez o gigante que se esconde no centro da nossa Galáxia.

Este trabalho foi possível graças ao esforço conjunto de mais de 300 pesquisadores de cerca de 80 instituições de todo o mundo, que se juntaram na Colaboração EHT. Além de desenvolver ferramentas complexas para superar os desafios da imagem Sgr A*, a equipe trabalhou rigorosamente por cinco anos, usando supercomputadores para combinar e analisar seus dados, enquanto compilava uma biblioteca sem precedentes de buracos negros simulados para comparar com as observações. Os cientistas estão particularmente animados por terem finalmente imagens de dois buracos negros de tamanhos muito diferentes, o que nos oferece a oportunidade de os comparar e contrastar. 

A equipe começou também a utilizar os novos dados para testar teorias e modelos de como é que o gás se comporta em torno de buracos negros supermassivos. Apesar de não ser ainda completamente compreendido, acredita-se que este processo desempenhe um papel crucial na formação e evolução das galáxias. 

Os progressos do EHT continuam: uma grande campanha de observação em março de 2022 incluiu mais telescópios do que nunca. A expansão contínua da rede EHT e atualizações tecnológicas significativas permitirão que os cientistas compartilhem imagens ainda mais impressionantes, bem como filmes de buracos negros em um futuro próximo. 

Esta pesquisa foi apresentada em seis artigos publicados hoje no The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: ESO & EHT

quarta-feira, 30 de março de 2022

Mapeado o movimento das anãs brancas na Via Láctea

As anãs brancas foram outrora estrelas normais semelhantes ao Sol, mas que colapsaram depois de esgotarem todo o seu combustível.

© STScI (ilustração de uma anã branca)

Estes remanescentes interestelares têm sido historicamente difíceis de estudar. No entanto, um estudo recente da Universidade de Lund, na Suécia, revela novas informações sobre os padrões de movimento destas estrelas intrigantes.

As anãs brancas têm um raio de cerca de 1% do raio do Sol. Têm aproximadamente a mesma massa, o que significa que têm uma densidade surpreendente de cerca de 1 tonelada por centímetro cúbico. Após milhares de milhões de anos, as anãs brancas arrefecem até um ponto em que deixam de emitir luz visível e transformam-se nas chamadas anãs negras. 

A primeira anã branca descoberta foi 40 Eridani A. É um corpo celeste brilhante a 16,2 anos-luz da Terra, rodeado por um sistema binário composto pela anã branca 40 Eridani B e pela anã vermelha 40 Eridani C. Desde que foi descoberta em 1783 que os astrônomos têm tentado aprender mais sobre as anãs brancas a fim de adquirirem uma compreensão mais profunda da história evolutiva da nossa Galáxia. 

Num estudo, pesquisadores apresentaram novas descobertas sobre a forma como as estrelas colapsadas se movem. "Graças às observações do telescópio espacial Gaia, conseguimos pela primeira vez revelar a distribuição tridimensional da velocidade para o maior catálogo de anãs brancas até à data. Isto dá-nos uma imagem detalhada da sua estrutura de velocidade com detalhes inigualáveis," diz Daniel Mikkola, estudante de doutoramento em astronomia na Universidade de Lund.

O Gaia propiciou aos astrônomos medirem posições e velocidades para cerca de 1,5 bilhões de estrelas. Mas só recentemente foram capazes de se concentrar completamente nas anãs brancas na vizinhança solar.

"Conseguimos mapear as velocidades das anãs brancas e os padrões de movimento. O Gaia revelou que existem duas sequências paralelas de anãs brancas ao olhar para a sua temperatura e brilho. Se as estudarmos separadamente, podemos ver que elas provavelmente se movem de modo diferente, provavelmente como consequência de terem massas e vidas diferentes," diz Mikkola. 

Os resultados podem ser utilizados para desenvolver novas simulações e modelos para continuar mapeando a história e desenvolvimento da Via Láctea. Através de um maior conhecimento das anãs brancas, os pesquisadores esperam ser capazes de esclarecer uma série de dúvidas em torno do nascimento da Via Láctea. 

"Este estudo é importante porque aprendemos mais sobre as regiões mais próximas na nossa Galáxia. Os resultados também são interessantes porque a nossa própria estrela, o Sol, irá um dia transformar-se numa anã branca como 97% de todas as estrelas na Via Láctea," conclui Mikkola.

O estudo publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: Lund University

sábado, 1 de janeiro de 2022

Encontrada análoga da Via Láctea no Universo jovem

Uma equipe internacional, que inclui pesquisadores do Instituto de Astrofísica das Canárias (IAC), utilizou dados combinados de diferentes radiotelescópios localizados na Espanha para estudar o modo de formação estelar numa galáxia quando o Universo tinha menos de 30% da sua idade atual.

© ESA/Hubble (Cavalo Marinho Cósmico)

Revelaram que as propriedades do reservatório molecular de gás são semelhantes às do nosso próprio reservatório na Via Láctea, algo nunca visto até agora no Universo distante.

Uma questão importante no estudo das galáxias é o modo de formação estelar, quão eficiente é a conversão do gás frio em estrelas. Até agora, as galáxias no início do Universo pareciam formar estrelas de uma forma diferente da observada na nossa própria Galáxia, o que é intrigante. 

Para lançar luz sobre esta questão, o gás molecular frio, o combustível para a formação das estrelas, é observado com radiotelescópios. Devido às propriedades físicas do gás hidrogênio molecular (H2), não pode ser observado diretamente no rádio, mas pode ser rastreado através da molécula de monóxido de carbono (CO). Primeiro, os pesquisadores selecionaram uma galáxia cujo brilho é potenciado por lentes gravitacionais graças a um aglomerado interveniente de galáxias. Em seguida, procuraram dados de arquivo de missões espaciais infravermelhas em combinação com imagens pelo telescópio espacial Hubble. A galáxia descoberta sofre fortes efeitos de lentes gravitacionais por um fator de aproximadamente 10 e assim a sua morfologia assemelha-se a um cavalo marinho.

A distância desta galáxia foi revelada (notou-se que a luz viajou durante 9,6 bilhões de anos) graças a observações das linhas de monóxido de carbono com o radiotelescópio de 30 metros do IRAM (Instituto de Radioastronomía Milimétrica) localizado na Sierra Nevada. Juntamente com observações do radiotelescópio Yebes de 40 metros localizado em Yebes, 50 km para nordeste de Madrid e operado pelo IGN (Instituto Geográfico Nacional), as propriedades físicas do combustível da formação estelar através das observações de várias linhas moleculares de gás também puderam ser derivadas. É a galáxia mais distante detectada até agora com o radiotelescópio Yebes de 40 metros.

Através da análise do gás molecular frio, os cientistas também descobriram a presença de um mecanismo de formação estelar previamente invisível e de atividade de buracos negros no Universo.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canarias

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Encontrados braços espirais fósseis na Via Láctea

Uma equipe internacional de astrônomos, liderada pelo pesquisador Chervin Laporte do Instituto de Ciências do Cosmos da Universidade de Barcelona, utilizou dados da missão espacial Gaia para criar um novo mapa do disco externo da Via Láctea.


