sábado, 9 de agosto de 2025

Planetas gigantes que flutuam livremente formando sistemas planetários

Descoberto que os planetas gigantes que flutuam livremente têm o potencial de formar os seus próprios sistemas planetários em miniatura sem a necessidade de uma estrela.

© Microsoft Designer (planeta flutuando livremente pelo espaço)

Recorrendo a observações do telescópio espacial James Webb, os cientistas pesquisaram jovens objetos isolados com massas de 5 a 10 vezes a massa de Júpiter. Estes objetos são comparáveis a planetas gigantes relativo às suas propriedades, mas não orbitam uma estrela; em vez disso, flutuam livremente no espaço.

Estes objetos errantes de massa planetária são difíceis de observar, pois são muito tênues e irradiam sobretudo no infravermelho. E, no entanto, possuem a chave para questões importantes da astrofísica. A pesquisa atual sugere que estes são os objetos de menor massa formados como estrelas a partir do colapso de nuvens de gás gigantes. Ao contrário das estrelas, não acumulam massa suficiente para iniciar quaisquer reações de fusão nos seus núcleos. Em teoria, é também possível que alguns se formem de maneira comparável a planetas, em órbita de uma estrela, e mais tarde sejam expulsos dos seus berçários planetários.

Pesquisadores observaram 8 destes objetos, todos muito jovens, para saber mais sobre a sua infância. Utilizaram dois instrumentos a bordo do telescópio espacial James Webb, equipado com instrumentos infravermelhos extremamente sensíveis. Foram analisadas observações espectroscópicas detalhadas destes objetos, com uma cobertura espectral e sensibilidade sem precedentes, de agosto a outubro de 2024.

Este novo trabalho caracteriza estes objetos em profundidade e confirma que têm massas próximas da de Júpiter. Seis deles têm excesso de emissão infravermelha causada por poeira quente na sua vizinhança imediata. Este é o sinal característico de discos, estruturas achatadas que são os locais de nascimento dos planetas. As observações mostram também a emissão de grãos de silicato nos discos, com sinais claros de crescimento de poeira e cristalização, os primeiros passos típicos na formação de planetas rochosos. A emissão de silicatos já foi detectada anteriormente em estrelas e anãs marrons, mas esta é a primeira detecção em objetos de massa planetária.

Este trabalho baseia-se num artigo publicado anteriormente pela Universidade de St. Andrews que mostra que os discos em torno de objetos de massa planetária que flutuam livremente podem durar vários milhões de anos, tempo suficiente para formar planetas. 

Em conjunto, estes estudos mostram que objetos com massas comparáveis às dos planetas gigantes têm o potencial de formar os seus próprios sistemas planetários em miniatura. Esses sistemas poderiam ser como o Sistema Solar, apenas reduzidos por um fator de 100 ou mais em massa e tamanho. 

Estas descobertas mostram que os blocos de construção para a formação de planetas podem ser encontrados mesmo em torno de objetos que são pouco maiores do que Júpiter e que andam sozinhos à deriva no espaço. Isto significa que a formação de sistemas planetários não é exclusiva de estrelas, mas pode também funcionar em torno de mundos solitários sem estrelas.

Fonte: University of St Andrews

A estrela Alfa Centauri pode ter um planeta

Usando o telescópio espacial James Webb, astrônomos podem ter obtido imagens diretas de um gigante gasoso com a massa de Saturno na zona habitável de uma estrela no sistema solar vizinho.

© Caltech (ilustração de planeta gasoso orbitando a estrela Alfa Centauri)

Embora o planeta em si não seja habitável para a vida como a conhecemos, as luas ao seu redor podem ser. Alfa Centauri é um sistema estelar triplo, composto por um par de estrelas semelhantes ao Sol em órbita próxima (A e B), bem como pela anã vermelha Próxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol. Astrônomos já encontraram três planetas orbitando Próxima Centauri, mas agora podem ter avistado um orbitando também Alfa Centauri A.

A relativa proximidade do sistema Alfa Centauri à Terra foi tanto uma bênção quanto uma maldição: permitiu aos astrônomos obter imagens diretas do planeta, mas isso se mostrou longe de ser simples. Estas são observações incrivelmente desafiadoras de se fazer, mesmo com o telescópio espacial mais poderoso do mundo. Estas estrelas são tão brilhantes, próximas e se movem rapidamente pelo céu.

A equipe fez a descoberta usando o Instrumento de Infravermelho Médio (MIRI) do Webb. Ele possui uma máscara coronográfica que pode bloquear o brilho intenso das estrelas para observar objetos mais fracos, como planetas nas proximidades. Mas isso é complicado em um sistema multiestelar, com a luz de Alpha Centauri B precisando ser bloqueada também.

