No Sistema Solar, há um asteroide que gira ao redor do Sol na contramão dos planetas.
© Paul Wiegert (órbita do asteroide 2015 BZ509)
Em amarelo a órbita de Júpiter, em branco os milhares de asteroides troianos, e em verde a órbita do asteroide 2015 BZ509.
É o 2015 BZ509, também conhecido como Bee-Zed. Ele dá uma volta completa no Sol a cada 12 anos, mesmo período de Júpiter, com o qual compartilha a órbita, mas movendo-se em sentido oposto.
A identificação do asteroide na contramão foi a comprovação do que Helena Morais, professora no Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da Unesp, previu há dois anos. Tanto que o estudo sobre a observação do asteroide foi comentado por Morais em um artigo na seção News & Views na edição da revista Nature.
A pesquisadora tinha a certeza de que as órbitas contrárias co-orbitais existiam. Em parceria com Fathi Namouni, do Observatório de Côte d'Azur, na França, Morais desenvolveu uma teoria sobre co-orbitais retrógrados (movimento no sentido oposto ao dos planetas) e ressonâncias orbitais retrógradas em geral, em série de artigos publicados na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e Celestial Mechanics and Dynamical Astronomy.
No estudo agora publicado na Nature, por Paul Wiegert, da University of Western Ontario, no Canadá, o objeto 2015 BZ509, detectado em janeiro de 2015 a partir do Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System (Pan-STARRS) no Havaí, foi seguido com o Large Binocular Telescope, no Arizona. A confirmação do movimento contrário e co-orbital à Júpiter veio destas observações adicionais.
Órbitas contrárias são raras. Estima-se que dos mais de 726 mil asteroides conhecidos até hoje, apenas 82 sejam retrógrados. Por outro lado, co-orbitais movendo-se no mesmo sentido não são novidade; só na órbita de Júpiter existem cerca de 6 mil asteroides troianos, que compartilham a mesma órbita do planeta gigante.
© Helena Morais/IGCE/Unesp (o co-orbital retrógrado está representado no painel d)
Bee-Zed é incomum por compartilhar a mesma órbita de um planeta, estar na contramão e, principalmente, por ser estável há milhões de anos. Em vez de ser expulso da órbita por Júpiter, como seria de se esperar, o asteroide está em uma configuração que lhe garante estabilidade, uma vez que seu movimento está sincronizado com o do planeta, evitando colisões com este.
O asteroide cruza o caminho com Júpiter a cada seis anos, mas, devido à ressonância co-orbital, os dois nunca se aproximam mais do que 176 milhões de quilômetros. A distância é suficiente para evitar grandes perturbações da órbita, embora a gravidade de Júpiter seja essencial para manter o movimento orbital Bee-Zed em sincronismo.
Planetas e a maioria dos asteroides do Sistema Solar giram no mesmo sentido em torno do Sol. Isso se dá porque o Sistema Solar foi formado a partir de uma nuvem em rotação. Por esta razão, os planetas e a maior parte dos asteroides giram em torno do Sol, todos no mesmo sentido.
A maior parte destes objetos que se deslocam ao contrário são cometas. Eles têm órbitas tipicamente inclinadas, muitas delas retrógradas. É o caso do Halley, o mais famoso de todos, que gira ao contrário no Sistema Solar, com inclinação de 162º, praticamente idêntica à do 2015 BZ509.
Quando o Sistema Solar estava em formação, pequenos corpos foram ejetados para distâncias muito grandes do Sol, formando um repositório de cometas conhecido como Nuvem de Oort.
A estas distâncias, o efeito gravitacional da Via Láctea perturba as órbitas dos pequenos corpos. Inicialmente, estes rodavam próximo do plano da eclíptica no mesmo sentido dos planetas, mas suas órbitas foram sendo deformadas pela perturbação da força de maré da galáxia e interação com estrelas próximas, ficando gradualmente mais inclinadas e formando um reservatório mais ou menos esférico.
Caso as órbitas destes corpos sofram uma perturbação, por exemplo, por uma estrela que passa, eles retornam para perto dos planetas do Sistema Solar, e podem tornar-se cometas ativos. Os pequenos corpos gelados que se aproximam do Sol se aquecem, o que causa a sublimação do gelo que os constitui, formando uma coma, uma nuvem de poeira e gás que circunda o núcleo de um cometa, e por vezes uma cauda, tornando-se cometas observáveis.
No caso do 2015 BZ509, o que mais surpreende é o longo período de estabilidade. “O tempo de vida particularmente longo de 2015 BZ509 em sua órbita retrógrada faz com que seja o mais intrigante objeto na vizinhança de Júpiter. São necessários mais estudos para confirmar como este misterioso objeto chegou à sua configuração atual,” comentam Morais e Namouni.
Wiegert especula que é provável que Bee-Zed tenha tido origem na Nuvem de Oort, semelhante aos cometas da família do Halley. De qualquer forma, serão necessários mais estudos para recuperar a saga de Bee-Zed pelo Sistema Solar.
Sabe-se que asteroides em ressonâncias retrógrados não são exclusividade de Bee-Zed. Há registro de outros casos: em 2013, Morais e Namouni descreverem a identificação de um conjunto de asteroides, denominados Centauros e Damocloides, em órbita contrária no Sistema Solar e que entram em ressonância com Júpiter e Saturno. É o caso de asteroides como 2006 BZ8 e 2008 SO218, em ressonância retrógrada com Júpiter, e 2009 QY6, com Saturno.
“De fato, 2006 BZ8 poderia até mesmo entrar na ressonância co-orbital retrógrada com Saturno no futuro. As nossas simulações mostraram que a captura em ressonância é mais provável para objetos que têm órbitas retrógradas do que para aqueles que têm órbitas no mesmo sentido dos planetas,” explicam Morais e Namouni.
A expectativa é que Bee-Zed possa permanecer por mais um milhão de anos em seu estado atual. Com a descoberta, pesquisadores acreditam que asteroides do tipo co-orbitais retrógrados com Júpiter e outros planetas possam ser mais comuns do que se pensava anteriormente, reforçando ainda mais a teoria deste estudo.
Fonte: Istituto Nazionale di Astrofisica