terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A procura de um buraco negro gigante desaparecido

O paradeiro de um buraco negro supermassivo acabou de ficar mais misterioso.

© Chandra/Hubble/Subaru (Abell 2261)

Apesar da procura com o observatório de raios X Chandra e o telescópio espacial Hubble, os astrônomos não conseguem encontrar um buraco negro distante com uma massa estimada entre 3 bilhões e 100 bilhões de vezes a massa do Sol. Este buraco negro ausente deve estar na enorme galáxia no centro do aglomerado de galáxias Abell 2261, localizado a aproximadamente 2,7 bilhões de anos-luz da Terra. 

Esta imagem composta de Abell 2261 contém dados ópticos do telescópio espacial Hubble e do telescópio Subaru, mostrando galáxias do aglomerado e no plano de fundo, e dados do Chandra, mostrando gás quente (em tons de cor-de-rosa) permeando o aglomerado. O meio da imagem mostra a grande galáxia elíptica no centro do aglomerado. 

Quase todas as grandes galáxias do Universo contêm um buraco negro supermassivo no seu centro, com uma massa milhões ou bilhões de vezes a do Sol. Já que a massa de um buraco negro central geralmente acompanha a massa da própria galáxia, os astrônomos esperam que a galáxia no centro de Abell 2261 contenha um buraco negro supermassivo que rivaliza com a massa de alguns dos maiores buracos negros conhecidos no Universo. 

Usando dados do Chandra obtidos em 1999 e 2004, os astrônomos já haviam procurado, no centro da grande galáxia central de Abell 2261, sinais de um buraco negro supermassivo. Procuraram material que foi superaquecido enquanto caía em direção ao buraco negro e que produziu raios X, mas não detectaram tal fonte. 

Agora, com novas e mais longas observações do Chandra obtidas em 2018, uma equipe liderada por Kayhan Gultekin da Universidade do Michigan realizou uma busca mais profunda pelo buraco negro no centro da galáxia. Também consideraram uma explicação alternativa, na qual o buraco negro foi ejetado do centro da galáxia hospedeira. 

Este evento violento pode ter resultado da fusão de duas galáxias para formar a galáxia observada, acompanhada pela fusão dos dois buracos negros de cada galáxia num enorme buraco negro. Quando os buracos negros se fundem, produzem ondulações no espaço-tempo chamadas ondas gravitacionais. Se a enorme quantidade de ondas gravitacionais geradas por tal evento fosse mais forte numa direção do que em outra, a teoria prevê que o novo buraco negro ainda mais massivo teria sido enviado para longe do centro da galáxia na direção oposta. É o que se chama de buraco negro em recuo. 

Os astrônomos não encontraram evidências definitivas de buracos negros em recuo e nem se sabe se os buracos negros supermassivos chegam perto o suficiente uns dos outros para produzir ondas gravitacionais e se fundirem; até agora,  foi apenas verificado as fusões de buracos negros muito menores. A detecção de buracos negros supermassivos em recuo encorajaria os cientistas a usar e desenvolver observatórios para procurar ondas gravitacionais de buracos negros supermassivos que se fundem.

O Abell 2261 é um excelente aglomerado para procurar um buraco negro em recuo porque existem dois sinais indiretos da fusão entre dois buracos negros supermassivos. Em primeiro lugar, os dados das observações ópticas do Hubble e do Subaru revelam um núcleo gigantesco, que é muito maior do que o esperado para uma galáxia do seu tamanho.

O segundo detalhe é que a concentração mais densa de estrelas na galáxia está a mais de 2.000 anos-luz de distância do centro galáctico, o que é surpreendentemente distante. Estas características foram identificadas pela primeira vez por Marc Postman do STScI (Space Telescope Science Institute) e colaboradores nas suas imagens anteriores através do Hubble e Subaru, e levaram-nos a sugerir a ideia de um buraco negro fundido em Abell 2261.

Durante uma fusão, o buraco negro supermassivo de cada galáxia colapsa em direção ao centro da galáxia recém-coalescida. Se ficarem ligados um ao outro pela gravidade e a sua órbita começar a encolher, espera-se que os buracos negros interajam com as estrelas circundantes e as ejetem do centro da galáxia. Isto explicaria o grande núcleo de Abell 2261.

A concentração estelar fora do centro também pode ter sido causada por um evento violento, como a fusão de dois buracos negros supermassivos e o subsequente recuo de um único e maior buraco negro resultante. Embora existam indícios da ocorrência de uma fusão entre buracos negros, nem os dados do Chandra nem os do Hubble mostram evidências do próprio buraco negro. 

Os pesquisadores da Universidade da Virgínia Ocidental, já haviam usado o Hubble para procurar um aglomerado de estrelas que pode ter sido transportado por um buraco negro em recuo. Estudaram três aglomerados perto do centro da galáxia e examinaram se os movimentos das estrelas nestes aglomerados são altos o suficiente para sugerir que contêm um buraco negro com dez bilhões de vezes a massa do Sol. Não encontraram evidências claras de um buraco negro em dois dos aglomerados e as estrelas no outro eram demasiado fracas para produzir conclusões úteis. 

Os pesquisadores também estudaram previamente observações de Abell 2261 com o VLA (Karl G. Jansky Very Large Array). A emissão de rádio detectada perto do centro da galáxia mostrou evidências de atividade de um buraco negro supermassivo ocorrida há 50 milhões de anos, mas não indica que o centro da galáxia atualmente contém um buraco negro.

Voltaram-se então para o Chandra em busca de material que havia sido superaquecido e produzido raios X ao cair em direção ao buraco negro. Embora os dados do Chandra tenham revelado que o gás quente mais denso não estava no centro da galáxia, não revelaram nenhuma possível assinatura de raios X de um buraco negro em crescimento, ou seja, não foi encontrada nenhuma fonte de raios X no centro do aglomerado de galáxias, ou em qualquer um dos aglomerados estelares, ou no local da emissão de rádio. 