A equipe usou Epsilon Muscae como estrela de referência para ajudar a separar a escassa luz do planeta da de seu hospedeiro. Curiosamente, a posição do planeta coincide com uma detecção provisória feita em 2019 pelo experimento NEAR do Very Large Telescope, levantando a possibilidade de que ambos os avistamentos correspondam ao mesmo objeto.

No entanto, o planeta não apareceu em duas observações subsequentes com o Webb, lançando dúvidas sobre a descoberta. Há uma chance, porém, de que o planeta tenha simplesmente se aproximado demais da estrela para ser observado. Sua órbita pode ser moderadamente excêntrica e inclinada em comparação com o plano orbital de Alfa Centauri, complicando ainda mais a busca. É improvável que o desaparecimento do planeta se deva à obscuração da poeira, já que foram impostos limites sem precedentes à luz exozodiacal no sistema.

A equipe está planejando novas observações de acompanhamento com o telescópio Webb e também com o telescópio Roman Nancy Grace, quando este for lançado em 2027. A proximidade do planeta também é um ponto positivo. Isso nos dará a oportunidade de começar a comparar a composição com os gigantes gasosos do nosso Sistema Solar. A temperatura do planeta, cerca de 225 Kelvin é semelhante à de Saturno. Se a descoberta do planeta for finalmente confirmada, será uma descoberta recorde, já que ele orbita a apenas 2 UA (unidades astronômicas) de sua estrela hospedeira, bem na zona habitável.

Os resultados são relatados em dois artigos que serão publicados no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Sky & Telescope

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Uma estrela supergigante única

A imagem mostra abaixo faz-nos lembrar aquelas imagens 3D que precisam daqueles óculos de papel com filtros vermelhos e verdes para poderem ser vistas corretamente.

© ALMA (Stephenson 2 DFK 52)

Na realidade, esta imagem mostra uma estrela supergigante vermelha no final da sua vida, expelindo uma enorme quantidade de gás e poeira. Estas nebulosas observam-se frequentemente em torno de estrelas supergigantes, no entanto, esta, em particular, apresenta-se como um mistério inesperado.

Trata-se da maior nuvem de material ejetado alguma vez encontrada em torno de uma estrela supergigante, apresentando a enorme dimensão de 1,4 anos-luz. Os astrônomos estudaram esta estrela, Stephenson 2 DFK 52, com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), ao mesmo tempo que outras supergigantes nas suas proximidades.

A DFK 52 é bastante semelhante a Betelgeuse, outra supergigante vermelha famosa, por isso esperava-se encontrar uma nuvem semelhante em torno dela. No entanto, se a DFK 52 estivesse tão perto de nós como a Betelgeuse, a nuvem de gás e poeira que a rodeia seria vista no céu com um tamanho equivalente a um terço da Lua Cheia.

Estas novas observações do ALMA permitiram aos astrônomos medir a quantidade de matéria que rodeia a estrela e a velocidade a que esta matéria se desloca. As zonas da nebulosa que se movem na nossa direção estão destacadas em azul e as que se afastam de nós estão em vermelho. 

Os dados mostram que há cerca de 4.000 anos esta estrela sofreu uma perda extrema de massa, mas posteriormente essa perda abrandou para a sua taxa atual, mais semelhante à taxa de perda de massa da Betelgeuse. Estima-se que a DFK 52 tenha 10 a 15 vezes mais massa do que o Sol e que, até agora, tenha perdido já entre 5 e 10% da sua massa inicial. 

É ainda um mistério para os cientistas como é que esta estrela conseguiu expelir tanto material em tão pouco tempo. Teria ocorrido alguma interação estranha com uma estrela companheira? Por que é que a forma da nuvem é deveras complexa? Existirão mais supergigantes como esta?

Descobrir o porquê da enorme perda de massa da DFK 52 ajudará os astrônomos a compreender melhor como é que esta estrela terminará a sua vida sob a forma de uma explosão de supernova em algum lugar nos próximos milhões de anos.

Um artigo será publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: ESO

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Imagem de dois buracos negros supermassivos em fusão

Há mais de 150 anos que a galáxia OJ 287 e as suas variações de brilho, a cinco bilhões de anos-luz de distância, intrigam e fascinam os astrônomos, pois suspeitam que dois buracos negros supermassivos estejam se fundindo no núcleo.

