sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Planetas Urano e Netuno podem ser gigantes rochosos

Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Zurique e do NCCR PlanetS (National Centre of Competence in Research PlanetS) está desafiando a nossa compreensão do interior dos planetas do Sistema Solar.

© Instituto Keck (ilustração do planeta Urano)

Nota-se na ilustração que Urano pode ser um gigante de gelo (à esquerda) ou um gigante de rocha (à direita), dependendo dos pressupostos do modelo.

A composição de Urano e Netuno, os dois planetas mais exteriores, pode ser mais rochosa e menos gelada do que se pensava. Os planetas do Sistema Solar são tipicamente divididos em três categorias com base na sua composição: os quatro planetas terrestres rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte), seguidos pelos dois gigantes gasosos (Júpiter e Saturno) e, finalmente, pelos dois gigantes gelados (Urano e Netuno).

De acordo com o trabalho realizado pela equipe científica da Universidade de Zurique, Urano e Netuno poderão ser mais rochosos do que gelados. O novo estudo não afirma que os dois planetas azuis sejam de um tipo ou de outro, ricos em água ou em rocha, mas desafia a ideia de que ricos em gelo seja a única possibilidade. Esta interpretação é também consistente com a descoberta de que o planeta anão Plutão tem uma composição predominantemente rochosa.

A equipe desenvolveu um processo de simulação único para o interior de Urano e Netuno. A classificação de gigante de gelo está demasiado simplificada, uma vez que Urano e Netuno ainda são pouco conhecidos. Os modelos baseados na física eram demasiado fundamentados em pressupostos, enquanto os modelos empíricos são demasiado simplistas.

Foram combinadas ambas as abordagens para obter modelos interiores imparciais e fisicamente consistentes. Para tal, foi criado um perfil de densidade aleatório para o interior do planeta. Depois, foi calculado o campo gravitacional planetário que é consistente com os dados observacionais e inferido uma possível composição. Finalmente, o processo é repetido para obter a melhor correspondência possível entre os modelos e os dados observacionais.

Com o seu novo modelo agnóstico, mas totalmente físico, a equipe da Universidade de Zurique descobriu que a potencial composição interna dos "gigantes de gelo" do nosso Sistema Solar não se limita apenas ao gelo (tipicamente representado pela água). A nova gama de composições internas mostra que ambos os planetas podem ser ricos em água ou em rocha.

O estudo traz também novas perspectivas sobre os intrigantes campos magnéticos de Urano e Netuno. Ao passo que a Terra tem polos magnéticos norte e sul bem definidos, os campos magnéticos de Urano e Netuno são mais complexos, com mais de dois polos. Os modelos desenvolvidos pela equipe têm as chamadas camadas de "água iônica" que geram dínamos magnéticos em locais que explicam os campos magnéticos não-dipolares observados.

Foi descoberto tanbém que o campo magnético de Urano tem origem mais profunda do que o de Netuno. Embora os resultados sejam prometedores, subsistem algumas incertezas. Uma das principais questões é o fato de os físicos ainda não compreenderem como os materiais se comportam nas condições exóticas de pressão e temperatura que se encontram no coração de um planeta, o que pode ter impacto nos nossos resultados. Apesar das incertezas, os novos resultados também abrem caminho a novos cenários potenciais de composição interior, desafiam pressupostos de décadas e orientam a futura pesquisa em ciência dos materiais em condições planetárias.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Universität Zürich

A primeira detecção, através do rádio, de um tipo raro de supernova

Os astrônomos utilizaram o VLA (Very Large Array) para fazer uma descoberta sem precedentes, captando os primeiros sinais de rádio de uma classe rara de explosão estelar conhecida como supernova do Tipo Ibn.

© NRAO (estrela explode num disco denso rico em hélio gerando ondas de rádio)

Este feito revela uma nova visão sobre os momentos finais da vida de estrelas massivas e proporciona um raro vislumbre dos últimos anos de uma estrela, anteriormente ocultos.

A supernova, designada SN 2023fyq, representa uma oportunidade única para observar o ato final de uma estrela massiva. As supernovas do Tipo Ibn resultam da explosão de uma estrela em gás rico em hélio previamente ejetado da sua superfície. Utilizando a poderosa visão rádio do VLA, os astrônomos rastrearam as emissões de rádio desta explosão durante um período de 18 meses, descobrindo evidências convincentes acerca do ambiente em torno da estrela moribunda.

As medições de rádio permitiram observar a última década de vida da estrela antes do seu desaparecimento. Estas observações revelaram que a estrela liberou as suas camadas de hélio, incluindo um aumento significativo na perda de massa imediatamente antes da supernova, fornecendo novas evidências de explosões exóticas de origem binária. Esta descoberta revela que a estrela passou por um período dramático de perda de massa, provavelmente causado pela influência de uma companheira estelar gravitacionalmente ligada.