© C. laporte/Gaia (mapa celeste mostrando o movimento da Via Láctea)

A imagem acima mostra um mapa de todo o céu evidenciando o movimento da Via Láctea, através dos dados do Gaia. As áreas com movimento significativo são mostradas em preto/púrpura e aquelas com movimento relativamente baixo em amarelo. Várias estruturas de discos filamentosos de grande escala são evidentes sobre o plano médio. O mapa também mostra as nuvens de Magalhães e a sua ponte estelar de ligação à esquerda, enquanto a galáxia anã de Sagitário, atualmente sendo dilacerada, pode ser vista à direita.

Curiosamente, as estruturas recentemente encontradas incluem provas de braços espirais fósseis. A equipa analisou os dados de movimento recolhidos pelo Gaia, disponíveis desde dezembro de 2020, para identificar estruturas coerentes. O seu mapa resultante revelou a existência de muitas estruturas filamentosas e giratórias anteriormente desconhecidas na orla do disco. Também deu uma visão global mais nítida de estruturas anteriormente conhecidas.

As simulações numéricas preveem que tais estruturas filamentares se formem no disco externo a partir de interações passadas com galáxias satélites, mas a enorme quantidade de subestruturas reveladas por este mapa não era esperada e permanece um mistério. O que podem ser estas estruturas? Uma possibilidade é que são os remanescentes de braços do disco da Via Láctea excitados em diferentes momentos por várias galáxias satélites. 

A Via Láctea está agora rodeada por 50 destas galáxias satélites e já absorveu várias outras galáxias no seu passado. Atualmente, pensa-se que a Via Láctea esteja sendo perturbada pela galáxia anã de Sagitário, mas no seu passado mais distante interagiu com outra intrusa, de nome Salsicha Gaia, que agora dispersou os seus detritos na periferia da nossa Galáxia.

Num estudo anterior, a mesma equipe mostrou que uma das estruturas filamentares no disco externo, a Corrente do Anticentro, tinha estrelas predominantemente com mais de 8 bilhões de anos. Isto torna-a potencialmente demasiado velha para ter sido excitada apenas por Sagitário e, ao invés, aponta para a Salsicha Gaia. Outra possibilidade é que nem todas estas estruturas sejam verdadeiros braços espirais fósseis, mas em vez disso formem as "cristas" de distorções verticais em grande escala no disco da Via Láctea.

"Pensamos que os discos respondem aos impactos de galáxias satélites, o que cria ondas verticais que se propagam como ondulações num lago," diz Laporte. Para tentar distinguir entre as duas explicações, a equipe assegurou agora um programa dedicado de acompanhamento com o telescópio William Herschel nas Ilhas Canárias a fim de estudar as propriedades das populações estelares em cada subestrutura. Os futuros levantamentos vão ajudar a esclarecer a natureza e a origem destas finas estruturas celestes.

Tipicamente, esta região da Via Láctea tem permanecido pouco explorada devido à poeira interveniente que obscurece severamente a maior parte do plano Galáctico. Ao passo que a poeira afeta a luminosidade de uma estrela, o seu movimento permanece inalterado. Resta agora o desafio de descobrir o que são exatamente estas coisas, a sua origem, porque é que existem em tão grande número, e o que nos podem dizer sobre a Via Láctea, sobre a sua formação e evolução.

Um artigo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society

Fonte: Royal Astronomical Society

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Estrelas se movendo ao redor do buraco negro supermassivo da Via Láctea

O Interferômetro do Very Large Telescope (VLTI) do Observatório Europeu do Sul (ESO) captou as imagens mais profundas e nítidas obtidas até hoje da região em torno do buraco negro supermassivo localizado no centro da nossa Galáxia.


© ESO/VLTI (estrelas no centro da Via Láctea)

As novas imagens nos permitiram ver 20 vezes mais perto do buraco negro do que o que era possível anteriormente sem o VLTI e ajudaram os astrônomos a encontrar uma estrela previamente desconhecida perto deste objeto supermassivo. Ao seguir as órbitas das estrelas no centro da Via Láctea, a equipe fez a medição mais precisa já feita da massa do buraco negro. 

“Queremos saber mais sobre Sagitário A*, o buraco negro situado no centro da Via Láctea: Qual a sua massa? Será que gira? As estrelas em seu torno se comportam exatamente como o previsto pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein? A melhor maneira de responder a estas questões é seguir estrelas que se deslocam em órbitas próximas do buraco negro supermassivo. E aqui demonstramos que podemos fazer isso com uma precisão maior do que nunca,” explica Reinhard Genzel, diretor do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre (MPE), na Alemanha, que recebeu o Prêmio Nobel em 2020 pelo seu trabalho de pesquisa sobre Sagitário A*. 

Em uma busca para encontrar ainda mais estrelas perto do buraco negro, a equipe, conhecida como colaboração GRAVITY, desenvolveu uma nova técnica de análise para obter as imagens ainda mais profundas e nítidas do nosso Centro Galáctico. 

Curiosamente, a equipe descobriu uma estrela, a S300, que ainda não tinha sido observada anteriormente, mostrando assim quão potente é este método quando se trata de detectar objetos muito tênues próximos de Sagitário A*. Com suas últimas observações, conduzidas entre março e julho de 2021, a equipe se concentrou em fazer medições precisas das estrelas à medida que se aproximavam do buraco negro, o que incluiu a estrela recordista S29, que se aproximou mais do buraco negro no final de maio de 2021. Ela o ultrapassou a uma distância de apenas 13 bilhões de quilômetros, cerca de 90 vezes a distância Sol-Terra, à impressionante velocidade de 8.740 km/s. Nenhuma outra estrela foi observada passando tão perto ou viajando tão rápido ao redor do buraco negro.

As medições e as imagens obtidas pela equipe foram possíveis graças ao GRAVITY, um instrumento único que a colaboração desenvolveu para o VLTI do ESO. O GRAVITY combina a radiação colectada pelos quatro telescópios principais de 8,2 metros do Very Large Telescope (VLT), usando uma técnica chamada interferometria. Esta técnica é complexa, mas ela fornece uma imagem 20 vezes mais nítida do que as obtidas pelos telescópios individuais, revelando os segredos do Centro Galáctico.

Seguir estrelas em órbitas próximas ao redor de Sagitário A * nos permite sondar com precisão o campo gravitacional ao redor do buraco negro massivo mais próximo da Terra, para testar a Relatividade Geral e determinar as propriedades do buraco negro. As novas observações, combinadas com dados anteriores obtidos da equipe, confirmam que as estrelas seguem percursos exatamente como os previstos pela Relatividade Geral para objetos que se deslocam em torno de um buraco negro com uma massa de 4,3 milhões de vezes a massa solar. Esta é a estimativa mais precisa da massa do buraco negro central da Via Láctea até o momento. 

Os pesquisadores também conseguiram ajustar a distância para Sagitário A*, chegando ao valor de 27.000 anos-luz. Para obter as novas imagens, os astrônomos usaram uma técnica de aprendizagem de máquina, chamada Teoria do Campo de Informação. Foi feito um modelo de como seriam as fontes reais, simularam como o GRAVITY as veria e compararam esta simulação com as observações do GRAVITY. Deste modo foi possível encontrar e seguir estrelas em torno de Sagitário A* com uma profundidade e precisão sem precedentes.

Além das observações GRAVITY, a equipe utilizou também dados do NACO e do SINFONI, dois instrumentos anteriores do VLT, assim como medições do Observatório Keck e do Observatório Gemini do NOIRLab nos EUA. No final desta década, o GRAVITY será atualizado para GRAVITY+ e o instrumento melhorado será também instalado no VLTI do ESO. Pretendendo-se assim aumentar ainda mais a sensibilidade deste instrumento para revelar estrelas ainda mais tênues e ainda mais próximas do buraco negro central. 

