quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O anticentro da Via Láctea e mais além

O movimento das estrelas na periferia da nossa Galáxia indica mudanças significativas na história da Via Láctea.


© ESA/DPAC/Gaia (movimento próprio das estrelas na Via Láctea)

Na imagem acima nota-se que as estrelas estão em constante movimento. Para o olho humano, este movimento, conhecido como movimento próprio, é imperceptível, mas o Gaia da ESA mede-o com cada vez mais precisão. Os traços nesta imagem mostram como 40.000 estrelas, todas localizadas até 100 parsecs (326 anos-luz) do Sistema Solar, se vão mover pelo céu nos próximos 400.000 anos.

Este e outros resultados igualmente fascinantes vêm de um conjunto de documentos que demonstram a qualidade do EDR3 (Early Third Data Release) do Gaia, que foi tornado público a semana passada. 

Os astrônomos do DPAC (Data Processing and Analysis Consortium) do Gaia viram a evidência do passado da Via Láctea ao olhar para as estrelas na direção do "anticentro" da galáxia. Isto é exatamente na direção oposta no céu do Centro da Galáxia.

Os resultados no anticentro vêm de um dos quatro "documentos de demonstração" lançados juntamente com os dados do Gaia. Os outros utilizam dados do Gaia para fornecer uma grande extensão ao censo de estrelas próximas, derivar a forma da órbita do Sistema Solar em torno do Centro Galáctico e sondar estruturas em duas galáxias próximas à Via Láctea.

Os documentos estão projetados para destacar as melhorias e a qualidade dos dados recém-publicados. O EDR3 do Gaia contém informações detalhadas sobre mais de 1,8 bilhões de fontes, detectadas pela aeronave Gaia. Isto representa um aumento de mais de 100 milhões de fontes em relação ao lançamento de dados anterior (DR2 do Gaia), que foi tornado público em abril de 2018. 

O EDR3 do Gaia também contém informações de cores para cerca de 1,5 bilhões de fontes, um aumento de cerca de 200 milhões de fontes em relação ao DR2 do Gaia. Além de incluir mais fontes, a exatidão e a precisão geral das medições também melhoraram. 

Os novos dados do Gaia permitiram rastrear as várias populações de estrelas mais velhas e mais jovens em direção à borda da nossa Galáxia, o Anticentro Galáctico. Modelos previram que o disco da Via Láctea crescerá com o tempo, à medida que novas estrelas nascem. Os novos dados permitem-nos ver as relíquias do antigo disco com 10 bilhões de anos e, assim, determinar a sua menor extensão em comparação com o tamanho atual do disco da Via Láctea. 

Os novos dados destas regiões externas também reforçam a evidência de outro grande evento no passado mais recente da Galáxia. Os dados mostram que nas regiões externas do disco há um componente de estrelas que se move lentamente acima do plano da nossa Galáxia e se dirige para baixo em direção ao plano, e um componente de estrelas que se move rapidamente abaixo do plano que se move para cima. Este padrão extraordinário não havia sido previsto antes. 

Pode ser o resultado da quase colisão entre a Via Láctea e a galáxia anã Sagitário que ocorreu no passado mais recente da nossa Galáxia. A galáxia anã Sagitário contém algumas dezenas de milhões de estrelas e está atualmente em processo de canibalização pela Via Láctea. A sua última passagem próxima à nossa Galáxia não foi um impacto direto, mas isso teria sido o suficiente para que a sua gravidade perturbasse algumas estrelas na nossa Galáxia. 

Ao estudar o DR2 do Gaia, os membros do DPAC já haviam encontrado uma ondulação sutil no movimento de milhões de estrelas que sugeria os efeitos do encontro com Sagitário em algum momento entre 300 e 900 milhões de anos atrás. Agora, com o EDR3 do Gaia, descobriram mais evidências que apontam para os seus fortes efeitos no disco de estrelas da nossa Galáxia. 

A história da Galáxia não é o único resultado dos documentos de demonstração do EDR3 do Gaia. O Gaia permitiu aos cientistas medir a aceleração do Sistema Solar em relação ao resto do Universo. Usando os movimentos observados de galáxias extremamente distantes, a velocidade do Sistema Solar foi medida com uma mudança de 0,23 nm/s a cada segundo.

Por causa desta pequena aceleração, a trajetória do Sistema Solar é desviada pelo diâmetro de um átomo a cada segundo e, num ano, isso soma cerca de 115 km. A aceleração medida pelo Gaia mostra uma boa concordância com as expetativas teóricas e fornece a primeira medição da curvatura da órbita do Sistema Solar em torno da Galáxia na história da astronomia óptica.

O EDR3 do Gaia também permitiu a obtenção de um novo censo de estrelas na vizinhança solar. O catálogo de estrelas próximas do Gaia contém 331.312 objetos, que se estima serem 92% das estrelas até 100 parsecs do Sol.

O censo anterior da vizinhança solar, denominado Catálogo Gliese de estrelas próximas, foi realizado em 1957. Este possuía apenas 915 objetos inicialmente, mas foi atualizado em 1991 para 3.803 objetos celestes. Também foi limitado a uma distância de 82 anos-luz: o censo do Gaia chega quatro vezes mais longe e contém 100 vezes mais estrelas. Também fornece medições da localização, movimento e brilho que são ordens de magnitude mais precisas do que os dados antigos.

Um quarto artigo de demonstração analisou as Nuvens de Magalhães: duas galáxias que orbitam a Via Láctea. Tendo medido o movimento das estrelas da Grande Nuvem de Magalhães com maior precisão do que antes, o EDR3 do Gaia mostra claramente que a Galáxia tem uma estrutura espiral. Os dados também determinam um fluxo de estrelas que está sendo puxado para fora da Pequena Nuvem de Magalhães, e indica estruturas anteriormente invisíveis nos arredores de ambas as galáxias. 

Este lote de dados é o primeiro de um lançamento em duas partes; o DR3 (Data Release 3) completo está planejado para 2022.

Fonte: ESA

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