Dados de rádio e de raios X revelaram a densidade e a extensão do material rico em hélio ejetado antes da explosão. Foi determinado que a estrela ejetou material a uma velocidade espantosa, até 0,4% da massa do Sol por ano, durante uma fase curta, mas intensa que antecedeu a explosão de supernova. Este processo dinâmico está de acordo com as previsões para estrelas em sistemas binários íntimos e fornece aos astrofísicos novas evidências diretas dos mecanismos que impulsionam estas raras supernovas.

Até agora, a existência de material denso em torno da maioria das supernovas de Tipo Ibn só tinha sido inferida a partir de estudos ópticos. O Dr. A.J. Nayana da Universidade da Califórnia em Berkeley, afirma: "O nosso estudo analisa o material ejetado anos antes da explosão, revelando que a estrela passou por uma fase intensa de perda de massa nos últimos 0,7 a 3 anos da sua existência".

Ao determinar o período de tempo e a magnitude da perda de massa, os astrônomos preencheram uma lacuna crucial na história de como as estrelas massivas terminam as suas vidas e enriquecem o Universo. Esta detecção histórica prepara o terreno para futuros estudos de supernovas com radiotelescópios, prometendo aprofundar a nossa compreensão dos ciclos de vida das estrelas e das forças que moldam a nossa Galáxia.

Este estudo abriu uma nova via para determinar os pontos finais de certas estrelas massivas e realça a necessidade de um acompanhamento em ondas de rádio sistemático de eventos semelhantes com instrumentos incríveis como o VLA e o GMRT (Giant Metrewave Radio Telescope).

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.

Fonte: National Radio Astronomy Observatory

Gás escapando do aglomerado de galáxias de Virgem

Uma galáxia espiral inclinada lateralmente brilha no aglomerado de galáxias de Virgem.

© Hubble (NGC 4388)

A galáxia residente neste aglomerado é a NGC 4388, localizada a cerca de 60 milhões de anos-luz de distância da Terra. O aglomerado de Virgem contém mais de mil galáxias e é o aglomerado de galáxias maior mais próximo da Via Láctea.

A NGC 4388 está inclinada em um ângulo extremo em relação ao nosso ponto de vista, proporcionando-nos uma perspectiva quase lateral. Essa perspectiva revela uma característica curiosa que não era visível em uma imagem anterior do telescópio espacial Hubble dessa galáxia, divulgada em 2016, veja em: Uma transformação na constelação de Virgem; uma pluma de gás do núcleo da galáxia, vista aqui emanando do disco da galáxia em direção ao canto inferior direito da imagem. Mas de onde veio esse fluxo e por que ele brilha?

A resposta provavelmente reside nas vastas extensões que separam as galáxias do aglomerado de Virgem. Embora o espaço entre as galáxias pareça vazio, ele é, na verdade, ocupado por filamentos quentes de gás no meio intra-aglomerado, ou seja, plasma superaquecido permeando o espaço entre as galáxias. À medida que a NGC 4388 se move dentro do aglomerado, ela atravessa o meio intra-aglomerado.

A pressão do gás quente do meio intra-aglomerado arrasta o gás do disco da NGC 4388, fazendo com que ele fique para trás conforme a galáxia se move. A fonte da energia que ioniza essa nuvem de gás e a faz brilhar é mais incerta. Os pesquisadores suspeitam que parte da energia venha do centro da galáxia, onde um buraco negro supermassivo girou o gás ao seu redor, formando um disco superaquecido. A radiação intensa desse disco pode ionizar o gás mais próximo da galáxia, enquanto ondas de choque podem ser responsáveis por ionizar os filamentos de gás mais distantes. 

Essa imagem incorpora novos dados, incluindo vários comprimentos de onda adicionais de luz, para revelar a nuvem de gás ionizada. Os dados utilizados para criar esta imagem provêm de diversos programas de observação que visam iluminar galáxias com buracos negros ativos em seus centros.

Fonte: ESA

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Medindo o cloro e o potássio no remanescente de uma supernova

Porque é que estamos aqui?

© JAXA (cloro e potássio provêm da explosão de estrelas)

É a questão mais fundamental e persistente da humanidade.

Traçar as origens dos elementos é uma tentativa direta de responder a esta questão ao seu nível mais profundo. Sabemos que muitos elementos são criados no interior de estrelas e supernovas, que depois os lançam no Universo, mas a origem de alguns elementos fundamentais tem permanecido um mistério.

