terça-feira, 16 de agosto de 2016

Missão do Fermi expande a procura por matéria escura

A matéria escura, a misteriosa substância que constitui a maior parte do material do Universo, permanece tão evasiva como sempre.

Pequena Nuvem de Magalhães

© Hubble/DSS2 (Pequena Nuvem de Magalhães)

Embora experiências terrestres e espaciais tenham ainda de encontrar traços da matéria escura, os resultados estão ajudando os cientistas a descartar algumas das muitas possibilidades teóricas. Três estudos publicados no início deste ano, usando seis ou mais anos de dados do telescópio espacial de raios gama Fermi da NASA, ampliaram a missão de buscar matéria escura usando algumas abordagens novas.

A matéria escura não emite nem absorve luz, interage principalmente com o resto do Universo através da gravidade e, ainda assim, corresponde a cerca de 80% da matéria no Universo. Os astrônomos vêm os seus efeitos em todo o cosmos, e na rotação das galáxias, na distorção da luz que passa através de aglomerados de galáxias e em simulações do Universo jovem, que até exige a presença da matéria escura para a formação de galáxias.

Os principais candidatos para a matéria escura são classes diferentes de partículas hipotéticas. Os cientistas pensam que os raios gama, a forma mais energética de luz, pode ajudar a revelar a presença de alguns tipos de partículas propostas da matéria escura. Anteriormente, o Fermi procurou sinais de raios gama associados com a matéria escura no centro da nossa Galáxia e em pequenas galáxias anãs que a orbitam. Embora sem a descoberta de sinais convincentes, estes resultados eliminaram candidatos dentro de um intervalo de massas e taxas de interação, limitando ainda mais as possíveis características das partículas de matéria escura.

Entre os novos estudos, o cenário mais exótico investigado foi a possibilidade de a matéria escura consistir de partículas hipotéticas chamadas áxions ou outras partículas com propriedades semelhantes. Um aspeto interessante dos áxions é a capacidade de conversão em raios gama e vice-versa quando interagem com campos magnéticos fortes. Estas conversões deixariam para trás traços característicos, como falhas e "escadas" no espetro de uma fonte de raios gama brilhante.

Manuel Meyer da Universidade de Estocolmo liderou um estudo para procurar estes efeitos nos raios gama da NGC 1275, a galáxia central do aglomerado de galáxias de Perseu, localizado a aproximadamente 240 milhões de anos-luz de distância. Pensa-se que as emissões altamente energéticas da NGC 1275 estejam associadas com um buraco negro supermassivo no seu centro. Tal como em todos os aglomerados de galáxias, o aglomerado de Perseu tem gás quente envolvido com campos magnéticos, que permitem a transição entre raios gama e os áxions. Isto significa que alguns dos raios gama provenientes da NGC 1275 podem converter-se em áxions, e potencialmente de volta, enquanto viajam até nós.

A equipe de Meyer recolheu observações com o instrumento LAT (Large Area Telescope) do Fermi e procurou distorções previstas no sinal de raios gama. Os achados, publicados no dia 20 de abril na revista Physical Review Letters, exclui os áxions que poderiam ter constituído cerca de 4% da matéria escura.

Outra classe possível da matéria escura são as chamadas WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles). Em algumas versões, as WIMPs que colidem ou se aniquilam mutuamente ou produzem uma partícula intermediária e de rápida decomposição. Ambos os cenários resultam em raios gama que podem ser detectados pelo LAT.

Regina Caputo da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, procurou estes sinais na Pequena Nuvem de Magalhães, localizada a cerca de 200.000 anos-luz de distância, a segunda maior galáxia que orbita a Via Láctea. Parte do encanto da Pequena Nuvem de Magalhães no que toca a uma investigação de matéria escura é que está relativamente perto de nós e a sua emissão de raios gama, que vem de fontes convencionais como formação estelar e pulsares, é bem compreendida. Mais importante ainda, os astrônomos têm medições de alta precisão da curva de rotação da Pequena Nuvem de Magalhães, que mostra como a sua velocidade de rotação muda com a distância ao centro e indica a quantidade de matéria escura presente. Num artigo publicado no dia 22 de março na revista Physical Review D, Caputo e colegas modelaram o teor de matéria escura da Pequena Nuvem de Magalhães, mostrando que possuía o suficiente para produzir sinais detectáveis de dois tipos de WIMPs.

blazares 

© NASA/Fermi (blazares)

Esta animação alterna entre duas imagens do céu em raios gama, visto pelo instrumento LAT do Fermi, uma usando os primeiros três meses de dados do LAT, a outra que mostra uma exposição acumulada de sete anos. A cor azul, que representa a menor quantidade de raios gama, inclui o fundo extragaláctico de raios gama (FER). Os blazares constituem a maior parte das fontes brilhantes aqui vistas (de vermelho a branco).

No terceiro estudo, pesquisadores liderados por Marco Ajello da Universidade de Clemson na Carolina do Sul, EUA, e por Mattia Di Mauro do Laboratório do Acelerador Nacional do SLAC na Califórnia, levaram a pesquisa numa direção diferente. Em vez de olhar para alvos astronômicos específicos, a equipe usou mais de 6,5 anos de dados do LAT para analisar o fundo de raios gama visto em todo o céu.

A natureza desta radiação, chamada fundo extragaláctico de raios gama, tem sido debatida desde que foi medida pela primeira vez pelo SAS-2 (Small Astronomy Satellite 2) da NASA na década de 1970. O Fermi mostrou que grande parte desta radiação tem origem em fontes não resolvidas de raios gama, particularmente galáxias chamadas blazares, galáxias alimentadas por material que cai em direção a buracos negros gigantescos. Os blazares constituem mais de metade do total das fontes de raios gama observadas pelo Fermi e compõem uma percentagem ainda maior num novo catálogo LAT dos raios gama mais energéticos.

Alguns modelos preveem que os raios gama do FER possam surgir de distantes interações com partículas de matéria escura, como a aniquilação ou decaimento dos WIMPs. Numa análise detalhada dos raios gama altamente energéticos do FER, publicada no dia 14 de abril na revista Physical Review Letters, Ajello e sua equipe mostram que os blazares e outras fontes discretas podem ser responsáveis pela quase totalidade desta emissão.

Apesar destes estudos mais recentes terem ficado de mãos vazias, a busca para encontrar matéria escura continua tanto no espaço como em experiências terrestres. Ao Fermi junta-se o instrumento AMS da NASA, um detector de partículas a bordo da Estação Espacial Internacional.

Fonte: SLAC National Accelerator Laboratory

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