A equipe pretende eventualmente descobrir estrelas tão próximas deste objeto que as suas órbitas sentirão os efeitos gravitacionais causados pela rotação do buraco negro. O futuro Extremely Large Telescope (ELT) do ESO, atualmente em construção no deserto chileno do Atacama, permitirá à equipe medir a velocidade destas estrelas com elevado grau de precisão. Com o poder combinado do GRAVITY+ e do ELT, será possível descobrir a velocidade de rotação do buraco negro, ainda desconhecida.

Este trabalho de pesquisa foi apresentado em dois artigos científicos da Colaboração GRAVITY publicados na revista Astronomy & Astrophysics

Fonte: ESO

domingo, 28 de novembro de 2021

As galáxias companheiras da Via Láctea são recém-chegadas

Os dados da missão Gaia da ESA estão reescrevendo a história da nossa Galáxia, a Via Láctea.

© ESA/Gaia (galáxias anãs em torno da Via Láctea)

O que tradicionalmente se pensava serem galáxias satélites da Via Láctea agora revelam-se, na sua maioria, recém-chegadas ao nosso ambiente galáctico. 

Uma galáxia anã é uma coleção de milhares a vários bilhões de estrelas. A Via Láctea é rodeada por cerca de cinquenta galáxias anãs. Durante décadas, pensou-se amplamente que as galáxias anãs que rodeiam a Via Láctea eram satélites, o que significa que foram capturadas para órbita da nossa Galáxia e que têm sido nossas companheiras constantes por bilhões de anos. Agora, os movimentos destas galáxias anãs foram calculados com uma precisão sem precedentes, graças aos dados do terceiro lançamento de dados do Gaia. E os resultados são surpreendentes.

François Hammer, do Observatório de Paris e colegas de toda a Europa e China, usaram dados do Gaia para calcular os movimentos de 40 galáxias anãs em torno da Via Láctea. Fizeram isto computando um conjunto de valores conhecidos como velocidades tridimensionais para cada galáxia e, em seguida, usando-os para calcular a energia orbital e o momento angular (rotacional) da galáxia. Eles descobriram que estas galáxias estão se movendo muito mais depressa do que as estrelas gigantes e aglomerados que orbitam a Via Láctea. Tão depressa que não poderiam ainda estar em órbita da Via Láctea, onde as interações com a nossa Galáxia e com o seu conteúdo teriam "minado" a sua energia orbital e momento angular.

A Via Láctea canibalizou várias galáxias anãs no seu passado. Por exemplo, há 8-10 bilhões de anos, uma galáxia anã chamada Gaia-Encélado foi absorvida pela Via Láctea. As suas estrelas podem ser identificadas nos dados do Gaia devido às suas órbitas excêntricas e à variedade de energias que possuem. Mais recentemente, há 4-5 bilhões de anos, a galáxia anã de Sagitário foi capturada pela Via Láctea e atualmente está sendo fragmentada e assimilada. A energia das suas estrelas é maior do que as de Gaia-Encélado, indicando o menor tempo que estiveram sujeitas à influência da Via Láctea. 

No caso das galáxias anãs do novo estudo, que representam a maioria das galáxias anãs ao redor da Via Láctea, as suas energias são ainda mais altas. Isto sugere fortemente que só chegaram à nossa vizinhança nos últimos bilhões de anos. 

A descoberta reflete aquela feita sobre a Grande Nuvem de Magalhães (GNM), uma galáxia anã maior, tão perto da Via Láctea que é visível como uma mancha de luz no céu noturno do hemisfério sul. A GNM também foi considerada uma galáxia satélite da Via Láctea até à década de 2000, quando os astrônomos mediram a sua velocidade e descobriram que estava viajando depressa demais para estar vinculada gravitacionalmente. Em vez de uma companheira, a GNM está nos visitando pela primeira vez. 

Agora sabemos que o mesmo se aplica à maioria das galáxias anãs. Então, será que estas recém-chegadas vão entrar em órbita ou simplesmente passar por nós? Algumas serão capturadas pela Via Láctea e tornar-se-ão satélites. Mas dizer exatamente quais é difícil porque depende da massa exata da Via Láctea, e esse é um valor que é difícil de calcular com qualquer precisão real. As estimativas variam por um fator de dois. 

A descoberta das energias das galáxias anãs é importante porque obriga a reavaliar a natureza das próprias galáxias anãs. À medida que uma galáxia anã orbita a Via Láctea, a sua atração gravitacional tenta fragmentá-la. Em física, isto é conhecido como força de maré.

"A Via Láctea é uma galáxia grande, de modo que as suas forças de marés são simplesmente gigantescas e é muito fácil destruir uma galáxia anã depois de talvez uma ou duas passagens," explica François. Por outras palavras, tornar-se companheira da Via Láctea é uma sentença de morte para as galáxias anãs. 

A única coisa que poderia resistir às ações destrutivas da nossa Galáxia é caso a anã tivesse uma quantidade significativa de matéria escura. A matéria escura é a substância misteriosa que existe no Universo para fornecer a gravidade extra e assim manter juntas as galáxias individuais. E assim, na visão tradicional de que as anãs da Via Láctea eram galáxias satélites que estiveram em órbita durante muitos bilhões de anos, assumia-se que deveriam ser dominadas pela matéria escura e assim equilibrar a força das marés da Via Láctea e mantê-las intactas. 

O fato do Gaia ter revelado que a maioria das galáxias anãs estão circulando a Via Láctea pela primeira vez significa que não precisam necessariamente de incluir qualquer matéria escura, e deve-se reavaliar se estes sistemas estão em equilíbrio ou, ao invés, no processo de destruição. 

"Graças em grande parte ao Gaia, agora é óbvio que a história da Via Láctea é muito mais lendária do que os astrônomos haviam entendido anteriormente. Ao investigar estas pistas tentadoras, esperamos descobrir ainda mais sobre os capítulos fascinantes do passado da nossa Galáxia," disse Timo Prusti, cientista do projeto Gaia da ESA. 

Fonte: ESA

terça-feira, 2 de novembro de 2021

União de telescópios para revelar o buraco negro da Via Láctea

A campanha de observação da colaboração EHT (Event Horizon Telescope) contará em breve com mais um instrumento, o telescópio espacial James Webb.

© STScI (enorme vórtice de gás próximo do buraco negro da Via Láctea)

A imagem mostra um enorme vórtice rodopiante de gás quente que brilha no infravermelho, assinalando a localização aproximada do buraco negro supermassivo no núcleo da Via Láctea. Na composição mostrada aqui, as cores representam diferentes comprimentos de onda de luz. As observações no infravermelho próximo efetuadas pelo telescópio espacial Hubble são mostradas em amarelo, revelando centenas de milhares de estrelas, berçários estelares e gás aquecido. As observações infravermelhas mais profundas do telescópio espacial Spitzer da NASA são vistas em vermelho, revelando ainda mais estrelas e nuvens de gás. A luz detectada pelo observatório de raios X Chandra da NASA é mostrada em azul e violeta, indicando onde o gás é aquecido a milhões de graus por explosões estelares e fluxos do buraco negro supermassivo.

Durante a primeira série de observações do Webb, os astrônomos irão usar o seu poder de imagem infravermelha para abordar alguns dos desafios únicos e persistentes apresentados pelo buraco negro da Via Láctea, o Sagitário A* (Sgr A*).