© U. Heidelberg (galáxia OJ 287 e a fusão de dois buracos negros)

Uma equipe internacional de pesquisadores liderada pela Dra. Efthalia Traianou, da Universidade de Heidelberg, conseguiu recentemente captar uma imagem do centro da galáxia com um grande nível de detalhe. A imagem revolucionária, captada com a ajuda de um radiotelescópio espacial, mostra um segmento até agora desconhecido e fortemente curvado do jato de plasma que gira para fora do centro da galáxia. A imagem fornece novas informações sobre as condições extremas que reinam em torno de buracos negros supermassivos.

O núcleo da galáxia OJ 287 pertence à classe dos blazares, que exibem alta atividade e luminosidade impressionante. As forças motoras por trás destes núcleos galácticos ativos são os buracos negros. Eles absorvem matéria dos seus arredores e podem lançá-la na forma de jatos de plasma gigantes compostos por radiação cósmica, calor, átomos pesados e campos magnéticos. 

A imagem, que penetra profundamente no centro da galáxia, revela uma estrutura fortemente curvada e semelhante a uma fita do jato; também aponta para novas informações sobre a composição e comportamento do jato de plasma. Algumas regiões excedem temperaturas de dez trilhões Kelvin, evidência de energia e movimento extremos nas proximidades de um buraco negro.

Foi observado também a formação, propagação e colisão de uma nova onda de choque ao longo do jato e sendo atribuída a uma energia de trilhões de elétrons-volt, a partir de uma medição incomum de raios gama realizada em 2017. A imagem rádio foi obtida com um interferômetro de rádio composto por um radiotelescópio em órbita da Terra, uma antena de dez metros de diâmetro da missão RadioAstron a bordo do satélite Spektr-R, e uma rede de 27 observatórios terrestres distribuídos pela Terra.

Desta forma, os pesquisadores conseguiram criar um telescópio espacial virtual com um diâmetro cinco vezes maior do que o diâmetro da Terra; a sua alta resolução deriva da distância entre os observatórios de rádio individuais. A imagem é baseada num método de medição que aproveita a natureza ondulatória da luz e as ondas sobrepostas associadas.

A imagem interferométrica reforça a hipótese de que, no interior da galáxia OJ 287, está localizado um sistema binário de buracos negros supermassivos. Fornece também informações importantes sobre o modo como os movimentos desses buracos negros influenciam a forma e a orientação dos jatos de plasma emitidos.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Heidelberg University

Detectado tipo raro de buraco negro devorando uma estrela

O telescópio espacial Hubble e o observatório de raios X Chandra uniram-se para identificar um novo possível exemplo de uma classe rara de buracos negros. Com o nome NGC 6099 HLX-1, esta fonte brilhante de raios X parece residir num aglomerado estelar compacto situado numa galáxia elíptica gigante.

© NASA (NGC 6098, NGC 6099 e HLX-1)

Imagem, obtida pelo telescópio espacial Hubble, de um par de galáxias: NGC 6099 (em baixo à esquerda) e NGC 6098 (em cima, para a direita do centro). A mancha roxa representa a emissão de raios X de um aglomerado estelar compacto. Os raios X são produzidos por um buraco negro de massa intermediária que está destruindo uma estrela.

Apenas alguns anos após o seu lançamento em 1990, o Hubble descobriu que as galáxias em todo o Universo podem abrigar buracos negros supermassivos nos seus centros, contendo milhões ou bilhões de vezes a massa do nosso Sol. Além disso, as galáxias também contêm milhões de pequenos buracos negros com menos de 100 vezes a massa do Sol. Estes formam-se quando estrelas massivas chegam ao fim das suas vidas.

Muito mais elusivos são os buracos negros de massa intermediária, contendo algumas centenas a algumas centenas de milhares de vezes a massa do nosso Sol. Esta categoria de buracos negros, nem muito grandes nem muito pequenos, é muitas vezes invisível porque não devoram tanto gás e estrelas como os supermassivos, que emitem radiação poderosa.

Para serem encontrados, os buracos negros de massa intermediária precisam ser captados quando estiverem se alimentando. Quando ocasionalmente devoram uma infeliz estrela passageira, gerando um evento de perturbação de marés, emitem uma grande quantidade de radiação. O mais recente e provável buraco negro de massa intermediária, apanhado se alimentando, está localizado nos arredores da galáxia NGC 6099, a aproximadamente 40.000 anos-luz do centro da galáxia. A galáxia está localizada a cerca de 450 milhões de anos-luz de distância, na direção da constelação de Hércules.