Os astrônomos concluíram que ou não há nenhum buraco negro nestes locais ou que está puxando o material demasiado devagar para produzir um sinal de raios X detectável. O mistério da localização deste gigantesco buraco negro continua. Embora a procura não tenha sido bem-sucedida, permanece a esperança para os astrônomos que procurem este buraco negro supermassivo no futuro. Uma vez lançado, o telescópio espacial James Webb poderá revelar a presença de um buraco negro supermassivo no centro da galáxia ou num dos aglomerados de estrelas. Se não for encontrado o buraco negro, então a melhor explicação é que o buraco negro recuou bem para fora do centro da galáxia.

Fonte: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A conjunção de Júpiter e Saturno

No início da noite de hoje, os planetas Júpiter e Saturno se alinharão tão perfeitamente que parecerão formar um único corpo celeste, no ápice de um movimento raro.

© NASA (conjunção de Júpier e Saturno)

Um verdadeiro espetáculo brilhante no céu, que será visível a olho nu na maior parte do mundo, com o céu limpo, cerca de uma hora após o pôr do Sol. Por uma coincidência, o incrível fenômeno poderá ser apreciado no mesmo dia do solstício de verão no Hemisfério Sul, perto do Natal o que rendeu o apelido de "Estrela de Belém". 

Após o ápice da conjunção, nesta segunda-feira, também poderemos seguir acompanhando os planetas se distanciando nos próximos dias, de forma gradual, sempre observando o céu próximo do pôr do Sol. 

Os planetas Júpiter e Saturno se cruzam de maneira regular a aproximadamente cada 20 anos, mas não de maneira tão próxima e visível. Em maio de 2000, por exemplo, houve uma conjunção, mas os planetas estavam muito próximos do Sol para serem visíveis no momento do encontro. 

Um pouco antes do amanhecer de 4 de março de 1226 ocorreu um alinhamento mais próximo entre estes objetos. O alinhamento mais próximo entre séculos aparecerá com apenas um décimo de grau de diferença e durará alguns dias. Hoje, eles aparecerão tão próximos que um dedo mínimo no comprimento do braço cobrirá facilmente os dois planetas no céu. De nosso ponto de vista na Terra, os gigantescos planetas aparecerão muito próximos, mas permanecerão separados por centenas de milhões de quilômetros no espaço. 

Em 1610, o astrônomo italiano Galileo Galilei apontou seu telescópio para o céu noturno, descobrindo as quatro luas de Júpiter: Io, Europa, Ganimedes e Calisto. No mesmo ano, Galileu também descobriu uma estranha forma oval em torno de Saturno, que observações posteriores determinaram ser seus anéis. Estas descobertas mudaram a forma como as pessoas entendiam os confins de nosso Sistema Solar. Treze anos depois, em 1623, os dois maiores planetas do Sistema Solar, Júpiter e Saturno, se encontraram durante seus movimentos pelo céu. Júpiter alcançou e ultrapassou Saturno, em um evento astronômico conhecido como “Grande Conjunção”. 

Para observar o fenômeno, encontre um local com uma visão desobstruída do céu, como um campo ou parque. Júpiter se parecerá mais brilhante do que Saturno, mas podem ser vistos até mesmo da maioria das cidades. Uma hora após o pôr do sol, olhe para o céu do sudoeste. Os planetas podem ser vistos a olho nu, mas se você tiver binóculos ou um pequeno telescópio, poderá ver as quatro grandes luas de Júpiter orbitando o planeta gigante. A conjunção será visível por mais tempo para quem estiver mais próximo do Equador.

Depois do encontro de 2020, o evento seguinte com proximidade semelhante acontecerá só em 15 de março de 2080, e o seguinte ocorrerá somente em 2400. Veja outros detalhes em: A próxima conjunção entre Júpiter e Saturno.

Caso o céu de sua região esteja nublado ou poluído de forma a impedir a visão do evento celestial, várias transmissões ao vivo estarão disponíveis. Por exemplo, o Observatório Lowell, no Arizona, mostrará o fenômeno ao vivo pelo YouTube.

Os filamentos tênues remanescentes de uma galáxia

Esta galáxia lenticular incomum, conhecida como NGC 1947, perdeu quase todo o gás e poeira de seus braços espirais, que costumavam orbitar em torno de seu centro.

© Hubble (NGC 1947)

Descoberta há quase 200 anos pelo astrônomo escocês James Dunlop, a NGC 1947 só pode ser vista do hemisfério sul, na constelação Dorado. Residindo a cerca de 40 milhões de anos-luz de distância da Terra, esta galáxia mostra sua estrutura iluminando seu débil gás restante e disco de poeira com milhões de estrelas. 

Nesta imagem, obtida com o telescópio espacial Hubble, os tênues resquícios dos braços espirais da galáxia ainda podem ser vistos nos filamentos finos e escuro de gás ao seu redor.

Sem a maior parte de seu material de formação estelar, é improvável que muitas novas estrelas nasçam dentro da NGC 1947, fazendo com que esta galáxia venha a desaparecer com o tempo.

Fonte: NASA

sábado, 19 de dezembro de 2020

Galáxia mais distante ajuda a elucidar o Universo primordial

Um novo trabalho melhora a nossa compreensão do objeto astrofísico mais distante conhecido, GN-z11, uma galáxia a 13,4 bilhões de anos-luz da Terra.

© NASA/GSFC (ilustração de uma explosão de raios gama)

Formada a 400 milhões de anos após o Big Bang, determinou-se anteriormente, graças a dados de telescópios espaciais, que GN-z11 é o objeto mais distante alguma vez descoberto.

Uma equipe de astrônomos liderada por Linhua Jiang do Instituto Kavli para Astronomia e Astrofísica da Universidade de Pequim obteve espectros no infravermelho próximo usando telescópios terrestres que confirmaram a distância da galáxia. Também avistaram um "flash" ultravioleta associado a uma explosão de raios gama da galáxia. 

As suas descobertas vão melhorar a nossa compreensão da formação de estrelas e galáxias no início do Universo. O Big Bang deu início ao Universo como uma sopa quente e turva de partículas extremamente energéticas que se expandia rapidamente. Após cerca de 400.000 anos, estas partículas arrefeceram e coalesceram em gás hidrogênio neutro, dando início a uma era das trevas cósmica. 