Em 2017, o EHT usou o poder de imagem combinado de oito instalações de radiotelescópios por todo o planeta para captar a primeira visão histórica da região imediatamente em torno de um buraco negro supermassivo, na galáxia M87. 

O Sgr A* está mais perto, mas é mais escuro do que o buraco negro de M87, e o material ao redor cintila, de modo que altera o padrão de luz a cada instante. O buraco negro supermassivo da Via Láctea é o único que se conhece ter este tipo de surto e, embora isto tenha dificultado bastante a obtenção de uma imagem da região, também torna Sagitário A* ainda mais interessante cientificamente. 

Estas proeminências aparecem devido à aceleração temporária, mas intensa, das partículas em torno do buraco negro para energias muito mais altas, com a emissão de luz correspondente. Uma grande vantagem de observar Sgr A* com o Webb é a capacidade de captar dados em dois comprimentos de onda infravermelhos simultaneamente e continuamente, a partir da localização do telescópio localizados além da órbita da Lua.

O Webb terá uma visão ininterrupta, observando ciclos de atividade e de calmaria que a equipe do EHT pode usar como referência com os seus próprios dados, resultando numa imagem mais limpa. A fonte ou mecanismo que causa os surtos de atividade ao redor de Sgr A* é altamente debatida. As respostas sobre como as erupções de Sgr A* começam, atingem o pico e se dissipam podem ter implicações de longo alcance para o estudo futuro dos buracos negros, bem como da física de partículas e do plasma, até mesmo das erupções solares.

Os buracos negros, previstos por Albert Einstein como parte da sua teoria da relatividade geral, são o oposto do que o seu nome indica, em vez de um buraco vazio no espaço, eles são as regiões de matéria mais densas e compactadas conhecidas. O campo gravitacional de um buraco negro é tão forte que curva o tecido do espaço em torno de si próprio, e qualquer material que se aproxime demais fica preso ali para sempre, juntamente com qualquer luz que o material emita. É por isso que os buracos negros aparecem "negros". Qualquer luz detectada pelos telescópios não provém realmente do buraco negro propriamente dito, mas da área ao redor. O limite interno final desta luz é o horizonte de eventos. 

A imagem de M87 pelo EHT foi a primeira prova visual direta de que a previsão do buraco negro de Einstein estava correta. Os buracos negros continuam sendo uma área experimental para a teoria de Einstein e os cientistas esperam que observações cuidadosamente programadas em vários comprimentos de onda de Sgr A* pelo EHT, pelo Webb, em raios X e por outros observatórios diminuam a margem de erro nos cálculos da relatividade geral, ou talvez apontem para novos reinos da física que não entendemos atualmente. 

As informações obtidas com o estudo de Sgr A* serão aplicadas a outros buracos negros, para aprender o que é fundamental à sua natureza e o que torna um buraco negro único. 

O telescópio espacial James Webb será o principal observatório de ciências espaciais do mundo quando for lançado ainda no final deste ano. Este telescópio resolverá mistérios no nosso Sistema Solar, olhará mais além para mundos distantes em torno de outras estrelas e investigará as misteriosas estruturas e origens do nosso Universo.

Fonte: Space Telescope Science Institute

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Surpresa: a Via Láctea não é homogênea

Astrônomos da Universidade de Genebra observaram a composição dos gases na nossa Galáxia e mostraram que, ao contrário dos modelos estabelecidos até agora, não se misturam homogeneamente.

© Mark A. Garlick (nuvens e fluxos de gás cósmico pristino)

A ilustração mostra nuvens e fluxos de gás cósmico pristino (magenta) que acretam na Via Láctea, mas este gás não se mistura de forma eficiente no disco galáctico, como destacado para a vizinhança solar (ampliação).

Para melhor entender a história e a evolução da Via Láctea, os astrônomos estão estudando a composição dos gases e dos metais que compõem uma parte importante da nossa Galáxia. Destacam-se três componentes principais: o gás inicial oriundo do exterior da Via Láctea, o gás entre as estrelas, no seu interior enriquecido com elementos químicos, e a poeira gerada pela condensação dos metais presentes neste gás.

Até agora, os modelos teóricos presumiam que estes três componentes se misturavam homogeneamente por toda a Via Láctea e que atingiam um nível de enriquecimento químico semelhante ao da atmosfera do Sol, denominado metalicidade solar. 

Os astrônomos demonstram que estes gases não se misturam tanto quanto se pensava, o que tem um forte impacto na compreensão atual da evolução galáctica. Como resultado, as simulações da evolução da Via Láctea terão que ser modificadas. 

As galáxias são coleções gigantes de estrelas e são formadas pela condensação do gás do meio intergaláctico composto principalmente de hidrogênio e um pouco de hélio. Enquanto que as estrelas queimam o hidrogênio que as constitui ao longo da sua vida e formam outros elementos por meio da nucleossíntese. Quando uma estrela que chegou ao fim da sua vida explode, expele os metais que produziu, como ferro, zinco, carbono e silício, adicionando estes elementos ao gás da galáxia. Estes átomos podem então condensar-se em poeira, especialmente nas partes mais frias e densas da galáxia.

Inicialmente, quando a Via Láctea foi formada, há mais de 10 bilhões de anos, não tinha metais. A partir daí, as estrelas enriqueceram gradualmente o ambiente com os metais que produziam. O ambiente que compõe a Via Láctea, portanto, reúne os metais produzidos pelas estrelas, as partículas de poeira que se formaram a partir destes metais, mas também os gases de fora da Galáxia que regularmente entram nela.

Até agora, os modelos teóricos consideravam que estes três componentes se misturavam homogeneamente e atingiam a composição solar na nossa Galáxia, com um ligeiro aumento da metalicidade no centro, onde as estrelas são mais numerosas. 

Os astrônomos observaram em detalhes este aspecto usando um espectrógrafo ultravioleta no telescópio espacial Hubble. A espetroscopia permite que a luz das estrelas seja separada nas suas cores ou frequências individuais, um pouco como um prisma ou um arco-íris. Nesta luz decomposta, notam-se as linhas de absorção que permitem verificar a existência de metais. 

Durante 25 horas, a equipe de cientistas observou a atmosfera de 25 estrelas usando o telescópio espacial Hubble e o Very Large Telescope (VLT) no Chile. O problema? A poeira não pode ser contada com estes espectrógrafos, embora contenha metais. Portanto, a equipe desenvolveu uma nova técnica de observação. Trata-se de levar em consideração a composição total do gás e da poeira observando simultaneamente vários elementos como o ferro, zinco, titânio, silício e oxigênio. Em seguida é possível rastrear a quantidade de metais presentes na poeira e adicioná-la àquela já quantificada pelas observações anteriores para obter o total. Graças a esta dupla técnica de observação, os astrônomos descobriram que não só o ambiente da Via Láctea não é homogêneo, mas que algumas das áreas estudadas atingem apenas 10% da metalicidade solar.

Esta descoberta desempenha um papel fundamental na concepção de modelos teóricos sobre a formação e evolução das galáxias. Agora, os astrônomos pretendem refinar as simulações aumentando a resolução, para incluir estas mudanças na metalicidade em diferentes locais da Via Láctea. Estes resultados têm um forte impacto na compreensão da evolução das galáxias. Contudo, os metais desempenham uma função primordial na formação das estrelas, da poeira cósmica, das moléculas e dos planetas. E sabemos agora que podem ser formadas hoje novas estrelas e planetas a partir de gases com composições muito diferentes.