Os astrônomos viram pela primeira vez uma fonte incomum de raios X numa imagem captada pelo Chandra em 2009. Em seguida, acompanharam a sua evolução com o observatório espacial XMM-Newton da ESA. Fontes de raios X com luminosidade tão extrema são raras fora dos núcleos galácticos e podem servir como uma sonda fundamental para identificar buracos negros elusivos de massa intermediária. Representam um elo crucial que faltava na evolução dos buracos negros entre os de massa estelar e os supermassivos. 

A emissão de raios X proveniente de NGC 6099 HLX-1 tem uma temperatura de 3 milhões Kelvin, consistente com um evento de perturbação de marés. O Hubble encontrou evidências de um pequeno aglomerado de estrelas em torno do buraco negro. Esse aglomerado daria ao buraco negro muito que devorar, porque as estrelas estão tão próximas umas das outras que apenas alguns meses-luz de distância as separa (cerca de 800 bilhões de quilômetros). O suspeito buraco negro de massa intermediária atingiu o brilho máximo em 2012 e depois continuou diminuindo até 2023. As observações ópticas e de raios X durante esse período não se sobrepõem, o que complica a interpretação.

O buraco negro pode ter dilacerado uma estrela capturada, criando um disco de plasma que exibe variabilidade, ou pode ter formado um disco que cintila à medida que o gás cai em direção ao buraco negro. Se o buraco negro de massa intermediária está devorando uma estrela, quanto tempo leva para engolir o seu gás?

Em 2009, HLX-1 era razoavelmente brilhante. Em 2012, ficou cerca de 100 vezes mais brilhante. E depois diminuiu novamente. Portanto, agora é necessário esperar para ver se está brilhando várias vezes, ou se houve um início, um pico e se vai diminuir até desaparecer.

Presume-se que exista um buraco negro supermassivo no núcleo da galáxia, que atualmente está inativo e não está devorando nenhuma estrela. A equipe enfatiza que fazer um levantamento dos buracos negros de massa intermediária pode revelar como os maiores buracos negros supermassivos se formam.

Existem duas teorias alternativas. Uma é que os buracos negros de massa intermediária são as sementes da formação de buracos negros ainda maiores, ao se fundirem, já que as grandes galáxias crescem ao absorver galáxias menores. O buraco negro no centro de uma galáxia também cresce durante essas fusões. As observações do Hubble revelaram uma relação proporcional: quanto mais massiva a galáxia, maior o buraco negro.

O quadro emergente com esta nova descoberta é que as galáxias podem ter "buracos negros de massa intermediária satélites" que orbitam no halo de uma galáxia, mas nem sempre caem para o centro. Outra teoria é que as nuvens de gás no meio dos halos de matéria escura no início do Universo não formam estrelas primeiro, mas simplesmente colapsam diretamente num buraco negro supermassivo.

A descoberta do telescópio espacial James Webb da NASA, de buracos negros muito distantes que são desproporcionalmente mais massivos em relação à sua galáxia hospedeira, tende a apoiar esta ideia. No entanto, pode haver um viés observacional referente à detecção de buracos negros extremamente massivos no Universo distante, porque os de tamanho menor são demasiado fracos para serem vistos. Na realidade, pode haver mais variedade na forma como o nosso Universo dinâmico constrói buracos negros.

Os buracos negros supermassivos que colapsam dentro de halos de matéria escura podem simplesmente crescer de uma forma diferente daqueles que vivem em galáxias anãs, onde a acreção dos buracos negros pode ser o mecanismo preferido de crescimento.

O desafio é que o Chandra e o XMM-Newton observam apenas uma pequena fração do céu, por isso não encontram frequentemente novos eventos de perturbação de marés nos quais os buracos negros consomem estrelas. O Observatório Vera C. Rubin, no Chile, um telescópio de observação de todo o céu, pode detectar esses eventos no visível a centenas de milhões de anos-luz de distância. Observações de acompanhamento com o Hubble e com o Webb podem revelar o aglomerado de estrelas em torno do buraco negro.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Harvard–Smithsonian Center for Astrophysics

A evolução da vida pode ter tido as suas origens no espaço sideral

Usando o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), uma equipe de astrônomos liderada por Abubakar Fadul, do Instituto Max Planck de Astronomia, descobriu moléculas orgânicas complexas no disco protoplanetário de uma protoestrela.

© ESO (disco de formação planetária em torno da estrela V883 Orionis)

Esta descoberta inclui a primeira detecção preliminar de etilenoglicol e glicolonitrilo, no disco protoplanetário da protoestrela V883 Orionis. Estas substâncias são consideradas precursoras dos blocos de construção da vida.