Algumas zonas de gás eram mais densas do que outras e, eventualmente, o seu material colapsou para dentro, formando os primeiros aglomerados estruturais no Universo. A energia liberada por estrelas e galáxias antigas fez com que o hidrogênio neutro espalhado por todo o Universo ficasse excitado e perdesse um elétron, um processo chamado ionização. 

Como os fótons podiam viajar livremente através deste gás ionizado, o Universo voltou a ficar luminoso. Este período de reionização cósmica durou várias centenas de milhões de anos e representa uma das transições de fase mais importantes da história do Universo. 

Um dos principais objetivos científicos dos telescópios de próxima geração, incluindo o GMT (Giant Magellan Telescope) em construção no Observatório de Las Campanas, é compreender esta época e detectar a luz destes primeiros objetos. No entanto, é muito difícil para os telescópios existentes detectar espectros de galáxias tão distantes, o que torna esta descoberta tão emocionante. 

Obtendo observações espectroscópicas profundas da GN-z11 usando o telescópio Keck em Mauna Kea, Havaí, a equipe foi capaz de confirmar a sua distância de 13,4 bilhões de anos-luz. No entanto, a análise da radiação proveniente da GN-z11 indicou uma abundância de elementos mais pesados do que o hidrogênio e hélio na composição da galáxia. Isto indica que não é uma das galáxias originais, que foram formadas a partir de um Universo pristino e frio e que não tem a cornucópia de elementos sintetizados por gerações anteriores de estrelas e semeados na matéria-prima circundante quando explodiram como supernovas.

As observações do Keck também revelaram uma explosão brilhante de luz que durou menos de três minutos. A análise detalhada revelou que este flash foi produzido por uma explosão de raios gama (GRB) em GN-z11. Não se sabia anteriormente que estes fenômenos já existiam apenas algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang. 

Quanto mais aprendemos sobre os primeiros objetos do Universo, melhor podemos entender como a estrutura do nosso cosmos foi moldada.

Dois artigos sobre a descoberta foram publicados recentemente na revista Nature Astronomy.

Fonte: Carnegie Science

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Detectada possível emissão de rádio de um exoplaneta

Ao monitorar o cosmos com um conjunto de radiotelescópios, astrônomos detectaram surtos de rádio emanados da direção da constelação de Boieiro, que poderão ser as primeiras emissões de rádio recolhidas de um exoplaneta.

© U. Cornell/Jack Madden (ilustração do exoplaneta Tau Boötis b)

O sinal vem do sistema Tau Boötis, que contém uma estrela binária e um exoplaneta. Pela força e polarização do sinal de rádio e do campo magnético do planeta, é compatível com as previsões teóricas. Usando o LOFAR (Low Frequency Array), um radiotelescópio nos Países Baixos, foram descobertos surtos de emissão de um sistema estelar que hospeda um Júpiter quente, um planeta gigante gasoso que está muito perto da sua estrela. 

Os astrônomos também observaram outros potenciais candidatos exoplanetários à emissão de rádio nos sistemas 55 Cancri (na constelação de Caranguejo) e Upsilon Andromedae.

Apenas o sistema exoplanetário de Tau Boötis, localizado a cerca de 51 anos-luz de distância, exibiu uma assinatura significativa no rádio, uma potencial janela única no que toca ao campo magnético do planeta. A observação do campo magnético de um exoplaneta ajuda decifrar as propriedades internas e atmosféricas, bem como a física das interações estrela-planeta. 

O campo magnético da Terra protege o nosso planeta dos perigos do vento solar, mantendo o planeta habitável. O campo magnético de exoplanetas semelhantes à Terra pode contribuir para a sua possível habitabilidade, protegendo as suas próprias atmosferas do vento solar e dos raios cósmicos. Há dois anos, os astrônomos examinaram a emissão de rádio de Júpiter e escalaram estas emissões para imitar as possíveis assinaturas de um exoplaneta distante semelhante a Júpiter.

Estes resultados tornaram-se o modelo para a pesquisa da emissão de rádio de exoplanetas situados de 40 a 100 anos-luz de distância. Depois de quase 100 horas de observações de rádio, os pesquisadores foram capazes de encontrar a assinatura esperada do Júpiter quente no sistema Tau Boötis. A assinatura, porém, é fraca. Resta alguma incerteza de que o sinal de rádio detectado seja do exoplaneta. A necessidade de observações de acompanhamento é crítica. Os astrônomos já começaram uma campanha usando vários radiotelescópios para acompanhar o sinal de Tau Boötis.

As descobertas foram publicadas no periódico Astronomy & Astrophysics.

Fonte: Cornell University

Encontradas bolhas enormes no halo da Via Láctea

O primeiro levantamento de todo o céu realizado pelo telescópio de raios X eROSITA a bordo do observatório SRG (Spektrum-Roentgen-Gamma) revelou uma grande estrutura em forma de ampulheta na Via Láctea.

© MPE (mapa de todo o céu pelo eROSITA)

Estas "bolhas eROSITA" mostram uma semelhança impressionante com as bolhas de Fermi, detectadas há uma década com energias ainda mais altas. A explicação mais provável para estas características é uma injeção massiva de energia no Centro Galáctico no passado, levando a choques no invólucro de gás quente da nossa Galáxia. 

Os astrônomos detectaram uma nova característica notável no primeiro mapa de todo o céu produzido pelo telescópio de raios X eROSITA no SRG: uma enorme estrutura circular de gás quente abaixo do plano da Via Láctea ocupando a maior parte do céu do sul. 

Uma estrutura semelhante no céu norte, a "espora polar norte", é conhecida há muito tempo e pensava-se que fosse o vestígio de uma velha explosão de supernova. Juntas, as estruturas do norte e do sul, ao invés, são um remanescente de um único conjunto de bolhas em forma de ampulheta emergindo do Centro Galáctico. 

O eROSITA varre todo o céu a cada seis meses e os dados permitem que os cientistas procurem estruturas que cobrem uma parte significativa de todo o céu. 

