O observatório de raios X XMM-Newton da ESA provou a existência de um "vórtice gravitacional" em torno de um buraco negro.
© ESA/ATG medialab (ilustração do disco de acreção de um buraco negro sofrendo precessão)
A descoberta, assistida pela missão NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array) da NASA, resolve um mistério que iludia os astrônomos há mais de 30 anos, e permitirá mapear o comportamento da matéria muito perto dos buracos negros. Também pode abrir a porta a futuras investigações da relatividade geral de Albert Einstein.
A matéria que cai sobre um buraco negro aquece à medida que mergulha para a sua ruína. Antes de passar para o buraco negro e de se perder para sempre da vista, pode atingir milhões de graus. A essa temperatura, emite raios X para o espaço.
Na década de 1980, os astrônomos pioneiros que usavam os primeiros telescópios de raios X descobriram que os raios X provenientes de buracos negros de massa estelar, na nossa Galáxia, cintilam. As mudanças seguem um padrão definido. Quando essa oscilação começa, o escurecimento e reavivamento pode demorar até 10 segundos para completar. À medida que passam dias, semanas e meses, o período diminui até que a oscilação ocorre 10 vezes por segundo. Aí, a cintilação cessa subitamente e completamente.
O fenômeno foi apelidado de Oscilação Quasi-Periódica (OQP). "Reconheceu-se imediatamente que era algo fascinante porque vinha de uma zona muito próxima de um buraco negro," afirma Adam Ingram, da Universidade de Amsterdam, na Holanda que, em 2009, começou a trabalhar na compreensão das OQPs para a sua tese de doutoramento.
Durante a década de 1990, os astrônomos começaram a suspeitar que as OQPs estavam associadas com um efeito gravitacional previsto pela relatividade geral de Einstein: que um objeto giratório cria uma espécie de vórtice gravitacional.
"É um pouco como torcer uma colher com mel. Imagine que o mel é o espaço e tudo o que está embebido no mel será 'arrastado' em torno da colher," explica Ingram. "Na realidade, isto significa que qualquer coisa em órbita de um objeto giratório verá o seu movimento afetado." No caso de uma órbita inclinada, irá sofrer precessão. Isto significa que toda a órbita vai mudar de orientação em torno do objeto central. O tempo que demora para a órbita voltar à sua condição inicial é conhecido como ciclo de precessão.
Em 2004, a NASA lançou a Gravity Probe B para medir este chamado efeito de Lense-Thirring ao redor da Terra. Após uma análise cuidadosa, os cientistas confirmaram que a sonda iria completar um ciclo de precessão a cada 33 milhões de anos.
No entanto, em torno de um buraco negro, o efeito será muito mais perceptível devido ao muito mais forte campo gravitacional. O ciclo de precessão levaria apenas uma questão de segundos ou menos para ficar concluído. Estes valores são tão parecidos com os das OQPs.
Ingram observou o que acontecia no disco plano de matéria ao redor de um buraco negro. Conhecido como disco de acreção, é o local onde o material espirala gradualmente na direção do buraco negro. Os cientistas já suspeitavam que, perto do buraco negro, o disco de acreção plano "incha" para um plasma quente, no qual são retirados elétrons de seus átomos. Denominado fluxo interno quente, diminui de tamanho ao longo de semanas e meses à medida que é absorvido pelo buraco negro. Em conjunto com colegas, Ingram publicou um artigo, em 2009, que sugeria que a OQP é impulsionada pela precessão de Lense-Thirring deste fluxo quente. Isto porque quanto menor o fluxo interior, mais perto se aproxima do buraco negro e, portanto, mais rápido o ciclo Lense-Thirring se torna. A questão era: como provar isto?
"Passamos muito tempo tentando encontrar evidências conclusivas deste comportamento," comenta Ingram.
A resposta é que o fluxo interno libera radiação altamente energética que atinge a matéria no disco de acreção ao redor, fazendo com que os átomos de ferro no disco brilhem como um tubo de luz fluorescente. O ferro libera raios X num único comprimento de onda, a que se dá o nome "linha espectral".
Dado que o disco de acreção se encontra em rotação, a linha do ferro vê o seu comprimento de onda ser distorcido pelo efeito Doppler. A linha de emissão do lado do disco que gira na direção da Terra é comprimida, desviando-se para o azul, e a linha de emissão do lado do disco que gira na direção contrária é esticada, desviando-se para o vermelho. Se o fluxo interno está realmente em precessão, vai, por vezes, brilhar no disco de material em aproximação e por vezes no material em recuo, fazendo com que a linha oscile para a frente e para trás ao longo de um ciclo de precessão.
Foi na observação desta oscilação que o XMM-Newton entrou em ação. Ingram e colegas de Amsterdam, de Cambridge Durham, Southampton e de Tóquio, solicitaram uma observação de longa-duração que lhes permitisse ver a OQP repetidamente. Escolheram o buraco negro H 1743-322, que exibia no momento uma OQP de quatro segundos. Observaram o objeto durante 260.000 segundos. Também o observaram durante 70.000 segundos com o observatório de raios X NuSTAR.
"A capacidade de alta-energia do NuSTAR foi muito importante," realça Ingram. "O NuSTAR confirmou a oscilação na linha do ferro e, adicionalmente, vimos uma característica no espectro chamada 'protuberância de reflexão' que acrescenta mais evidências para a precessão."
Após um processo rigoroso de análise, que consistiu na aglomeração de todos os dados observacionais, viram que a linha do ferro oscilava de acordo com as previsões da relatividade geral. "Estamos medindo diretamente o movimento de matéria num forte campo gravitacional perto de um buraco negro," comenta Ingram.
É a primeira vez que se mede o efeito Lense-Thirring num campo gravitacional forte. A técnica permitirá o mapeamento da matéria nas regiões interiores dos discos de acreção em torno de buracos negros. Também sugere uma nova e poderosa ferramenta para testar a relatividade geral.
A teoria de Einstein tem permanecido praticamente não testada em campos gravitacionais tão fortes como este. Por isso, se os astrônomos puderem compreender a física da matéria que flui para o buraco negro, poderão então testar as previsões da relatividade geral como nunca antes, mas só se o movimento da matéria no disco de acreção puder ser completamente compreendido.
"Se conseguirmos esmiuçar a astrofísica, podemos testar verdadeiramente a relatividade geral," salienta Ingram. Um desvio das previsões da relatividade geral será bem-recebido por uma grande quantidade de astrônomos e físicos. Será um sinal concreto de que existe uma teoria mais profunda da gravidade.
Os maiores telescópios de raios X, no futuro, poderão ajudar na pesquisa porque são mais poderosos e podem recolher raios X de forma mais eficiente. Isto permitirá com que seja investigado o fenômeno da OQP em mais detalhe.
"Este é um grande avanço, pois o estudo combina informação acerca dos tempos e da energia dos fótons de raios X para encerrar o debate de 30 anos em torno da origem das OQPs. A capacidade de captação de fótons do XMM-Newton foi fundamental para este trabalho," conclui Norbert Schartel, cientista do projeto XMM-Newton da ESA.
Fonte: ESA
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