O cloro e o potássio, ambos elementos que possuem um número ímpar de prótons, são essenciais à vida e à formação dos planetas. De acordo com os modelos teóricos atuais, as estrelas produzem apenas cerca de um-décimo da quantidade destes elementos observada no Universo, uma discrepância que há muito intriga os astrofísicos.

Este fato inspirou um grupo de pesquisadores da Universidade de Quioto e da Universidade de Meiji a examinar remanescentes de supernova em busca de vestígios destes elementos. Utilizando o XRISM (X-Ray Imaging and Spectroscopy Mission), um satélite de raios X lançado pela JAXA (Japan Aerospace Exploration Agency) em 2023, a equipe conseguiu realizar observações espectroscópicas de raios X de alta resolução do remanescente de supernova Cassiopeia A na Via Láctea. Os cientistas utilizaram o microcalorímetro Resolve a bordo do XRISM, que proporciona uma resolução, em altas energias, uma ordem de grandeza superior à dos detectores de raios X anteriores, o que lhes permitiu observar tênues linhas de emissão de elementos raros.

Analisaram o espetro de raios X de Cassiopeia A e compararam as abundâncias de cloro e potássio com vários modelos de nucleossíntese de supernova. foram descobertas linhas claras de emissão de raios X de ambos os elementos em abundâncias muito superiores às previstas pelos modelos padrão de supernovas. Isto forneceu a primeira evidência observacional de que uma supernova pode criar cloro e potássio suficientes.

A equipe sugere que a forte mistura no interior de estrelas massivas causada por rotação rápida, interação binária ou eventos de fusão de conchas, pode aumentar significativamente a produção destes elementos.

Estes resultados revelam que os elementos vitais para a vida foram produzidos em ambientes rigorosos e intensos no interior das estrelas, muito longe de qualquer coisa que se assemelhe às condições necessárias para o aparecimento da vida. O estudo também demonstra o poder da espectroscopia de raios X de alta precisão para investigar as origens dos elementos e os processos físicos no interior das estrelas.

A seguir, a equipe planeja observar outros remanescentes de supernova com o XRISM para determinar se a produção acrescida de cloro e potássio é comum entre as estrelas massivas ou exclusiva de Cassiopeia A. Isto ajudará a revelar se tais processos internos de mistura são uma característica universal da evolução estelar.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy. Fonte: Kyoto University 

Buraco negro em erupção provoca ventos ultrarrápidos

Os principais telescópios espaciais de raios X, detectaram uma extraordinária erupção de um buraco negro supermassivo.

© Hubble (NGC 3783)

Numa questão de horas, o monstro gravitacional provocou ventos poderosos, lançando material para o espaço a uma velocidade impressionante de 60.000 km/s. O gigantesco buraco negro esconde-se no interior de NGC 3783, uma bela galáxia espiral fotografada recentemente pelo telescópio espacial Hubble

Os astrônomos observaram um clarão brilhante de raios X que irrompeu do buraco negro antes de desvanecer rapidamente. À medida que desvanecia, surgiram ventos velozes, a um-quinto da velocidade da luz.

Para estudar NGC 3783 e o seu buraco negro, foram utilizados simultaneamente o XMM-Newton da ESA e o XRISM (X-Ray Imaging and Spectroscopy Mission), uma missão liderada pela JAXA com a participação da ESA e da NASA.

O buraco negro em questão tem a massa de 30 milhões de sóis. À medida que devora material próximo, alimenta uma região extremamente brilhante e ativa no coração da galáxia espiral. Esta região, conhecida como Núcleo Galáctico Ativo (ou NGA), brilha com todos os tipos de luz e lança poderosos jatos e ventos para o cosmos. Os ventos em torno deste buraco negro parecem ter sido criados quando o campo magnético emaranhado do NGA se "desenrolou" subitamente.

Os ventos do buraco negro assemelham-se a grandes erupções solares de material conhecidas como ejeções de massa coronal, que se formam quando o Sol lança fluxos de material sobreaquecido para o espaço. Desta forma, o estudo mostra que os buracos negros supermassivos agem por vezes como a nossa própria estrela, fazendo com que estes misteriosos objetos pareçam um pouco menos alienígenas. De fato, no passado dia 11 de novembro e na sequência de uma erupção intensa, foi observada no Sol uma ejeção de massa coronal, com os ventos associados a este evento a atingirem velocidades iniciais de 1.500 km/s.

O XMM-Newton é um explorador pioneiro do Universo quente e extremo há mais de 25 anos, enquanto o XRISM tem trabalhado para responder a questões fundamentais em aberto sobre como a matéria e a energia se movem através do cosmos desde o seu lançamento em setembro de 2023. Os dois telescópios espaciais de raios X trabalharam em conjunto para descobrir este acontecimento único e para compreender a erupção e os ventos do buraco negro.

Um artigo foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Space Research Organisation Netherlands