A emissão de raios X em grande escala observada pelo eROSITA na sua banda de energia média (0,6-1,0 keV) mostra que o tamanho intrínseco das bolhas é de vários kiloparsecs (ou até 50.000 anos-luz) de diâmetro, quase tão grande quanto toda a Via Láctea. 

Estas "bolhas eROSITA" mostram semelhanças morfológicas impressionantes com as bem conhecidas "bolhas de Fermi" detectadas em raios gama pelo telescópio Fermi, mas são maiores e mais energéticas. 

Esta descoberta vai ajudar os astrônomos a compreender o ciclo cósmico da matéria dentro e em torno da Via Láctea e das outras galáxias. A maior parte da matéria comum (bariônica) do Universo é invisível aos nossos olhos, com todas as estrelas e galáxias que observamos com telescópios ópticos compreendendo menos de 10% da sua massa total. 

Pensa-se que vastas quantidades de matéria bariônica não observada residam em halos tênues enrolados como casulos em torno das galáxias e dos filamentos entre elas na teia cósmica. Estes halos são quentes, com uma temperatura de milhões de graus e, portanto, visíveis apenas com telescópios sensíveis à radiação altamente energética. 

As bolhas agora observadas com o eROSITA traçam perturbações neste invólucro de gás quente em torno da Via Láctea, provocadas por um surto de formação estelar ou por uma explosão do buraco negro supermassivo no Centro Galáctico. Embora agora dormente, o buraco negro pode muito bem ter estado ativo no passado, ligando-o a núcleos galácticos ativos (NGAs) com buracos negros de crescimento rápido vistos em galáxias distantes. 

Em qualquer caso, a energia necessária para alimentar a formação destas bolhas gigantescas deve ter sido enorme a 10^56 ergs, o equivalente à liberação energética de 100.000 supernovas, e semelhante às estimativas de explosões dos NGAs. 

Os cientistas têm procurado no passado impressões digitais gigantescas deste tipo de atividades violentas em torno de muitas galáxias. As bolhas eROSITA fornecem agora forte suporte para interações em grande escala entre o núcleo da nossa Galáxia e o halo em seu redor, que são energéticas o suficiente para perturbar a estrutura, o conteúdo energético e o enriquecimento químico do meio circumgaláctico da Via Láctea.

Os dados do eROSITA tornam possível destacar muitas linhas espectrais de raios X emitidas por gás altamente ionizado. Isto significa que a porta está aberta para o estudo da abundância de elementos químicos, o grau da sua ionização, a densidade e temperatura do gás emitente nas bolhas, para identificar os locais das ondas de choque e estimar escalas de tempo características.

Desde o início do levantamento, os cientistas têm trabalhado na análise dos dados, com foco em objetos galácticos como estrelas de nêutrons em acreção, buracos negros, remanescentes de supernova e as recém-descobertas bolhas eROSITA. 

O estudo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Max Planck Institute for Extraterrestrial Physics

sábado, 12 de dezembro de 2020

Exoplaneta pode ser o Planeta Nove?

Esta é a primeira vez que os astrônomos foram capazes de medir o movimento de um enorme planeta semelhante a Júpiter que está orbitando muito longe de suas estrelas hospedeiras e do disco de detritos visíveis.


© NASA/ESA/M. Kornmesser (ilustração do exoplaneta HD 106906 b)

Este disco é semelhante ao nosso Cinturão de Kuiper de pequenos corpos gelados além de Netuno. Em nosso próprio Sistema Solar, o suspeito Planeta Nove também ficaria longe do Cinturão de Kuiper em uma órbita igualmente estranha. 

Embora a busca por um Planeta Nove continue, esta descoberta de exoplanetas é evidência de que tais órbitas estranhas são possíveis. O sistema onde reside este gigante gasoso tem apenas 15 milhões de anos. Isso sugere que o Planeta Nove, se é que existe, poderia ter se formado muito cedo na evolução de nosso Sistema Solar de 4,6 bilhões de anos. 

O exoplaneta com massa de 11 Júpiter chamado HD 106906 b foi descoberto em 2013 com os telescópios Magalhães no Observatório Las Campanas no deserto do Atacama, no Chile. No entanto, os astrônomos não sabiam nada sobre a órbita do planeta. Isto exigia algo que apenas o telescópio espacial Hubble poderia fazer: coletar medições muito precisas do movimento do astro ao longo de 14 anos com uma precisão extraordinária.

A equipe usou dados do arquivo do Hubble que forneceram evidências para este movimento. O exoplaneta reside extremamente longe de seu par de estrelas jovens e brilhantes, mais de 730 vezes a distância da Terra ao Sol, ou quase 110 bilhões de quilômetros. Esta ampla separação tornou um enorme desafio determinar a órbita de 15.000 anos em um período de tempo relativamente curto de observações do Hubble.

O planeta está se deslocando muito lentamente ao longo de sua órbita, devido à fraca atração gravitacional de suas estrelas gêmeas hospedeiras que estão muito distantes. 

O disco de detritos é muito incomum, talvez devido à atração gravitacional do planeta rebelde. Então, como o exoplaneta chegou a uma órbita tão distante e estranhamente inclinada? 

A teoria prevalecente é que se formou muito mais perto de suas estrelas, cerca de três vezes a distância que a Terra está do sol. Mas o arrasto dentro do disco de gás do sistema fez com que a órbita do planeta decaísse, forçando-o a migrar para dentro em direção ao seu par estelar. Os efeitos gravitacionais das estrelas gêmeas girando então o chutaram para uma órbita excêntrica que quase o lançou para fora do sistema e no vazio do espaço interestelar.

Então, uma estrela que passava de fora do sistema estabilizou a órbita do exoplaneta e o impediu de deixar seu sistema doméstico. Usando medições precisas de distância e movimento do satélite de pesquisa Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA), as estrelas passantes candidatas foram identificadas em 2019 pelos membros da equipe do Observatório Europeu do Sul (ESO) no Chile, e Paul Kalas da Universidade da Califórnia. 

