Imediatamente depois do seu lançamento em 2008, o IBEX (Interstellar Boundary Explorer) da NASA avistou algo curioso numa fatia fina do espaço: que mais partículas corriam por uma faixa longa mas estreita do céu do que em qualquer outro lugar.
© NASA/IBEX/Adler Planetarium (ilustração da heliosfera)
A origem desta faixa obtida pelo IBEX era desconhecida, mas a sua própria existência abriu portas para observar o que está fora do nosso Sistema Solar, do mesmo modo que gotas de chuva numa janela nos dizem mais sobre o tempo lá fora.
Agora, um novo estudo usa dados do IBEX e simulações da fronteira interestelar, situada na orla da bolha magnética gigante que rodeia o nosso Sistema Solar chamada heliosfera, para melhor descrever o espaço na nossa vizinhança galáctica. O estudo determina com precisão a força e a direção do campo magnético fora da heliosfera. Esta informação dá-nos um olhar sobre as forças magnéticas que dominam a galáxia, ensinando-nos mais sobre a nossa casa no espaço.
O estudo é baseado numa teoria particular da origem da faixa obtida pelo IBEX, na qual as partículas oriundas da faixa são na realidade material solar refletido de volta para nós depois de uma longa viagem até aos limites magnéticos do Sol. Em torno do Sol existe uma bolha gigante, a heliosfera, e esta está preenchida com o que é chamado vento solar, o fluxo constante de gás ionizado do Sol conhecido como plasma. Quando estas partículas alcançam a fronteira da heliosfera, o seu movimento torna-se mais complicado.
"A teoria diz que alguns prótons do vento solar são enviados de volta na direção do Sol como átomos neutros depois de uma série complexa de trocas de carga, criando a faixa IBEX," afirma Eric Zirnstein, cientista espacial do Southwest Research Institute (SwRI) em San Antonio, Texas, EUA, e autor principal do estudo. "As simulações e as observações do IBEX identificam este processo, que leva em algum lugar entre 3 e 6 anos, em média, como a causa mais provável da faixa IBEX."
Fora da heliosfera encontra-se o meio interestelar, que tem plasma com velocidades, densidades e temperaturas diferentes das do plasma do vento solar, bem como gases neutros. Estes materiais interagem com a borda da heliosfera para criar uma região chamada heliosfera interna, delimitada no interior pelo choque de terminação, que está duas vezes mais longe de nós do que a órbita de Plutão, e no exterior pela heliopausa, o limite entre o vento solar e o meio interestelar comparativamente denso.
Alguns prótons do vento solar que fluem para fora do Sol e para esta região fronteiriça ganham um elétron, tornando-os neutros e permitindo-lhes atravessar a heliopausa. Uma vez no meio interestelar, podem perder esse elétron novamente, fazendo-os girar em torno do campo magnético interestelar. Se essas partículas apanham outro elétron, no local e momento ideais, podem ser disparadas de volta para a heliosfera, viajando todo o caminho de volta até à Terra, onde colidem com o detetor do IBEX. As partículas transportam informações sobre toda aquela interação com o campo magnético interestelar e, quando atingem o detector, dão-nos uma visão sem precedentes sobre as características dessa região no espaço.
"A Voyager 1 é a única sonda que efetua observações diretas do campo magnético interestelar, e essas estão perto da heliopausa, onde é distorcido," comenta Zirnstein. "Mas esta análise fornece uma boa determinação da sua força e direção para mais longe."
As direções das diferentes partículas da faixa que são disparadas de volta para a Terra são determinadas pelas características do campo magnético interestelar. Por exemplo, as simulações mostram que a maioria das partículas energéticas vêm de uma região do espaço diferente da região das partículas menos energéticas, o que fornece pistas do modo como o campo magnético interestelar interage com a heliosfera.
Nesse estudo recente, tais observações foram usadas para semear simulações da origem da faixa. Não só essas simulações preveem corretamente as localizações das partículas neutras da faixa a diferentes energias, como o campo magnético interestelar deduzido concorda com as medições da Voyager 1, com o desvio dos gases neutros interestelares e com as observações de luz estelar polarizada distante.
No entanto, algumas simulações iniciais do campo magnético interestelar não chegam a alinhar. Essas estimativas pré-IBEX foram largamente baseadas em dois pontos de dados, as distâncias a que as Voyager 1 e 2 cruzaram o choque de terminação.
"A Voyager 1 cruzou o choque de terminação às 94 UA (unidades astronômicas) do Sol, e a Voyager 2 às 84 UA," comenta Zirnstein. Uma unidade astronômica é equivalente a cerca de 150 milhões de quilômetros, a distância média entre a Terra e o Sol. "Essa diferença de 1,5 bilhões de quilômetros foi explicada principalmente por um campo magnético forte e muito inclinado que empurra a heliosfera."
Mas essa diferença pode ser explicada se tivermos em consideração uma influência mais forte do ciclo do vento solar, que pode levar a mudanças na força do vento solar e assim alterar a distância ao choque de terminação nas direções das Voyager 1 e 2. As duas sondas Voyager fizeram as suas medições quase com três anos de intervalo, dando tempo suficiente ao vento solar variável para mudar a distância do choque de terminação.
"Os cientistas de campo estão desenvolvendo modelos mais sofisticados do vento solar dependente do tempo," afirma Zirnstein. As simulações geralmente combinam bem com os dados das Voyager.
"As novas descobertas podem ser usadas para melhor compreender como o nosso ambiente espacial interage com o ambiente interestelar além da heliopausa," comenta Eric Christian, cientista do programa IBEX no Goddard Space Flight Center da NASA em Greenbelt, no estado americano de Maryland, que não esteve envolvido neste estudo. "Por sua vez, a compreensão dessa interação pode ajudar a explicar, de uma vez por todas, o mistério do que provoca a faixa IBEX."
Um artigo sobre o estudo foi publicado na revista The Astrophysical Journal Letters.
Fonte: Goddard Space Flight Center