sexta-feira, 1 de julho de 2016

Vênus tem potencial, mas não para água

A sonda Venus Express da ESA pode ter ajudado a explicar a enigmática falta de água em Vênus.

campo elétrico em Vênus

© ESA/C. Carreau (campo elétrico em Vênus)

A imagem mostra o campo magnético transportado pelo vento solar encontrando a ionosfera de Vênus (em tons alaranjados), deslocandoo as suas partículas.
Enquanto os prótons e outros íons (azul na inserção) sentem uma força devido à gravidade do planeta, os elétrons (a vermelho na inserção) são muito mais leves e, consequentemente, são capazes de escapar à atração gravitacional mais facilmente.

O planeta tem um campo elétrico surpreendentemente forte – é a primeira vez que isto foi medido num planeta – o qual é suficiente para despojar a atmosfera superior de oxigênio, um dos componentes da água.

Vênus é muitas vezes chamado de planeta gêmeo da Terra, uma vez que o segundo planeta a contar do Sol é apenas ligeiramente mais pequeno que o nosso. Mas a sua atmosfera é bastante diferente, consistindo majoritariamente de dióxido de carbono, com um pouco de nitrogênio e quantidades vestigiais de dióxido de enxofre e outros gases. É muito mais espessa que a Terra, atingindo pressões de mais de 90 vezes a da Terra ao nível do mar, e incrivelmente seco, com uma abundância relativa de água cerca de 100 vezes inferior à da camada gasosa da Terra.

Além disso, Vênus tem agora um efeito de estufa descontrolado e uma temperatura à superfície suficientemente elevada para derreter chumbo. Também, ao contrário do nosso planeta, não possui um significativo campo magnético próprio.

Os cientistas acreditam que Vênus já possuiu grandes quantidades de água na sua superfície há mais de 4 bilhões de anos atrás. Mas à medida que foi aquecendo, a maior parte da sua água evaporou para a atmosfera, onde poderá ter sido dilacerada pela luz solar e subsequentemente perdida no espaço.

O vento solar – uma poderosa corrente de partículas subatômicas vindas do Sol – é um dos responsáveis, removendo íons de hidrogênio (prótons) e íons de oxigênio da atmosfera do planeta e privando-a assim da matéria-prima para fazer água.

Agora, com a ajuda da Venus Express, os cientistas identificaram outra diferença entre os dois planetas: Vênus tem um campo elétrico substancial, com um potencial de cerca de 10 V (volts).

Isto é pelo menos cinco vezes superior ao esperado. Observações anteriores em busca de campos elétricos na Terra e em Marte falharam em fazer uma detecção conclusiva, mas indicam que, se existir, o potencial será inferior a 2 V.

"Pensamos que todos os planetas com atmosferas têm um campo elétrico fraco, mas esta é a primeira vez que fomos capazes de detectar um," afirma Glyn Collinson do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA, autor principal do estudo.

Em qualquer atmosfera planetária, os prótons e outros íons são puxados pela gravidade do planeta. Os elétrons são mais leves e por isso sentem um puxão menor, são capazes de escapar mais facilmente à força gravitacional.

À medida que os elétrons derivam para cima na atmosfera e se afastam no espaço, continuam, no entanto, ligados aos prótons e aos íons através da força eletromagnética, e isto resulta num campo elétrico global vertical sendo criado por cima da atmosfera do planeta.

O campo elétrico detectado pela Venus Express é muito mais forte que o esperado e pode fornecer a energia suficiente aos íons de oxigênio para acelerá-los para cima de forma rápida, sendo isto suficiente para escaparem da força gravitacional do planeta.

A descoberta revela assim outro processo, para além da decapagem pelo vento solar, isto poderá contribuir para um baixo conteúdo de água em Vênus.

O campo elétrico de Vênus é apenas semelhante ao de uma única turbina de vento, e espalha-se por centenas de quilômetros de altitude, que é incrivelmente difícil de medir.

Os cientistas examinaram pacientemente dados recolhidos durante dois anos com um espectrômetro de elétrons, que faz parte do instrumento ASPERA-4 da Venus Express. Encontraram 14 janelas breves de um minuto no momento em que a aeronave estava no local exato e com todas as condições reunidas para a medição de um campo elétrico. Em todas estas ocasiões, observou-se um campo elétrico.

A razão pela qual Vênus tem um campo elétrico muito maior do que o da Terra continua sob investigação. Glyn e os seu colegas suspeitam que a posição do planeta, mais próximo do Sol, possa desempenhar um papel importante.

"Ao estar mais próximo do Sol do que a Terra, Vênus recebe o dobro da luz ultravioleta, resultando num maior número de elétrons livres na atmosfera e, como consequência, pode causar um campo elétrico mais forte por cima do planeta," diz Andrew Coates do Laboratório de Ciência do Espaço Mullard, Reino Unido.

A presença de tal campo elétrico em Vênus sugere que as partículas e os íons necessários para formar água estão saindo da atmosfera do planeta mais rapidamente do que o esperado. Por outro lado, isto significa que Vênus poderá ter abrigado grandes quantidades de água no passado, antes de ter sido quase completamente despojada.

"A água tem uma função primordial na vida como nós a conhecemos na Terra e possivelmente em outros locais do Universo," afirma Håkan Svedhem, cientista do projeto Venus Express da ESA.

"Ao sugerir um mecanismo capaz de privar um planeta próximo da sua estrela progenitora de quase toda a sua água, esta descoberta apela a uma reflexão de como nós definimos um planeta 'habitável', não só no nosso Sistema Solar, mas também no contexto de exoplanetas."

Fonte: ESA

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