Em um estudo anterior, fora encontradas evidências circunstanciais para o comportamento do planeta em fuga: o disco de detritos do sistema é fortemente assimétrico. Um lado do disco é truncado em relação ao lado oposto e também é perturbado verticalmente, em vez de ficar restrito a um plano estreito visto no lado oposto das estrelas.

São as estrelas passageiras que perturbaram o planeta, e o planeta perturbou o disco? É o binário no meio que primeiro perturbou o planeta e depois perturbou o disco? Ou será que as estrelas ao passarem que perturbaram o planeta e o disco ao mesmo tempo? 

Este cenário da órbita bizarra de HD 106906 b é semelhante em alguns aspectos ao que pode ter feito com que o hipotético Planeta Nove terminasse nos confins do Sistema Solar, bem além da órbita dos outros planetas e além do Cinturão de Kuiper. O planeta Nove poderia ter se formado no Sistema Solar interno e sido expulso por interações com Júpiter. No entanto, Júpiter muito provavelmente teria lançado o Planeta Nove muito além de Plutão. 

Até o momento, os astrônomos têm apenas evidências circunstanciais do Planeta Nove. Eles encontraram um aglomerado de pequenos corpos celestes além de Netuno que se movem em órbitas incomuns em comparação com o resto do Sistema Solar. Esta configuração sugere que estes objetos foram guiados juntos pela atração gravitacional de um enorme planeta invisível.

Uma teoria alternativa é que não existe um planeta gigante perturbador, mas o desequilíbrio é devido à influência gravitacional combinada de vários objetos muito menores. Outra teoria é que o Planeta Nove não existe e o agrupamento de corpos menores pode ser apenas uma anomalia estatística.

O exoplaneta identificado captura material toda vez que se aproxima das estrelas hospedeiras? 

Com o futuro telescópio espacial James Webb isto poderia ser explicado através de dados no infravermelho. A sensibilidade única e recursos de imagem deste telescópio abrirão novas possibilidades para detectar e estudar estes planetas e sistemas não convencionais. 

A descoberta foi publicada no periódico The Astronomical Journal.

Fonte: Space Telescope Science Institute

O mistério sobre funcionamento de estrelas

Um novo estudo revelou, pela primeira vez, a ocorrência do chamado ciclo de fusão carbono-nitrogênio-oxigênio (CNO) em estrelas.

© Hubble (estrela WR 124 e nebulosa M1-67)

O ciclo CNO é a fonte de energia dominante que alimenta estrelas mais pesadas do que o Sol, mas nunca havia sido detectada diretamente em nenhuma estrela. Durante a maior parte de sua vida, a estrelas se abastecem da energia gerada pela fusão do hidrogênio com o hélio. 

Em estrelas como nosso Sol, ou estrelas com menos massa, isto acontece principalmente através de cadeias próton-próton. Entretanto, muitas estrelas são mais “pesadas” e mais quentes do que o nosso Sol, e possuem, em sua composição, elementos mais pesados do que o hélio,  uma qualidade conhecida como metalicidade. 

Desde 1930, os teóricos preveem que o ciclo CNO será dominante em estrelas pesadas. Os neutrinos que são emitidos como parte destes processos fornecem assinaturas espectrais características. 

“Ao confirmarmos a existência de fusão de tipo CNO em nosso Sol, onde corresponde a apenas 1% da energia, reforça nossa confiança que entendemos como as estrelas funcionam,” disse o físico Andrea Pocar, da Universidade de Massachusetts. Ele é um integrante da Colaboração Borexino, o grupo responsável pelo estudo. 

O detector Borexino está localizado nos Montes Apeninos, na Itália Central, no Laboratori Nazionali del Gran Sasso da INFSN. Ele detecta neutrinos como feixes de luz produzidos quando os neutrinos colidem com elétrons de 300 toneladas de material cintilador orgânico ultra-puro. Sua grande profundidade, tamanho e pureza fazem do Borexino um detector especial. O projeto foi iniciado no começo da década de 1990 por um grupo de físico liderado por Gianpaolo Bellini da Universidade de Milão, Frank Calaprice em Princeton e Iate Raju Raghavan no Bell Labs. 

Antes de suas detecções mais recentes, a colaboração Borexino mediu com sucesso componentes de fluxos de neutrinos solares próton-próton, ajudou a refinar parâmetros de oscilação dos neutrinos e ainda mediu o primeiro passo do ciclo: os neutrinos próton-próton de baixa energia. Antes da descoberta dos neutrinos CNO, o laboratório havia programado o fim das operações da Borexino no fim de 2020, mas os cientistas continuaram coletando dados.

A detecção dos neutrinos gerados pela fusão CNO pode ajudar também a resolver uma importante questão em aberto na física estelar. Ela envolve explicar de que forma a metalicidade no centro do Sol, que só pode ser inferida pela taxa de neutrinos CNO em seu centro, está relacionada com a metalicidade observada em outras partes de uma estrela. Os modelos tradicionais têm esbarrado numa dificuldade: os dados sobre a metalicidade na superfície solar, que são medidos por espectroscopia, não concordam com medições sobre a metalicidade abaixo da superfície que usam um método diferente, baseado em observações de heliosismologia.

Os neutrinos realmente são a única evidência direta que a ciência tem para o que ocorre no núcleo das estrelas, incluindo o Sol, mas é muito difícil observá-los. Estima-se que 420 bilhões deles atinjam cada metro quadrado da superfície da Terra a cada segundo. Mesmo assim, quase todos passam sem gerar nenhuma interação. Eles podem ser detectados recorrendo a detectores muito grandes com níveis de radiação de fundo baixos. 

A descoberta foi publicada na revista Nature.

Fonte: Scientific American

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O anticentro da Via Láctea e mais além

O movimento das estrelas na periferia da nossa Galáxia indica mudanças significativas na história da Via Láctea.


