O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) obteve a primeira observação bem resolvida de uma linha de neve de água no interior de um disco protoplanetário.
© ESO/NRAO/A. Angelich (ilustração da linha de neve de água em torno de jovem estrela)
Esta linha marca o lugar onde a temperatura no disco que rodeia uma estrela jovem diminui o suficiente para que se possa formar neve. O aumento drástico no brilho da jovem estrela V883 Orionis aqueceu a região interior do disco, empurrando a linha de neve de água para uma distância muito maior do que o que é normal numa protoestrela, permitindo assim observá-la pela primeira vez.
As estrelas jovens encontram-se muitas vezes rodeadas por densos discos de gás e poeira em rotação, os chamados discos protoplanetários, a partir dos quais os planetas se formam. O calor de uma estrela jovem do tipo solar faz com que a água neste disco se mantenha no estado gasoso até uma distância de cerca de 3 UA da estrela — menos de 3 vezes a distância média entre a Terra e o Sol — ou cerca de 450 milhões de km. Esta linha situava-se entre as órbitas de Marte e Júpiter durante a formação do Sistema Solar e por isso os planetas rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) formaram-se no interior desta linha, enquanto os planetas gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) se formaram além dela. Mais longe, devido à pressão extremamente baixa, as moléculas de água passam diretamente do estado gasoso a uma camada de gelo que recobre grãos de poeira e outras partículas. A região no disco protoplanetário onde a água passa da fase gasosa para a fase sólida é chamada linha de neve de água. As linhas de neve para outras moléculas, tais como o monóxido de carbono e o metano, foram já observadas anteriormente com o ALMA, a distâncias maiores que 30 UA da protoestrela em outros discos protoplanetários. A água congela a uma temperatura relativamente alta, o que significa que a linha de neve de água se encontra normalmente demasiado perto da protoestrela para poder ser observada diretamente.
No entanto, a estrela V883 Orionis é diferente. Um aumento drástico no seu brilho empurrou a linha de neve para uma distância de cerca de 40 UA (cerca de 6 bilhões de km ou aproximadamente o tamanho da órbita do planeta anão Plutão no nosso Sistema Solar). Este enorme aumento, combinado com a resolução do ALMA para grandes linhas de base, permitiu à equipe, liderada por Lucas Cieza (Millennium ALMA Disk Nucleus e Universidad Diego Portales, Santiago, Chile) obter as primeiras observações resolvidas de uma linha de neve de água num disco protoplanetário. A resolução é a capacidade de distinguir que os objetos estão separados. Ao olho humano várias tochas brilhantes colocados a determinada distância pareceriam um único ponto brilhante e apenas bastante perto é que se distinguiriam cada uma das tochas. Aplica-se o mesmo princípio aos telescópios e estas novas observações exploraram a extraordinária resolução do ALMA nos seus modos de linha de base muito grande. A resolução do ALMA à distância de V883 Orionis é cerca de 12 UA, suficiente para se conseguir resolver a linha de neve da água situada a 40 UA neste sistema em erupção, mas não numa estrela jovem típica.
O brilho repentino que V883 Orionis sofreu é um exemplo do que acontece quando enormes quantidades de material do disco que rodeia a estrela jovem caem na sua superfície. A estrela V883 Orionis é apenas 30% mais massiva que o Sol, mas devido a esta explosão que ainda está acontecendo, sua luminosidade torna-se cerca de 400 vezes maior que a do Sol, tornando-se também muito mais quente. Estrelas como V883 Orionis são classificadas como estrelas FU Orionis, devido à estrela original que foi encontrada apresentando este comportamento. As explosões podem durar centenas de anos.
A ideia estranha de neve em órbita no espaço é fundamental para a formação planetária. A presença de água regula a eficiência da coalescência dos grãos de poeira, a primeira etapa da formação planetária. É no interior da linha de neve, onde a água evapora, que se pensa que nasçam os planetas rochosos menores, como a Terra. Além da linha de neve, a presença de gelo de água permite a rápida formação de bolas de neve cósmicas, que eventualmente irão formar planetas gasosos massivos como Júpiter.
A descoberta de que estas explosões na estrela podem lançar a linha de neve de água para cerca de 10 vezes o seu raio típico é bastante significativa para o desenvolvimento de bons modelos de formação planetária. Pensa-se que estas explosões sejam uma etapa da evolução da maioria dos sistemas planetários, por isso esta pode bem tratar-se da primeira observação de uma ocorrência comum. Neste caso, esta observação do ALMA poderá contribuir de modo significativo para uma melhor compreensão de como é que os planetas se formam e evoluem no Universo.
Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Imaging the water snow-line during a protostellar outburst”, de L. Cieza et al., que será publicado na revista Nature.
Fonte: ESO
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