Um artigo sobre o assunto foi publicado na revista Nature.

Fonte: Université de Genève

domingo, 8 de agosto de 2021

Porque é que esta estranha estrela metálica está saindo da Via Láctea?

A cerca de 2.000 anos-luz da Terra, há uma estrela catapultando-se em direção à orla da Via Láctea.

© Caltech/ZTF (par íntimo de anãs brancas)

Esta estrela em particular, conhecida como LP 40-365, faz parte de uma classe única de estrelas que se movem rapidamente, sendo fragmentos remanescentes de estrelas anãs brancas massivas, que sobreviveram em pedaços após uma explosão estelar gigantesca.

Esta estrela está se movendo a 3 milhões de quilômetros por hora, tão depressa que quase certamente está deixando a Via Láctea. Mas porque é que este objeto esta saindo da Via Láctea? Porque é um estilhaço de uma explosão passada, ou seja, um evento cósmico conhecido como supernova, que ainda está sendo impulsionado para a frente.

Os pesquisadores analisaram dados do telescópio espacial Hubble e do TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite), que examina o céu e recolhe informações da luz de estrelas próximas e distantes. Ao observar vários tipos de dados de ambos os telescópios, foi descoberto que a estrela LP 40-365 não somente está sendo lançada para fora da Galáxia mas, com base nos padrões de brilho, também está girando ao sair, com período de 9 horas.

Todas as estrelas giram, até o nosso próprio Sol gira lentamente sob o seu eixo a cada 27 dias. Mas para um fragmento de estrela que sobreviveu a uma supernova, nove horas é considerado relativamente lento. As supernovas ocorrem quando uma anã branca fica demasiado massiva para se sustentar, eventualmente desencadeando uma detonação cósmica de energia.

A determinação da rotação de uma estrela como LP 40-365, após uma supernova, pode fornecer pistas sobre o sistema binário de onde é originária. É comum no Universo as estrelas formarem pares íntimos, incluindo anãs brancas, que são estrelas altamente densas que se formam no final da vida de uma estrela. Se uma anã branca fornecer muita massa a outra, a estrela receptora pode autodestruir-se, resultando numa supernova.

As supernovas são comuns e podem acontecer de muitas maneiras diferentes, mas geralmente são muito difíceis de observar. Isto dificulta a determinação de qual a estrela que implodiu e de qual a estrela que "despejou" demasiada massa na sua parceira. Com base no período de rotação relativamente lento de LP 40-365, é possível que seja um estilhaço da estrela que se autodestruiu após ter consumido demasiada massa da sua parceira, quando ainda se orbitavam uma à outra a grandes velocidades. Dado que as estrelas se orbitam uma à outra tão depressa e tão intimamente, a explosão atingiu-as ambas, e agora vemos apenas LP 40-365. 

Estrelas como LP 40-365 não são apenas algumas das estrelas mais rápidas conhecidas, mas também as estrelas mas ricas em metais já detectadas. Estrelas como o nosso Sol são compostas de hélio e hidrogênio, mas uma estrela que sobreviveu a uma supernova é composta principalmente de material metálico, porque notam-se subprodutos de violentas reações nucleares que ocorrem quando uma estrela explode, o que torna estilhaços estelares como este especialmente fascinantes de estudar.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Boston University

sábado, 19 de junho de 2021

Matéria escura está diminuindo a rotação da barra da Via Láctea

De acordo com um novo estudo realizado por pesquisadores da University College London (UCL) e da Universidade de Oxford, a rotação da barra galáctica da Via Láctea, que é composta por bilhões de estrelas agrupadas, diminuiu cerca de um-quarto desde a sua formação.

© P. C. Budassi (ilustração da Via Láctea)

Durante 30 anos, os astrofísicos previram esta desaceleração, mas esta é a primeira vez que foi medida. Os pesquisadores afirmam que fornece um novo tipo de visão sobre a natureza da matéria escura, que atua como um contrapeso, desacelerando a rotação.

No estudo, os pesquisadores analisaram observações do telescópio espacial Gaia de um grande grupo de estrelas, a corrente de Hércules, que estão em ressonância com a barra, isto é, giram em torno da Galáxia à mesma velocidade que a barra.

Estas estrelas estão capturadas gravitacionalmente pela barra giratória. O mesmo fenômeno ocorre com os asteroides gregos e troianos de Júpiter, que orbitam nos pontos Lagrange de Júpiter (à frente e atrás de Júpiter). Se a rotação da barra diminuir, espera-se que estas estrelas se movam para mais longe na Galáxia, mantendo o seu período orbital igual à rotação da barra. 

Os cientistas descobriram que as estrelas na corrente transportam uma impressão digital química, são mais ricas em elementos mais pesados (metais), provando que se afastaram do centro galáctico, onde as estrelas e os gases que as formam são cerca de 10 vezes mais ricos em metais em comparação com as seções exteriores da nossa Galáxia.

Usando estes dados, a equipe inferiu que a barra, composta por bilhões de massas solares, diminuiu a sua rotação em pelo menos 24% desde que se formou. Os astrofísicos há muito que suspeitam que a barra giratória no centro da nossa Galáxia está diminuindo de velocidade, mas só agora foi encontrada as primeiras evidências de tal acontecimento. O contrapeso que reduz esta rotação deve ser a matéria escura. Até agora, só foi possível inferir a matéria escura mapeando o potencial gravitacional das galáxias e subtraindo a contribuição da matéria visível.

Este estudo fornece um novo tipo de medição da matéria escura, não da sua energia gravitacional, mas da sua massa inercial, ou seja, a resposta dinâmica, que diminui a velocidade de rotação da barra.

Pensa-se que a Via Láctea, como as outras galáxias, esteja embebida num "halo" de matéria escura que se estende bem além da sua orla visível. A matéria escura é invisível e a sua natureza é desconhecida, mas a sua existência é inferida de galáxias que se comportam como se estivessem envoltas numa massa significativamente maior do que aquilo que é possível ver. Existe cerca de cinco vezes mais matéria escura no Universo do que matéria visível comum.

As teorias alternativas da gravidade, como a dinâmica Newtoniana modificada, rejeitam a ideia de matéria escura, e ao invés procuram explicar as discrepâncias ajustando a teoria da relatividade geral de Einstein. 

A Via Láctea é uma galáxia espiral barrada, com uma espessa barra de estrelas no meio e braços espirais que se estendem pelo disco. A barra gira na mesma direção que a Galáxia.

O estudo foi publicado no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: University College London

terça-feira, 1 de junho de 2021

Filamentos magnetizados tecem uma espetacular tapeçaria galáctica

Filamentos de gás superaquecido e campos magnéticos estão tecendo uma tapeçaria de energia no centro da Via Láctea.

© Chandra/MeerKAT (novo panorama do Centro Galáctico)

Foi realizado um novo mosaico desta obra-prima cósmica usando dados do observatório de raios X Chandra da NASA e do radiotelescópio MeerKAT na África do Sul. O novo panorama do Centro Galáctico baseia-se em levantamentos anteriores do Chandra e de outros telescópios. 

Esta última versão expande a visão de alta energia do Chandra mais acima e mais abaixo do plano da Galáxia, ou seja, o disco onde reside a maioria das estrelas da Via Láctea. 

