O primeiro catálogo do satélite Gaia da ESA de bilhões de estrelas retrata a maior pesquisa de objetos celestes por todo o céu até à data.
© ESA/Gaia/DPAC (versão anotada do mapa de estrelas da Via Láctea)
A caminho de reunir o mais detalhado mapa 3D alguma vez composto da nossa Via Láctea, o Gaia já determinou a posição precisa no céu e o brilho de 1,142 bilhões de estrelas.
Como uma mostra do catálogo mais rico que virá ainda num futuro próximo, o lançamento divulgado esta semana apresenta as distâncias e os movimentos através do céu de mais de dois milhões de estrelas.
"O Gaia está na vanguarda da astrometria, cartografando o céu com precisões que nunca antes foram alcançadas", diz Álvaro Giménez, Diretor de Ciência da ESA.
Este trabalho fornece uma primeira impressão dos dados extraordinários que irão revolucionar a compreensão de como as estrelas estão distribuídas e se movem por toda a nossa Galáxia.
Lançado há 1.000 dias atrás, o Gaia iniciou os seus trabalhos científicos em julho de 2014. Esta primeira versão é baseada nos dados recolhidos durante os seus primeiros 14 meses de rastreamento do céu, até setembro de 2015.
As riscas e outros artefatos na imagem refletem como o Gaia rastreia o céu, e irão gradualmente desaparecer à medida que mais rastreamentos forem feitos durante a missão de cinco anos.
Transformar a informação bruta em posições estelares úteis e confiáveis para um nível de precisão nunca antes possível é um procedimento extremamente complexo.
Após processar o catálogo completo de bilhões de estrelas, os cientistas analisaram em detalhe os cerca de dois milhões de estrelas em comum entre os resultados do primeiro ano de Gaia e os Catálogos anteriores do Hipparcos e Tycho-2, ambos derivados da missão Hipparcos da ESA, que cartografou o céu há mais de duas décadas atrás.
Ao combinar os dados do Gaia com informações a partir desses catálogos menos precisos, foi possível começar a desembaraçar os efeitos de 'paralaxe' e 'movimento próprio', mesmo a partir do primeiro ano de observações. Paralaxe é um pequeno movimento na posição aparente de uma estrela causada pelo movimento anual da Terra em torno do Sol e depende da distância de uma estrela até nós, enquanto o movimento próprio é devido ao movimento físico das estrelas através da Galáxia.
Desta forma, os cientistas foram capazes de estimar distâncias e movimentos para os dois milhões de estrelas espalhados por todo o céu na combinação Tycho–Gaia Astrometric Solution (TGAS).
Este novo catálogo é duas vezes mais preciso e contém quase 20 vezes tantas estrelas como a anterior referência definitiva para a astrometria, o catálogo Hipparcos.
Como parte do seu trabalho em validar o catálogo, os cientistas Data Processing and Analysis Consortium (DPAC) têm realizado um estudo sobre aglomerados estelares abertos, grupos de estrelas relativamente jovens que nasceram juntas, que demonstra claramente a melhoria permitida pelos novos dados.
"Com o Hipparcos, só pudemos analisar a estrutura 3D e dinâmica de estrelas nas Híades, o aglomerado aberto mais próximo do Sol, e medir distâncias para cerca de 80 aglomerados até 1.600 anos-luz de nós", diz Antonella Vallenari do Instituto Nacional de Astrofísica (INAF) e do Observatório Astronómico de Pádua, Itália.
"Mas, com os primeiros dados do Gaia, é agora possível medir as distâncias e movimentos de estrelas em cerca de 400 aglomerados de até 4.800 anos-luz de distância.
Para os 14 aglomerados abertos mais próximos, os novos dados revelam muitas estrelas surpreendentemente longe do centro do aglomerado progenitor, provavelmente fugindo para preencher outras regiões da Galáxia.
Muitos mais aglomerados estelares serão descobertos e analisados em maior detalhe com os extraordinários dados que o Gaia continua recolhendo.
O novo censo estelar contém também 3.194 estrelas variáveis, estrelas que ritmicamente aumentam e diminuem de tamanho, levando a mudanças periódicas de brilho.
Muitas das variáveis observadas pelo Gaia encontram-se na Grande Nuvem de Magalhães, um dos nossos vizinhos galácticos, uma região que foi digitalizada várias vezes durante o primeiro mês de observações, permitindo uma medição precisa da mudança do seu brilho.
Detalhes sobre as variações de brilho destas estrelas, 386 das quais são novas descobertas, encontram-se publicadas como parte do lançamento, juntamente com um primeiro estudo para testar o potencial dos dados.
"Estrelas variáveis, tais como Cefeidas e RR Lyraes, são indicadores valiosos de distâncias cósmicas", explica Gisella Clementini do INAF e do Observatório Astronómico de Bolonha, Itália.
Enquanto a paralaxe é usada diretamente para medir distâncias de grandes amostras de estrelas na Via Láctea, as estrelas variáveis fornecem um passo indireto, mas crucial na nossa 'escala de distância cósmica', o que nos permite estendê-la a galáxias distantes.
Isto é possível porque alguns tipos de estrelas variáveis são especiais. Por exemplo, no caso das estrelas Cefeidas, quanto mais brilhantes são intrinsecamente, mais lenta será a variação no seu brilho. O mesmo é verdade para as RR Lyrae quando observadas à luz infravermelha. O padrão de variabilidade é fácil de medir e pode ser combinado com o brilho aparente de uma estrela para inferir o seu verdadeiro brilho.
É aqui que o Gaia entra em cena: no futuro, os cientistas serão capazes de determinar distâncias muito precisas para uma grande amostra de estrelas variáveis através de medições de paralaxe do Gaia. Com estas medições, os cientistas irão calibrar e melhorar a relação entre o período e o brilho dessas estrelas, e aplicá-lo para medir distâncias para além da nossa Galáxia. Uma aplicação preliminar dos dados do TGAS parece ser muito promissora.
Conhecer as posições e movimentos das estrelas no céu com uma surpreendente precisão é uma parte fundamental do estudo das propriedades e dos antecedentes da Via Láctea e para medir distâncias a estrelas e galáxias, mas tem também uma variedade de aplicações mais perto de casa, por exemplo, no Sistema Solar.
Em julho, Plutão passou à frente de uma estrela distante e fraca, oferecendo uma rara oportunidade para estudar a atmosfera do planeta anão à medida que a estrela desapareceu gradualmente e depois reapareceu atrás de Plutão.
Esta ocultação estelar foi apenas visível a partir de uma estreita faixa que se estende por toda a Europa, semelhante ao caminho total que um eclipse solar estabelece na superfície do nosso planeta. O conhecimento preciso da posição da estrela foi crucial para apontar os telescópios na Terra; assim, a excecional publicação antecipada da posição da estrela pelo Gaia, que foi 10 vezes mais precisa do que anteriormente disponível, foi fundamental para a monitorização bem-sucedida deste evento raro.
Os primeiros resultados sugerem uma pausa no intrigante aumento da pressão da tênue atmosfera de Plutão, algo que tem sido registado desde 1988, apesar do planeta anão estar se afastando do Sol, o que sugere uma queda de pressão devido ao arrefecimento da atmosfera.
Esta primeira versão de dados mostra que a missão está no bom caminho para atingir o seu objetivo final: cartografar as posições, distâncias e movimentos de bilhões de estrelas, cerca de 1% do conteúdo estelar da Via Láctea, em três dimensões e numa precisão sem precedentes.
Fonte: ESA