Recorrendo a alguns dos espectrógrafos mais precisos do mundo – UVES (telescópios VLT, do ESO), HIRES (telescópios Keck) e HDS (telescópio Subaru) – uma equipe internacional, da qual faz parte Carlos Martins (IA/CAUP), procurou variações de velocidade relativa no espectro de absorção do Quasar HS 1549+1919.
© Swinburne Astronomy Productions (esquema da medição do espectro do Quasar)
Um Quasar (quasi-stellar radio source, ou fonte de rádio quase estelar) é o núcleo extremamente brilhante de uma galáxia ativa e distante. Esta região, que envolve o buraco negro supermassivo no centro destas galáxias, é muito compacta e extremamente luminosa, pois o material que está sendo acretado para o buraco negro atinge velocidades elevadas, que o tornam muito quente. A combinação de brilho e distância levou inicialmente à catalogação errada dos quasars, já que pareciam ser objetos pontuais, semelhantes a estrelas.
Essas variações permitem medir a constante de estrutura fina (α ou Alfa), uma das constantes fundamentais do Universo, cujo valor caracteriza o comportamento de uma das forças fundamentais do Natureza, a força eletromagnética. Esta constante está relacionada com a carga do elétron (e), a velocidade da luz (c) e a constante de Planck (ħ), através da fórmula: α = e² / ħc.
A luz deste Quasar, situado a 11,5 bilhões de anos-luz, atravessou três galáxias diferentes, respetivamente há 10, 9 e 8 bilhões de anos atrás. Cada uma delas absorveu parte do espectro do Quasar, deixando nessa absorção pistas de como a força eletromagnética se comportava em cada uma dessas épocas.
Tyler Evans (CAS, U. Swinburne), o primeiro autor deste artigo, explica que “nós dividimos a luz, de forma muito precisa, nas suas cores constituintes, produzindo um arco-íris com uma espécie de “código de barras” de cores em falta. Este padrão permite-nos medir o comportamento do eletromagnetismo”.
A necessidade de usar os três grandes telescópios surge dos erros nas medições. É que, se existirem variações de Alfa, como alguns estudos anteriores sugeriam, estas serão muito pequenas. Comparando as três medições é possível minimizar os erros de medição.
Carlos Martins (Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço/Centro de Astrofísica, Universidade do Porto), um dos co-autores do artigo, comenta que “para realizar estes testes, é necessário levar os atuais espectrógrafos até ao limite, e melhorá-los é fundamental para a cosmologia moderna.”
Depois de corrigidos os erros, os dados dos três telescópios dão a mesma resposta: Se nos últimos 10 bilhões de anos houve alguma variação de Alfa, e por consequência, da força eletromagnética, terá sido uma variação inferior a algumas partes por milhão. Segundo Michael Murphy (CAS, U. Swinburne), outros dos co-autores do estudo “penso que esta terá sido a medição mais precisa do gênero, até à data”.
Além das possíveis variações de Alfa, este estudo serviu também para tentar desvendar um dos maiores enigmas da cosmologia moderna, a verdadeira natureza da energia escura. A energia escura é uma misteriosa forma de energia que provoca a expansão acelerada do Universo atual. A sua natureza é ainda um mistério, mas pensa-se que corresponderá a 70% de tudo o que compõe o Universo (com a matéria escura representando cerca de 26% e a matéria “normal”, apenas 4%). O estudo da energia escura é um dos objetivos do projeto FCT do CAUP: O Lado Escuro do Universo.
Carlos Martins, o pesquisador principal deste projeto, diz que “estas novas técnicas são importantes para a preparação de testes semelhantes, a serem realizados pelo ESPRESSO, e pelo European Extremely Large Telescope (E-ELT, do ESO), dois projetos nos quais o CAUP está bastante envolvido”.
O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) será um espectrógrafo de alta resolução, a ser instalado no observatório VLT (ESO). Tem por objetivo procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, será capaz de detectar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h, ou seja, a velocidade máxima de uma tartaruga das ilhas Galápagos a caminhando. Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo.
A física por detrás destas constantes fundamentais do Universo, como a constante de estrutura fina, é ainda um mistério para a cosmologia moderna. Estas aparecem no modelo padrão da física de partículas como parâmetros que não podem ser calculados, tendo de ser medidos em laboratório, com os respetivos valores inseridos à mão no modelo.
Uma Grande Teoria Unificada terá de prever a existência e os valores destas constantes, além de explicar qual a sua dependência de outros parâmetros.
O artigo “The UVES Large Program for testing fundamental physics – III. Constraints on the fine-structure constant from 3 telescopes”, foi aceito para publicação na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Fonte: Centro de Astrofísica da Universidade do Porto