Os arredores da Via Láctea abrigam as estrelas mais antigas da Galáxia. Mas os astrônomos descobriram algo inesperado: um bando de estrelas jovens.
© NASA/D. Nidever (aglomerado Price-Whelan 1)
Ainda mais surpreendente, a análise espectral sugere que as estrelas jovens têm uma origem extragalática. As estrelas aparentemente formaram-se não a partir de material da Via Láctea, mas de duas galáxias anãs próximas conhecidas como Nuvens de Magalhães. Essas galáxias estão numa rota de colisão com a nossa. A descoberta sugere que um fluxo de gás que se estende a partir das galáxias está a cerca de metade da distância que se pensava ser necessária para colidir com a Via Láctea.
"É um grupo insignificante de estrelas, sendo inferior a alguns milhares de estrelas, mas tem grandes implicações além da área local da Via Láctea," diz o pesquisador principal Adrian Price-Whelan, cientista do Centro de Astrofísica Computacional do Instituto Flatiron em New York. O aglomerado também tem o seu nome: Price-Whelan 1.
As estrelas recém-descobertas podem revelar novas informações sobre a história da Via Láctea; podem, por exemplo, dizer se as Nuvens de Magalhães colidiram com a nossa Galáxia no passado.
Price-Whelan e colegas já tinham relatado anteriormente a descoberta de Price-Whelan 1 no dia 5 de dezembro de 2019 na revista The Astrophysical Journal e a sua subsequente análise espectroscópica das estrelas no dia 16 de dezembro, também na revista The Astrophysical Journal.
A identificação de aglomerados estelares é complicada porque a nossa Galáxia está repleta de objetos deste tipo. Algumas estrelas podem parecer próximas umas das outras no céu, mas na verdade ficam a distâncias drasticamente diferentes da Terra. Outras podem aproximar-se temporariamente, mas seguir em direções opostas. A determinação de quais as estrelas realmente agrupadas requer muitas medições precisas ao longo do tempo.
Price-Whelan começou com os dados mais recentes recolhidos pelo observatório espacial Gaia, que mediu e catalogou as distâncias e movimentos de 1,7 bilhões de estrelas. Ele analisou o conjunto de dados do Gaia em busca de estrelas muito azuis, raras no Universo, e identificou grupos estelares que se movem ao seu lado. Após a correspondência cruzada e a eliminação de aglomerados conhecidos, permaneceu apenas um.
O aglomerado recém-descoberto é relativamente jovem, com 117 milhões de anos, e fica nos arredores longínquos da Via Láctea.
O aglomerado habita uma região próxima de um "rio" de gás, denominado Corrente de Magalhães, que forma a extremidade mais distante da Grande e da Pequena Nuvem de Magalhães e alcança a Via Láctea. O gás neste fluxo não contém muitos metais, ao contrário dos gases nos confins da Via Láctea. Foi efetuada uma análise do conteúdo metálico das 27 estrelas mais brilhantes do aglomerado. Assim como a Corrente de Magalhães, as estrelas contêm níveis escassos de metais.
Os pesquisadores propõem que o aglomerado se formou à medida que o gás da Corrente de Magalhães passava pelos gases em torno da Via Láctea. Este cruzamento criou uma força de arrasto que comprimiu o gás da Corrente de Magalhães. Este arrasto, juntamente com as forças de maré do reboque gravitacional da Via Láctea, condensou o gás o suficiente para desencadear a formação estelar. Com o tempo, as estrelas aproximaram-se do gás circundante e juntaram-se à Via Láctea.
A presença das estrelas fornece uma oportunidade única. A medição da distância do gás à Terra é complexa e imprecisa, de modo que os astrônomos não tinham certeza de quão longe a Corrente de Magalhães estava de alcançar a Via Láctea. A distância das estrelas, por outro lado, é comparativamente trivial. Usando as posições e movimentos atuais das estrelas no aglomerado, os cientistas preveem que a orla da Corrente de Magalhães está a 90.000 anos-luz da Via Láctea. Este valor é aproximadamente metade da distância prevista anteriormente.
Se a Corrente de Magalhães estiver mais próxima, especialmente o braço principal mais próximo da nossa Galáxia, então é provável que seja incorporada à Via Láctea antes do previsto pelo modelo atual. Eventualmente, este gás se transformará em novas estrelas no disco da Via Láctea. De momento, a nossa Galáxia está consumindo gás mais depressa do que está sendo reabastecido. Este gás extra que está entrando ajudará a reabastecer este reservatório e a garantir que a Via Láctea continua prosperando e formando novas estrelas.
A distância atualizada da Corrente de Magalhães melhorará os modelos de onde as Nuvens de Magalhães estiveram e para onde estão indo. Os números aprimorados podem até resolver um debate sobre se as Nuvens de Magalhães já atravessaram antes a Via Láctea. Isto propiciará uma melhor compreensão da história e das propriedades da nossa Galáxia.
Fonte: Simons Foundation