Na imagem apresentada, os raios X do Chandra estão em laranja, verde, azul e roxo, mostrando diferentes energias, e os dados de rádio do MeerKAT são mostrados em lilás e cinzento. 

Um filamento é particularmente intrigante porque tem raios X e emissão de rádio entrelaçados. Aponta perpendicularmente ao plano da Galáxia e tem cerca de 20 anos-luz de comprimento, mas apenas um centésimo deste tamanho em largura. 

Um novo estudo das propriedades de raios X e rádio deste filamento por Q. Daniel Wang da Universidade de Massachusetts em Amherst, EUA, sugere que estas características são unidas por tiras finas de campos magnéticos. Isto é semelhante ao que foi observado num filamento estudado anteriormente. 

O recém-estudado G0.17-0.41 (destacado em verde na imagem), está muito mais longe do plano da Galáxia. Estes filamentos podem ter sido formados quando os campos magnéticos alinhados em diferentes direções colidiram e se torceram num processo denominado reconexão magnética. Isto é semelhante ao fenômeno que afasta as partículas energéticas do Sol e é responsável pelo clima espacial que às vezes afeta a Terra. 

Um estudo detalhado destes filamentos ensina-nos mais sobre o clima espacial Galáctico que os astrônomos testemunharam por toda a região. Este clima é impulsionado por fenômenos voláteis, como explosões de supernova, estrelas próximas que liberam gás quente e surtos que expelem matéria de regiões perto de Saggitarius A*, o buraco negro supermassivo da nossa Galáxia. 

Além dos filamentos, o novo panorama revela outras maravilhas no Centro Galáctico. Por exemplo, a evidência de grandes nuvens de gás quente, que se estendem por cerca de 700 anos-luz acima e abaixo do plano da Galáxia, vistas aqui com mais detalhe do que nunca (são muito menores do que as Bolhas de Fermi que se estendem por cerca de 25.000 anos-luz acima e abaixo do plano da Galáxia). 

Estas plumas podem representar fluxos a uma escala galáctica, análogos às partículas expulsas do Sol. O gás é provavelmente aquecido por explosões de supernova e muitas reconexões magnéticas recentes que ocorrem perto do centro da Galáxia. Estes eventos de reconexão na Galáxia normalmente não são suficientemente energéticos para serem detectados em raios X, exceto para os mais energéticos no centro da Galáxia, onde o campo magnético interestelar é muito mais forte. 

Os eventos de reconexão magnética podem desempenhar um papel importante no aquecimento do gás existente entre as estrelas (o meio interestelar). Este processo também pode ser responsável por acelerar as partículas para produzir raios cósmicos como aqueles observados na Terra e a conduzir turbulência no meio interestelar que desencadeia o nascimento de novas gerações de estrelas. 

A imagem mostra que os filamentos magnéticos tendem a ocorrer nos limites externos das grandes plumas de gás quente. Isto sugere que o gás nas plumas está conduzindo campos magnéticos que colidem para criar os filamentos.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

sábado, 17 de abril de 2021

Confirmada a existência de PeVatrons na Via Láctea

Fontes desconhecidas na Via Láctea apelidadas de “PeVatrons” aceleram prótons a energias de alguns PeV (petaeletronvolts), dezenas de vezes mais altas do que o rendimento do LHC (Large Hadron Collider).

© IFJ PAN/HAWC (Nebulosa do Casulo em Cygnus)

Agora, novos dados de um experimento de alta altitude no Tibete confirmam que estes raios cósmicos de altíssima energia são de fato produzidos em nossa própria Galáxia. 

A distribuição dos raios cósmicos por energia sugere que estas partículas existem em duas variedades. Acredita-se que os raios cósmicos de ultra-alta energia (UHECRs) mais extremos vêm de galáxias remotas. Mas a maioria dos raios cósmicos, com energias abaixo de 4 PeV, provavelmente são originados na Via Láctea. 

No entanto, a verdadeira natureza dos aceleradores de partículas PeVatron permaneceu desconhecida, em grande parte porque os caminhos dos raios cósmicos são curvados por campos magnéticos galácticos, então eles não evidenciam sua origem. 

Uma grande equipe de cientistas chineses e japoneses conhecida como Colaboração Tibet ASγ detectou algumas dezenas de raios gama de energia muito alta (VHE) da Via Láctea que não estão associados a fontes conhecidas.

Acredita-se que estes raios gama, coletados entre 2014 e 2017, sejam produzidos quando os raios cósmicos se chocam contra os núcleos atômicos do meio interestelar. A teoria diz que eles carregam cerca de 10% da energia original dos raios cósmicos. O mais enérgico detectado pela equipe foi de 0,957 PeV, um recorde de todos os tempos. No total, o experimento Tibet ASγ identificou 23 raios gama com energias acima de 398 TeV na Via Láctea.

Ao contrário dos raios cósmicos, os fótons de raios gama apontam para sua origem. Portanto, o fato de estarem concentrados na faixa da Via Láctea fornece "fortes evidências de que os raios cósmicos são acelerados além das energias PeV em nossa galáxia e se espalham pelo disco galáctico. 

Foram também detectados raios gama ligeiramente menos energéticos (0,1 PeV) na Nebulosa do Casulo em Cygnus, uma superbolha em torno de uma massiva região de formação de estrelas. Mas, este novo resultado é a primeira vez que fótons em energias ainda mais altas foram encontrados não em uma única fonte, mas em toda a Via Láctea. 

O experimento ASγ do Tibete, de 30 anos e sempre em expansão, consiste atualmente em cerca de 700 cintiladores espalhados por uma área de 65.700 metros quadrados a uma altitude de 4.300 metros perto de Yangbajing, no Tibete. Estes detectores de chuveiro registram partículas secundárias que precipitam quando um raio gama energético colide com um núcleo de nitrogênio ou oxigênio na atmosfera da Terra.

Os dados revelam a energia e a direção do raio gama original. Para distinguir chuvas induzidas por raios gama de eventos semelhantes produzidos por raios cósmicos, o observatório também contém uma matriz subterrânea de 64 detectores de múons.

Por causa de um processo de decaimento diferente, os eventos induzidos por raios gama contêm muito menos múons, os primos pesados ​​e de vida curta dos elétrons. A equipe classifica e eventualmente dispensa 99,9999% de todos os chuveiros detectados, deixando os chuveiros de raios gama de alta energia para análise.

Um membro da equipe, Kazumasa Kawata, da Universidade de Tóquio, em uma conferência de imprensa da American Physical Society, acrescentou que as novas observações apoiam a ideia de que raios cósmicos de altíssima energia se espalham pela galáxia. Produzidas ao longo de milhões de anos, estas partículas podem até vir de fontes que não estão mais ativas.

Os resultados do Tibete confirmam que os PeVatrons existem em nossa galáxia. Mas o que são eles? Remanescentes de supernovas sempre foram um candidato popular, mas regiões gigantes de formação de estrelas como o Casulo de Cygnus, o buraco negro no centro galáctico e pulsares energéticos são outras opções viáveis. Ainda é possível que existam diferentes tipos de PeVatron. 

Os cientistas esperam corroborar os resultados de outras instalações, como o Large High Altitude Air Shower Observatory (LHAASO), que será no final deste ano na China, o futuro Cherenkov Telescope Array (CTA), com mais de 100 telescópios em La Palma e no norte do Chile, e o Southern Wide-field Gamma-ray Observatory (SWGO) que os físicos esperam construir na América do Sul. 