© ESA/DPAC/Gaia (movimento próprio das estrelas na Via Láctea)

Na imagem acima nota-se que as estrelas estão em constante movimento. Para o olho humano, este movimento, conhecido como movimento próprio, é imperceptível, mas o Gaia da ESA mede-o com cada vez mais precisão. Os traços nesta imagem mostram como 40.000 estrelas, todas localizadas até 100 parsecs (326 anos-luz) do Sistema Solar, se vão mover pelo céu nos próximos 400.000 anos.

Este e outros resultados igualmente fascinantes vêm de um conjunto de documentos que demonstram a qualidade do EDR3 (Early Third Data Release) do Gaia, que foi tornado público a semana passada. 

Os astrônomos do DPAC (Data Processing and Analysis Consortium) do Gaia viram a evidência do passado da Via Láctea ao olhar para as estrelas na direção do "anticentro" da galáxia. Isto é exatamente na direção oposta no céu do Centro da Galáxia.

Os resultados no anticentro vêm de um dos quatro "documentos de demonstração" lançados juntamente com os dados do Gaia. Os outros utilizam dados do Gaia para fornecer uma grande extensão ao censo de estrelas próximas, derivar a forma da órbita do Sistema Solar em torno do Centro Galáctico e sondar estruturas em duas galáxias próximas à Via Láctea.

Os documentos estão projetados para destacar as melhorias e a qualidade dos dados recém-publicados. O EDR3 do Gaia contém informações detalhadas sobre mais de 1,8 bilhões de fontes, detectadas pela aeronave Gaia. Isto representa um aumento de mais de 100 milhões de fontes em relação ao lançamento de dados anterior (DR2 do Gaia), que foi tornado público em abril de 2018. 

O EDR3 do Gaia também contém informações de cores para cerca de 1,5 bilhões de fontes, um aumento de cerca de 200 milhões de fontes em relação ao DR2 do Gaia. Além de incluir mais fontes, a exatidão e a precisão geral das medições também melhoraram. 

Os novos dados do Gaia permitiram rastrear as várias populações de estrelas mais velhas e mais jovens em direção à borda da nossa Galáxia, o Anticentro Galáctico. Modelos previram que o disco da Via Láctea crescerá com o tempo, à medida que novas estrelas nascem. Os novos dados permitem-nos ver as relíquias do antigo disco com 10 bilhões de anos e, assim, determinar a sua menor extensão em comparação com o tamanho atual do disco da Via Láctea. 

Os novos dados destas regiões externas também reforçam a evidência de outro grande evento no passado mais recente da Galáxia. Os dados mostram que nas regiões externas do disco há um componente de estrelas que se move lentamente acima do plano da nossa Galáxia e se dirige para baixo em direção ao plano, e um componente de estrelas que se move rapidamente abaixo do plano que se move para cima. Este padrão extraordinário não havia sido previsto antes. 

Pode ser o resultado da quase colisão entre a Via Láctea e a galáxia anã Sagitário que ocorreu no passado mais recente da nossa Galáxia. A galáxia anã Sagitário contém algumas dezenas de milhões de estrelas e está atualmente em processo de canibalização pela Via Láctea. A sua última passagem próxima à nossa Galáxia não foi um impacto direto, mas isso teria sido o suficiente para que a sua gravidade perturbasse algumas estrelas na nossa Galáxia. 

Ao estudar o DR2 do Gaia, os membros do DPAC já haviam encontrado uma ondulação sutil no movimento de milhões de estrelas que sugeria os efeitos do encontro com Sagitário em algum momento entre 300 e 900 milhões de anos atrás. Agora, com o EDR3 do Gaia, descobriram mais evidências que apontam para os seus fortes efeitos no disco de estrelas da nossa Galáxia. 

A história da Galáxia não é o único resultado dos documentos de demonstração do EDR3 do Gaia. O Gaia permitiu aos cientistas medir a aceleração do Sistema Solar em relação ao resto do Universo. Usando os movimentos observados de galáxias extremamente distantes, a velocidade do Sistema Solar foi medida com uma mudança de 0,23 nm/s a cada segundo.

Por causa desta pequena aceleração, a trajetória do Sistema Solar é desviada pelo diâmetro de um átomo a cada segundo e, num ano, isso soma cerca de 115 km. A aceleração medida pelo Gaia mostra uma boa concordância com as expetativas teóricas e fornece a primeira medição da curvatura da órbita do Sistema Solar em torno da Galáxia na história da astronomia óptica.

O EDR3 do Gaia também permitiu a obtenção de um novo censo de estrelas na vizinhança solar. O catálogo de estrelas próximas do Gaia contém 331.312 objetos, que se estima serem 92% das estrelas até 100 parsecs do Sol.

O censo anterior da vizinhança solar, denominado Catálogo Gliese de estrelas próximas, foi realizado em 1957. Este possuía apenas 915 objetos inicialmente, mas foi atualizado em 1991 para 3.803 objetos celestes. Também foi limitado a uma distância de 82 anos-luz: o censo do Gaia chega quatro vezes mais longe e contém 100 vezes mais estrelas. Também fornece medições da localização, movimento e brilho que são ordens de magnitude mais precisas do que os dados antigos.

Um quarto artigo de demonstração analisou as Nuvens de Magalhães: duas galáxias que orbitam a Via Láctea. Tendo medido o movimento das estrelas da Grande Nuvem de Magalhães com maior precisão do que antes, o EDR3 do Gaia mostra claramente que a Galáxia tem uma estrutura espiral. Os dados também determinam um fluxo de estrelas que está sendo puxado para fora da Pequena Nuvem de Magalhães, e indica estruturas anteriormente invisíveis nos arredores de ambas as galáxias. 

Este lote de dados é o primeiro de um lançamento em duas partes; o DR3 (Data Release 3) completo está planejado para 2022.

Fonte: ESA

sábado, 5 de dezembro de 2020

O declínio da mais jovem nebulosa planetária

É fácil acreditar que as constelações e outras maravilhas celestiais sempre existiram. Mas nebulosas como as nebulosas Olho de Gato e Anel são, na verdade, novatas, astronomicamente falando.

© Hubble (nebulosa Hen 3-1357)

Esta é uma história sobre a incomum nebulosa planetária Stingray, também denominada Nebulosa da Arraia, que está desaparecendo rapidamente ao longo de apenas 20 anos. Mas isso é o fim da história. 

