Se a superfície gelada da lua gigante de Plutão, Caronte, estiver rachada, a análise das fraturas poderá revelar se o seu interior esteve quente, talvez quente o suficiente para ter mantido um oceano subterrâneo de água líquida.
© NASA/ESA/G. Bacon (ilustração de Plutão e Caronte vistos de outra lua)
Plutão é um mundo extremamente distante, orbitando o Sol a mais de 29 vezes a distância entre a Terra e a nossa estrela. Com uma temperatura à superfície estimada em cerca de 229 graus Celsius negativos, o ambiente de Plutão é demasiado frio para permitir água líquida à sua superfície. As luas de Plutão têm o mesmo ambiente frígido.
A distância e o pequeno tamanho de Plutão tornam-no difícil de observar, mas em Julho de 2015, a sonda New Horizons da NASA será a primeira a visitar Plutão e Caronte, e irá fornecer as observações mais detalhadas até à data.
"O nosso modelo prevê diferentes padrões de fraturas na superfície de Caronte, dependendo da espessura do seu gelo à superfície, da estrutura do interior da lua e quão facilmente se deforma, e da evolução da sua órbita," afirma Alyssa Rhoden do Goddard Space Flight Center da NASA. "Ao comparar as observações reais de Caronte pela New Horizons com as nossas várias previsões, poderemos ver qual a que se encaixa melhor e descobrir se Caronte já pode ter tido um oceano subsuperficial no seu passado, impulsionado pela sua alta excentricidade."
Algumas luas ao redor dos planetas gigantes gasosos do Sistema Solar exterior têm superfícies rachadas com evidências de oceanos interiores, como a lua Europa, de Júpiter, e Encelado, de Saturno.
À medida que Europa e Encelado se movem nas suas órbitas, a atração gravitacional entre os seus respectivos planetas e as luas vizinhas impedem com que as suas órbitas se tornem circulares. Em vez disso, estas luas têm órbitas excêntricas (ligeiramente ovais), que levantam marés diárias que flexionam o interior fadigando a superfície. Pensa-se que o aquecimento por marés tenha ampliado a vida útil dos oceanos subsuperficiais de Europa e de Encelado, mantendo o seu interior quente.
No caso de Caronte, este estudo conclui que uma alta excentricidade passada pode ter gerado grandes marés, provocando fricção e fraturas à superfície. A lua é extraordinariamente grande em relação ao seu planeta, tem cerca de 1/8 da massa de Plutão, um recorde do Sistema Solar. Pensa-se que se tenha formado muito mais perto de Plutão, após um impacto gigante ter expelido material da superfície do planeta. O material entrou em órbita de Plutão e coalesceu sob a sua própria gravidade para formar Caronte e várias luas mais pequenas.
Inicialmente, teriam havido grandes marés em ambos os mundos à medida que a gravidade entre Plutão e Caronte fazia com que as suas superfícies formassem um "bojo" na direção um do outro, gerando fricção nos seus interiores. Esta fricção teria também feito com que as marés ficassem um pouco atrás das suas posições orbitais. Este atraso teria agido como um bloqueio sobre Plutão, fazendo com que a sua rotação diminuísse enquanto transferia essa energia rotacional para Caronte, acelerando-a e afastando-a de Plutão.
"Dependendo da evolução exata da órbita de Caronte, particularmente se passou por uma fase de grande excentricidade, poderá ter havido calor suficiente para formar deformação por marés e assim manter água líquida por baixo da superfície de Caronte durante algum tempo," afirma Rhoden. "Usando modelos plausíveis da estrutura interior que incluem um oceano, descobrimos que não necessitaria de muita excentricidade (menos de 0,01) para gerar fraturas à superfície como as que vemos em Europa."
"Sabendo que é muito fácil obter fraturas, se quando chegarmos a Caronte não existir nenhuma, isso coloca uma restrição muito forte de quão alta a excentricidade poderia ter sido e quão quente o seu interior já foi," acrescenta Rhoden. "Esta pesquisa dá-nos uma vantagem sobre a chegada da New Horizons, o que devemos procurar e o que podemos aprender com isso."
Com base em observações com telescópios, a órbita de Caronte está agora num estado final estável: uma órbita circular em que a rotação tanto de Plutão como de Caronte caiu para o ponto onde mostram sempre o mesmo lado um para o outro. Segundo Rhoden, não se espera que a sua órbita atual gere marés significativas, de modo que qualquer oceano subterrâneo antigo pode estar agora congelado.
Tendo em conta que a água líquida é um ingrediente necessário para as formas de vida conhecidas, os oceanos de Europa e de Encelado são considerados lugares onde a vida extraterrestre pode ser encontrada. No entanto, a vida também requer uma fonte de energia utilizável e uma ampla oferta de muitos elementos primordiais, tais como carbono, nitrogênio e fósforo. Não se sabe se esses oceanos abrigam estes ingredientes adicionais, ou se existem há já tempo suficiente para a vida se formar. As mesmas questões aplicam-se também a qualquer oceano antigo que possa ter existido por baixo da crosta gelada de Caronte.
Um artigo sobre esta pesquisa está disponível online no site da revista Icarus.
Fonte: NASA