“Se combinarmos os dados de todos estes experimentos, estaremos começando a ter uma visão abrangente de como nossa galáxia se parece com as energias mais altas, em uma faixa de energia que era completamente inacessível antes de 2016 ou mais,” disse Kelly Malone, do Los Alamos National Laboratory. O céu de alta energia ainda tem muitos detalhes para nos ensinar sobre nossa Galáxia.

Um artigo foi divulgado no periódico Physical Review Letters.

Fonte: Sky & Telescope

sábado, 27 de fevereiro de 2021

A Via Láctea pode estar repleta de planetas parecidos com a Terra

De acordo com um novo estudo da Universidade de Copenhague, a Terra, Vênus e Marte foram formados a partir de pequenas partículas de poeira contendo gelo e carbono.

© STScI/G. Bacon (ilustração de inúmeros planetas parecidos com a Terra na Via Láctea)

A descoberta abre a possibilidade de que a Via Láctea está repleta de planetas aquáticos. Os astrônomos há muito tempo que olham para o vasto Universo na esperança de descobrir civilizações alienígenas. Mas para um planeta ter vida como a conhecemos, a água líquida tem que estar presente. 

As chances de se descobrir um tal cenário pareciam impossíveis de calcular porque a suposição tem sido a de que os planetas como a Terra obtêm a sua água por acaso, quando asteroides grandes e gelados atingem o planeta. 

Agora, pesquisadores do Instituto GLOBE da Universidade de Copenhague divulgaram um estudo revelador, indicando que a água pode estar presente durante a própria formação de um planeta. Segundo os cálculos do estudo, isto é verdade para a Terra, Vênus e Marte.

"Todos os nossos dados sugerem que a água fez parte dos blocos de construção da Terra desde o início. E como a molécula de água ocorre com frequência, há uma probabilidade razoável de que se aplique a todos os planetas na Via Láctea. O ponto decisivo para saber se a água líquida está presente é a distância do planeta à sua estrela," diz o professor Anders Johansen, do Centro para Formação Estelar e Planetária. 

Será que todos os planetas são formados por gelo? Usando um modelo de computador, Anders Johansen e a sua equipe calcularam a rapidez com que os planetas são formados, e a partir de quais blocos de construção. O estudo indica que foram as partículas milimétricas de poeira de gelo e carbono, que orbitam em torno de todas as estrelas jovens da Via Láctea, que há 4,5 bilhões de anos atrás se acumularam na formação do que mais tarde se tornaria a Terra.

 Até ao ponto em que a proto-Terra tinha 1% da sua massa atual, o nosso planeta cresceu capturando massas de seixos repletos de gelo e carbono. A Terra então cresceu cada vez mais depressa até que, após cinco milhões de anos, se tornou tão grande quanto a conhecemos hoje. Ao longo do caminho, a temperatura à superfície subiu drasticamente, fazendo com que o gelo nos seixos evaporasse no caminho para a superfície, de modo que hoje apenas 0,1% do planeta é constituído por água, embora 70% da superfície da Terra esteja coberta por água. 

A teoria, chamada "acreção de seixos", diz que os planetas são formados por seixos que se aglomeram e que os planetas ficam cada vez maiores. A molécula de água pode ser encontrada em toda a nossa Galáxia e que a teoria, portanto, abre a possibilidade de que outros planetas possam ter sido formados da mesma forma que a Terra, Marte e Vênus.

Todos os planetas na Via Láctea podem ter sido formados pelos mesmos blocos de construção, o que significa que planetas com a mesma quantidade de água e carbono que a Terra ocorrem frequentemente em torno de outras estrelas da nossa Galáxia, desde que a temperatura seja a ideal. 

Caso planetas na Via Láctea tenham os mesmos blocos de construção e as mesmas condições de temperatura que a Terra, também podem haver boas probabilidades de que tenham a mesma quantidade de água e continentes que o nosso planeta. 

Com este modelo, todos os planetas recebem a mesma quantidade de água, e isso sugere que outros planetas podem ter não apenas a mesma quantidade de água e oceanos, mas também a mesma quantidade de continentes como aqui na Terra. Se, por outro lado, a quantidade de água nos planetas fosse aleatória, os planetas poderiam ser muito diferentes. Alguns planetas seriam demasiado secos para desenvolver vida, enquanto outros estariam completamente cobertos por água.

Os novos telescópios são poderosos para buscar exoplanetas, pois usam espectroscopia, o que significa que ao observar o tipo de luz que está sendo absorvida durante a passagem do planeta em frente da sua estrela, é possível ver quanto vapor de água existe. Pode informar mais sobre o número de oceanos neste planeta.

O estudo publicado na revista Science Advances.

Fonte: University of Copenhagen

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Encontradas bolhas enormes no halo da Via Láctea

O primeiro levantamento de todo o céu realizado pelo telescópio de raios X eROSITA a bordo do observatório SRG (Spektrum-Roentgen-Gamma) revelou uma grande estrutura em forma de ampulheta na Via Láctea.

© MPE (mapa de todo o céu pelo eROSITA)

Estas "bolhas eROSITA" mostram uma semelhança impressionante com as bolhas de Fermi, detectadas há uma década com energias ainda mais altas. A explicação mais provável para estas características é uma injeção massiva de energia no Centro Galáctico no passado, levando a choques no invólucro de gás quente da nossa Galáxia. 

Os astrônomos detectaram uma nova característica notável no primeiro mapa de todo o céu produzido pelo telescópio de raios X eROSITA no SRG: uma enorme estrutura circular de gás quente abaixo do plano da Via Láctea ocupando a maior parte do céu do sul. 

Uma estrutura semelhante no céu norte, a "espora polar norte", é conhecida há muito tempo e pensava-se que fosse o vestígio de uma velha explosão de supernova. Juntas, as estruturas do norte e do sul, ao invés, são um remanescente de um único conjunto de bolhas em forma de ampulheta emergindo do Centro Galáctico. 

O eROSITA varre todo o céu a cada seis meses e os dados permitem que os cientistas procurem estruturas que cobrem uma parte significativa de todo o céu. 

A emissão de raios X em grande escala observada pelo eROSITA na sua banda de energia média (0,6-1,0 keV) mostra que o tamanho intrínseco das bolhas é de vários kiloparsecs (ou até 50.000 anos-luz) de diâmetro, quase tão grande quanto toda a Via Láctea. 

Estas "bolhas eROSITA" mostram semelhanças morfológicas impressionantes com as bem conhecidas "bolhas de Fermi" detectadas em raios gama pelo telescópio Fermi, mas são maiores e mais energéticas. 

Esta descoberta vai ajudar os astrônomos a compreender o ciclo cósmico da matéria dentro e em torno da Via Láctea e das outras galáxias. A maior parte da matéria comum (bariônica) do Universo é invisível aos nossos olhos, com todas as estrelas e galáxias que observamos com telescópios ópticos compreendendo menos de 10% da sua massa total. 

Pensa-se que vastas quantidades de matéria bariônica não observada residam em halos tênues enrolados como casulos em torno das galáxias e dos filamentos entre elas na teia cósmica. Estes halos são quentes, com uma temperatura de milhões de graus e, portanto, visíveis apenas com telescópios sensíveis à radiação altamente energética. 