Seu início foi igualmente sensacional. As nebulosas planetárias são objetos coloridos e muitas vezes deslumbrantes que nada têm a ver com planetas. Estas nuvens de gás são feitas por estrelas comuns à medida que suas vidas vão diminuindo. Cerca de 1.000 anos depois, a forte luz ultravioleta emitida pela estrela em redução acende o gás, da mesma forma que a eletricidade faz com que as luzes de neon fiquem fluorescentes. 

As nebulosas planetárias persistem por alguns milhares de anos enquanto a estrela moribunda irradia lenta mas implacavelmente seu último calor para o espaço e esfria. Algumas destas nebulosas pairaram no céu desde os anos dos Neandertais e Cro Magnons.

Mas nesta época os astrônomos nunca viram nenhuma de nossas conhecidas nebulosas planetárias, e todas as nebulosas planetárias que eles poderiam ter identificado já se foram.

O telescópio espacial Hubble observou cerca de 100 destes objetos, começando com a nebulosa Olho de Gato em 1994. Ao comparar imagens que abrangem 20 anos ou mais, observa-se o mais próximo se expandir suavemente sem alterar suas formas ou brilho. 

A nebulosa planetária Stingray está em torno da estrela SAO 244567. A estrela é observada periodicamente desde 1890, mas sua nebulosa planetária parece ter aparecido na década de 1980, quando não esta sendo observada. 

O Hubble foi o primeiro a captar sua imagem em 1992. Isso a torna a única nebulosa planetária a ser captada logo depois de se tornar luminosa. Agora, pela primeira vez, foi descoberto que a Nebulosa da Arraia parece destinada a desaparecer nos próximos anos. 

Um declínio tão rápido nunca foi observado em uma nebulosa planetária, apenas supernovas muito raras desvanecem tão rapidamente. Misteriosamente, sua luz avermelhada diminuiu muito menos, por um fator entre 2 e 10. 

Sua estrela central SAO 244567 ejetou o gás que compõe a nebulosa há cerca de 1.000 anos. Em 1981, observações mostraram que o brilho da estrela caiu rápida e inesperadamente quando a estrela encolheu repentinamente. Ao mesmo tempo, a superfície da estrela aqueceu por um fator de cinco (a 60.000 K) em cerca de uma década. 

Quando a estrela quente começou a produzir luz ultravioleta, o gás ejetado tornou-se fluorescente, explicando assim o súbito aparecimento da nebulosa na década de 1980. Desde então, a nebulosa está desaparecendo à medida que a estrela encolhida emite menos luz ultravioleta. 

O que aconteceu dentro da estrela na década de 1980, quando a nebulosa planetária Stingray apareceu pela primeira vez?

Uma resposta possível vem de um grupo liderado por Nicole Reindl, do Observatório de Potsdam, Alemanha. Os pesquisadores postulam que a estrela passou por um súbito flash de hélio, no qual algum hélio não queimado no núcleo da estrela reacendeu inesperadamente. A explosão de um novo calor enviou o núcleo da estrela vários passos para trás em sua evolução normal. 

Este evento interrompeu as camadas externas visíveis da estrela, levando-as a um estado altamente incomum. Agora que o flash de hélio terminou, é previsto que o núcleo da estrela irá retomar o caminho evolutivo normal que vinha seguindo antes do flash de hélio. Conforme as camadas externas da estrela se reassentam, elas podem começar a brilhar nos próximos 50 anos, e a fluorescência da nebulosa pode muito bem ser retomada. 

Infelizmente, o telescópio espacial Hubble, agora com 30 anos, está envelhecendo. Remodelado pela última vez por astronautas em 2009 com seis novos giroscópios de direção, o telescópio tem apenas três que permanecem operacionais e um deles está apresentando sinais de grande degradação. Não há possibilidade de efetuar outra reforma no momento, então o telescópio tem vida útil limitada. Espera-se que o Hubble dure o suficiente para captar o renascimento nebular, presumindo que realmente aconteça.

Fonte: Sky & Telescope

Gás veloz fluindo para longe de cinturão de asteroides de jovem estrela

Os astrônomos detectaram o gás monóxido de carbono em movimento rápido fluindo de uma estrela jovem de baixa massa: um estágio único na evolução planetária que pode fornecer uma visão sobre como o nosso próprio Sistema Solar evoluiu e sugere que a maneira como os sistemas se desenvolvem pode ser mais complicada do que se pensava.

© U. Cambridge (ilustração do sistema No Lup)

Embora não esteja claro como o gás está sendo expelido tão depressa, uma equipe de pesquisadores, liderada pela Universidade de Cambridge, pensa que pode ser produzido a partir de cometas gelados sendo vaporizados no cinturão de asteroides da estrela. 

A detecção foi feita com o ALMA (Atacama Large Millimetre/submillimetre Array) no Chile, como parte de um levantamento de estrelas jovens de 'classe III', relatado num artigo científico anterior. Algumas destas estrelas de classe III estão rodeadas por discos de detritos, que se pensa serem formados por colisões contínuas de cometas, asteroides e outros objetos sólidos, conhecidos como planetesimais, nos confins de sistemas planetários recentemente formados. 

Os remanescentes de poeira e detritos destas colisões absorvem a luz das suas estrelas centrais e irradiam esta energia como um brilho fraco que pode ser estudado com o ALMA.

Nas regiões internas dos sistemas planetários, espera-se que os processos de formação planetária resultem na perda de toda a poeira mais quente, e as estrelas da classe III são aquelas que ficam com, no máximo, poeira tênue e fria. Estes tênues cinturões de poeira fria são semelhantes aos discos de detritos vistos em torno de outras estrelas, idênticos ao Cinturão de Kuiper do Sistema Solar, que é conhecido por hospedar asteroides muito maiores e cometas. 

No levantamento, descobriu-se que a estrela em questão, NO Lup, que tem cerca de 70% da massa do nosso Sol, tem um disco empoeirado de baixa massa, mas é a única estrela da classe III onde foi detectado o gás monóxido de carbono, a primeira vez para este tipo de estrela jovem com o ALMA. 