A comparação de diferentes ambientes cósmicos revela que a abundância e a complexidade de moléculas deste gênero aumentam desde regiões de formação estelar até aos sistemas planetários totalmente evoluídos. Isto sugere que as sementes da vida são "montadas" no espaço e que estão bem espalhadas.

Os astrônomos já haviam descoberto moléculas orgânicas complexas em vários locais associados à formação de planetas e estrelas. As moléculas orgânicas complexas têm mais de cinco átomos, dos quais pelo menos um é carbono. Muitas delas são consideradas blocos de construção da vida, como aminoácidos e ácidos nucleicos ou os seus precursores.

A descoberta de 17 moléculas orgânicas complexas no disco protoplanetário de V883 Orionis, incluindo etilenoglicol e glicolonitrilo, fornece uma peça do quebra-cabeças há muito procurada na evolução destas moléculas entre os estágios que precedem e seguem a formação de estrelas e dos seus discos de formação planetária. O gliconitrilo é um precursor dos aminoácidos glicina e alanina, bem como da base nucleica adenina.

A transição de uma protoestrela fria para uma estrela jovem rodeada por um disco de poeira e gás é acompanhada por uma fase violenta de gás em choque, radiação intensa e ejeção rápida de gás. Tais processos energéticos podem destruir a maior parte da química complexa "montada" durante as fases anteriores. Por isso, os cientistas elaboraram um cenário chamado de "reinicialização", no qual a maioria dos compostos químicos necessários para a evolução da vida teria de ser reproduzida em discos circunestelares durante a formação de cometas, asteroides e planetas.

Os resultados sugerem que os discos protoplanetários herdam moléculas complexas de fases anteriores e que a formação de moléculas complexas pode continuar durante a fase do disco protoplanetário. O período entre a fase protoestelar energética e o estabelecimento de um disco protoplanetário seria, por si só, demasiado curto para que as moléculas orgânicas complexas se formassem em quantidades detectáveis. Como resultado, as condições que predefinem os processos biológicos podem ser generalizadas, em vez de restritas a sistemas planetários individuais.

Os astrônomos encontraram as moléculas orgânicas mais simples, como o metanol, em regiões densas de poeira e gás que antecedem a formação das estrelas. Em condições favoráveis, elas podem até conter compostos complexos que incluem o etilenoglicol, uma das espécies agora descobertas em V883 Orionis. Foi descoberto que o etilenoglicol pode ser formado pela irradiação UV da etanolamina, uma molécula que foi recentemente descoberta no espaço. Esta descoberta apoia a ideia de que o etilenoglicol pode ser formado nesses ambientes, mas também em estágios posteriores da evolução molecular, onde a irradiação UV é dominante. 

Agentes mais evoluídos cruciais para a biologia, como aminoácidos, açúcares e bases nucleicas que compõem o DNA e o RNA, estão presentes em asteroides, meteoritos e cometas dentro do Sistema Solar. As reações químicas que sintetizam essas moléculas orgânicas complexas ocorrem em condições frias, de preferência em grãos de poeira gelados que mais tarde coagulam para formar objetos maiores. Escondidos nessas misturas de rocha, poeira e gelo, elas geralmente permanecem indetectáveis.

O acesso a essas moléculas só é possível através da perfuração com sondas espaciais ou aquecimento externo, que evapora o gelo. No Sistema Solar, o Sol aquece os cometas, resultando em caudas impressionantes de gás e poeira, ou cabeleiras, essencialmente invólucros gasosos que rodeiam os núcleos cometários. Dessa forma, a espetroscopia, a dissecação da luz semelhante a um arco-íris, pode captar as emissões das moléculas liberadas. Essas impressões digitais espectrais ajudam a identificar as moléculas anteriormente enterradas no gelo.

Um processo de aquecimento semelhante está ocorrerendo no sistema V883 Orionis. A estrela central ainda está crescendo, acumulando gás do disco circundante até que, eventualmente, acenda a fusão nuclear no seu núcleo. Durante esses períodos de crescimento, o gás que cai aquece e produz intensas explosões de radiação. Moléculas complexas, incluindo etilenoglicol e glicolonitrilo, irradiam em frequências de rádio. O ALMA é perfeitamente adequado para detectar esses sinais. 

Os astrônomos do Instituto Max Planck de Astronomia obtiveram acesso a este interferômetro de rádio através do ESO, que o opera no deserto chileno de Atacama, a uma altitude de 5.000 metros. O ALMA permitiu aos astrônomos localizar o sistema V883 Orionis e procurar sinais espectrais fracos, o que acabou por levar às detecções.

Foram publicados artigos sobre a descoberta nos periódicos The Astronomical Journal e The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: Max Planck Institute for Astronomy