As bolhas agora observadas com o eROSITA traçam perturbações neste invólucro de gás quente em torno da Via Láctea, provocadas por um surto de formação estelar ou por uma explosão do buraco negro supermassivo no Centro Galáctico. Embora agora dormente, o buraco negro pode muito bem ter estado ativo no passado, ligando-o a núcleos galácticos ativos (NGAs) com buracos negros de crescimento rápido vistos em galáxias distantes. 

Em qualquer caso, a energia necessária para alimentar a formação destas bolhas gigantescas deve ter sido enorme a 10^56 ergs, o equivalente à liberação energética de 100.000 supernovas, e semelhante às estimativas de explosões dos NGAs. 

Os cientistas têm procurado no passado impressões digitais gigantescas deste tipo de atividades violentas em torno de muitas galáxias. As bolhas eROSITA fornecem agora forte suporte para interações em grande escala entre o núcleo da nossa Galáxia e o halo em seu redor, que são energéticas o suficiente para perturbar a estrutura, o conteúdo energético e o enriquecimento químico do meio circumgaláctico da Via Láctea.

Os dados do eROSITA tornam possível destacar muitas linhas espectrais de raios X emitidas por gás altamente ionizado. Isto significa que a porta está aberta para o estudo da abundância de elementos químicos, o grau da sua ionização, a densidade e temperatura do gás emitente nas bolhas, para identificar os locais das ondas de choque e estimar escalas de tempo características.

Desde o início do levantamento, os cientistas têm trabalhado na análise dos dados, com foco em objetos galácticos como estrelas de nêutrons em acreção, buracos negros, remanescentes de supernova e as recém-descobertas bolhas eROSITA. 

O estudo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O anticentro da Via Láctea e mais além

O movimento das estrelas na periferia da nossa Galáxia indica mudanças significativas na história da Via Láctea.


© ESA/DPAC/Gaia (movimento próprio das estrelas na Via Láctea)

Na imagem acima nota-se que as estrelas estão em constante movimento. Para o olho humano, este movimento, conhecido como movimento próprio, é imperceptível, mas o Gaia da ESA mede-o com cada vez mais precisão. Os traços nesta imagem mostram como 40.000 estrelas, todas localizadas até 100 parsecs (326 anos-luz) do Sistema Solar, se vão mover pelo céu nos próximos 400.000 anos.

Este e outros resultados igualmente fascinantes vêm de um conjunto de documentos que demonstram a qualidade do EDR3 (Early Third Data Release) do Gaia, que foi tornado público a semana passada. 

Os astrônomos do DPAC (Data Processing and Analysis Consortium) do Gaia viram a evidência do passado da Via Láctea ao olhar para as estrelas na direção do "anticentro" da galáxia. Isto é exatamente na direção oposta no céu do Centro da Galáxia.

Os resultados no anticentro vêm de um dos quatro "documentos de demonstração" lançados juntamente com os dados do Gaia. Os outros utilizam dados do Gaia para fornecer uma grande extensão ao censo de estrelas próximas, derivar a forma da órbita do Sistema Solar em torno do Centro Galáctico e sondar estruturas em duas galáxias próximas à Via Láctea.

Os documentos estão projetados para destacar as melhorias e a qualidade dos dados recém-publicados. O EDR3 do Gaia contém informações detalhadas sobre mais de 1,8 bilhões de fontes, detectadas pela aeronave Gaia. Isto representa um aumento de mais de 100 milhões de fontes em relação ao lançamento de dados anterior (DR2 do Gaia), que foi tornado público em abril de 2018. 

O EDR3 do Gaia também contém informações de cores para cerca de 1,5 bilhões de fontes, um aumento de cerca de 200 milhões de fontes em relação ao DR2 do Gaia. Além de incluir mais fontes, a exatidão e a precisão geral das medições também melhoraram. 

Os novos dados do Gaia permitiram rastrear as várias populações de estrelas mais velhas e mais jovens em direção à borda da nossa Galáxia, o Anticentro Galáctico. Modelos previram que o disco da Via Láctea crescerá com o tempo, à medida que novas estrelas nascem. Os novos dados permitem-nos ver as relíquias do antigo disco com 10 bilhões de anos e, assim, determinar a sua menor extensão em comparação com o tamanho atual do disco da Via Láctea. 

Os novos dados destas regiões externas também reforçam a evidência de outro grande evento no passado mais recente da Galáxia. Os dados mostram que nas regiões externas do disco há um componente de estrelas que se move lentamente acima do plano da nossa Galáxia e se dirige para baixo em direção ao plano, e um componente de estrelas que se move rapidamente abaixo do plano que se move para cima. Este padrão extraordinário não havia sido previsto antes. 

Pode ser o resultado da quase colisão entre a Via Láctea e a galáxia anã Sagitário que ocorreu no passado mais recente da nossa Galáxia. A galáxia anã Sagitário contém algumas dezenas de milhões de estrelas e está atualmente em processo de canibalização pela Via Láctea. A sua última passagem próxima à nossa Galáxia não foi um impacto direto, mas isso teria sido o suficiente para que a sua gravidade perturbasse algumas estrelas na nossa Galáxia. 

Ao estudar o DR2 do Gaia, os membros do DPAC já haviam encontrado uma ondulação sutil no movimento de milhões de estrelas que sugeria os efeitos do encontro com Sagitário em algum momento entre 300 e 900 milhões de anos atrás. Agora, com o EDR3 do Gaia, descobriram mais evidências que apontam para os seus fortes efeitos no disco de estrelas da nossa Galáxia. 

A história da Galáxia não é o único resultado dos documentos de demonstração do EDR3 do Gaia. O Gaia permitiu aos cientistas medir a aceleração do Sistema Solar em relação ao resto do Universo. Usando os movimentos observados de galáxias extremamente distantes, a velocidade do Sistema Solar foi medida com uma mudança de 0,23 nm/s a cada segundo.

Por causa desta pequena aceleração, a trajetória do Sistema Solar é desviada pelo diâmetro de um átomo a cada segundo e, num ano, isso soma cerca de 115 km. A aceleração medida pelo Gaia mostra uma boa concordância com as expetativas teóricas e fornece a primeira medição da curvatura da órbita do Sistema Solar em torno da Galáxia na história da astronomia óptica.

O EDR3 do Gaia também permitiu a obtenção de um novo censo de estrelas na vizinhança solar. O catálogo de estrelas próximas do Gaia contém 331.312 objetos, que se estima serem 92% das estrelas até 100 parsecs do Sol.

O censo anterior da vizinhança solar, denominado Catálogo Gliese de estrelas próximas, foi realizado em 1957. Este possuía apenas 915 objetos inicialmente, mas foi atualizado em 1991 para 3.803 objetos celestes. Também foi limitado a uma distância de 82 anos-luz: o censo do Gaia chega quatro vezes mais longe e contém 100 vezes mais estrelas. Também fornece medições da localização, movimento e brilho que são ordens de magnitude mais precisas do que os dados antigos.

Um quarto artigo de demonstração analisou as Nuvens de Magalhães: duas galáxias que orbitam a Via Láctea. Tendo medido o movimento das estrelas da Grande Nuvem de Magalhães com maior precisão do que antes, o EDR3 do Gaia mostra claramente que a Galáxia tem uma estrutura espiral. Os dados também determinam um fluxo de estrelas que está sendo puxado para fora da Pequena Nuvem de Magalhães, e indica estruturas anteriormente invisíveis nos arredores de ambas as galáxias. 

Este lote de dados é o primeiro de um lançamento em duas partes; o DR3 (Data Release 3) completo está planejado para 2022.

Fonte: ESA