Embora se saiba que muitas estrelas jovens ainda hospedam os discos formadores de planetas ricos em gás a partir dos quais nascem, o de NO Lup é mais evoluído, e seria de esperar que tivesse perdido este gás primordial após a formação dos seus planetas. 

A detecção do gás monóxido de carbono é rara, tornando a observação única da escala e da velocidade do gás, o que levou a um estudo de acompanhamento para explorar o seu movimento e origens. 

Este modelo mostrou que o gás é totalmente consistente com um cenário em que está sendo lançado para fora a cerca de 22 km/s, muito mais rápido do que qualquer velocidade orbital estável. Uma análise posterior também mostrou que o gás pode ser produzido durante as colisões entre asteroides, ou durante períodos de sublimação na superfície dos cometas da estrela, que devem ser ricos em monóxido de carbono gelado. 

Foram recolhidas recentemente evidências do mesmo processo no Sistema Solar com a missão New Horizons da NASA, quando observou o objeto Ultima Thule (ou Arrokoth) em 2019, do Cinturão de Kuiper, e encontrou a evolução de sublimação à superfície do corpo gelado, que teve lugar há cerca de 4,5 bilhões de anos. O mesmo evento que vaporizou cometas no Sistema Solar há bilhões de anos pode ter sido captado pela primeira vez a mais de 400 anos-luz de distância, num processo que pode ser comum em torno de estrelas formadoras de planetas, e que pode ter implicações na evolução de todos os cometas, asteroides e planetas.

Embora foi visto gás produzido por planetesimais em sistemas mais antigos, o ritmo de liberação no qual o gás está sendo produzido neste sistema e a sua natureza de fluxo são bastante notáveis, e apontam para uma fase de evolução do sistema planetário que é visto aqui pela primeira vez.

Os resultados foram aceitos para publicação no periódico Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Fonte: University of Cambridge

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Novos dados do Hubble explicam matéria escura em falta

Novos dados do telescópio espacial Hubble fornecem mais evidências para a interrupção de marés na galáxia NGC 1052-DF4.

© Observatório Teide (região em torno da galáxia NGC 1052-DF4)

Este resultado explica uma descoberta anterior de que esta galáxia está perdendo a maior parte da sua matéria escura. Ao estudar a luz da galáxia e a distribuição dos aglomerados globulares, notou-se que as forças da gravidade da galáxia vizinha NGC 1035 retiraram a matéria escura de NGC 1052-DF4 e agora estão destruindo a galáxia.

Em 2018, pesquisadores usando o telescópio espacial Hubble e vários outros observatórios descobriram, pela primeira vez, uma galáxia na nossa vizinhança cósmica desprovida da maior parte da sua matéria escura. 

Esta descoberta da galáxia NGC 1052-DF2 foi uma surpresa para os astrônomos, pois entende-se que a matéria escura é constituinte chave dos modelos atuais de formação e evolução galáctica. Na verdade, sem a presença da matéria escura, o gás primordial não teria força gravitacional suficiente para começar a entrar em colapso e formar novas galáxias.

Um ano depois, foi descoberta outra galáxia sem matéria escura, NGC 1052-DF4, o que gerou intensos debates entre os astrônomos sobre a natureza destes objetos. Agora, novos dados do Hubble foram usados para explicar a razão por trás da falta de matéria escura na NGC 1052-DF4, que reside a 45 milhões de anos-luz de distância. 

Descobriu-se que a falta de matéria escura pode ser explicada pelos efeitos de perturbação de marés. As forças da gravidade da vizinha galáxia massiva NGC 1035 estão dilacerando a NGC 1052-DF4. Durante este processo, a matéria escura é removida, enquanto as estrelas recebem os efeitos da interação com outra galáxia num estágio posterior.

Até agora, esta forma de remoção de matéria escura permaneceu escondida, pois só pode ser observada usando imagens extremamente profundas que podem revelar características extremamente tênues. 

Graças à alta resolução do Hubble, foi possível identificar a população de aglomerados globulares da galáxia. O GTC (Gran Telescopio Canarias) de 10,4 metros e o telescópio IAC80, também nas Canárias, Espanha, foram usados para complementar as observações do Hubble, estudando ainda mais os dados. 

Pensa-se que os aglomerados globulares sejam formados nos episódios de intensa formação estelar que dão forma às galáxias. Os seus tamanhos compactos e a luminosidade tornam-nos facilmente observáveis e, portanto, são bons rastreadores das propriedades da sua galáxia hospedeira. 

Desta forma, ao estudar e caracterizar a distribuição espacial dos aglomerados na NGC 1052-DF4, os astrônomos podem desenvolver uma visão do estado atual da própria galáxia. O alinhamento destes aglomerados globulares sugere que estão sendo "despojados" da sua galáxia hospedeira, e isso apoia a conclusão de que está ocorrendo perturbação de marés.

Ao estudar a luz da galáxia, foram encontradas evidências de caudas de maré, que são formadas por material que se afasta da NGC 1052-DF4, isto apoia ainda mais a conclusão de que é um evento de perturbação. 

Análises adicionais concluíram que as partes centrais da galáxia permanecem intocadas e apenas +/- 7% da massa estelar da galáxia está hospedada nestas caudas de maré. Isto significa que a matéria escura, que está menos concentrada do que as estrelas, foi previamente e preferencialmente removida da galáxia, e agora o componente estelar externo está começando a ser removido também.

Com o tempo, a NGC 1052-DF4 será canibalizada pelo grande sistema em torno de NGC 1035, com pelo menos algumas das suas estrelas flutuando livremente no espaço profundo.

A descoberta de evidências que apoiam o mecanismo de perturbação de marés como a explicação para a falta de matéria escura na galáxia não só resolveu um enigma astronômico, como também trouxe um suspiro de alívio aos astrônomos. Esta descoberta reconcilia o conhecimento existente de como as galáxias se formam e evoluem com o modelo cosmológico mais favorável.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: Instituto de Astrofísica de Canárias