Quando pensamos sobre ameaças “existenciais”, eventos com o potencial de destruir a vida de todos os seres da Terra, a maioria das possibilidades está em nosso próprio planeta: mudanças climáticas, pandemias globais e guerra atômica.
© Hubble (sistema estelar Eta Carinae)
Lançando um olhar paranoico para os céus, normalmente pensamos em impactos de asteroides ou talvez algum disparo perigosamente massivo de nosso Sol.
Mas se você acreditar em tudo que lê nas fronteiras da Internet, pode achar que a ameaça celestial mais aterrorizante não é apenas extraterrestre, mas também extrassolar. A cerca de 7.500 anos-luz de distância, na constelação de Carina, uma estrela chamada de Eta Carinae, pelo menos cem vezes mais massiva que nosso Sol, está se aproximando do ponto em que explodirá como supernova. De maneira simples, a Eta Carinae é um supermassivo barril de pólvora estelar com o pavio quase no fim. De fato, ela já pode ter chegado ao fim, e a luz que carrega as notícias de sua morte cataclísmica poderia estar vindo em nossa direção agora mesmo. Existem dois conjuntos gerais de opiniões sobre o que aconteceria após a chegada desse funeral luminoso, seja amanhã ou daqui a dezenas de milhares de anos.
A primeira opinião, defendida por vários alarmistas online sustenta que haveria uma extinção global em massa. Essa ideia se baseia em temores de que a supernova de Eta Carinae possa liberar enorme quantidade de raios gama (ERG), uma das explosões mais potentes do Universo. Quando uma estrela muito massiva morre em uma supernova, seu núcleo colapsa sobre si mesmo, normalmente formando um resquício estelar, uma estrela de nêutrons ou um buraco negro.
Se o núcleo estiver girando em alta velocidade, o resquício estelar girará ainda mais rápido, acumulando um disco de material ao seu redor girando quase à velocidade da luz. Por meio de processos que ainda não compreendemos completamente, esse disco giratório muito aquecido e magnetizado forma um par de jatos, como feixes de um farol marítimo, que são lançados de seus polos a velocidades relativísticas. A emissão altamente concentrada, extremamente energética desses jatos é o que vemos como uma ERG.
Com o passar dos anos, ERGs foram propostas como uma das razões para nossa aparente solidão no Universo; mais cedo ou mais tarde, afirma a teoria, todos os planetas habitados serão atingidos por uma ERG, o que praticamente aniquilaria qualquer biosfera.
Alguns pesquisadores especulam que uma dessas explosões pode já ter atingido a Terra, no final do período Ordoviciano há quase 450 milhões de anos. Seja qual for esse evento do passado, estima-se que ele tenha conseguido exterminar mais de 80% de todas as espécies vivas daquela época. Pode ser que muito mais ERGs tenham atingido nosso planeta no início de sua vida, limitando o surgimento da biosfera terrestre até que sua prevalência cósmica tenha caído abaixo de um limiar crítico.
De acordo com uma plausível hipótese de acontecer o pior, um impacto direto provocado por uma ERG extremamente potente gerada por Eta Carinae poderia devastar nosso planeta de uma maneira semelhante a uma guerra termonuclear total, mas muito pior.
Durante vários segundos calcinantes, o hemisfério planetário mais distante da estrela seria banhado em intensa radiação de alta frequência. Os céus ficariam cheios de uma luz muito mais brilhante que a do Sol, brilhante o suficiente para iniciar enormes incêndios em metade do globo. Essa energética explosão de luz iniciaria chuvas atmosféricas de partículas subatômicas radioativas altamente penetrantes chamadas de múons, que desceriam dos céus para envenenar a vida na superfície e em partes do subterrâneo e dos oceanos.
Nem mesmo o lado mais distante do planeta em relação a Eta Carinae seria poupado, já que a intensa energia da ERG destruiria toda a camada de ozônio enquanto enviaria super tempestades destruidoras pelo planeta. Depois disso, céus negros, cheios de fuligem, lançariam torrentes de chuva ácida, que limpariam tudo apenas para banhar a superfície com a perigosa radiação ultravioleta. Literalmente em um segundo, a Terra se transformaria em um necrotério, e a biosfera estilhaçada precisaria de milhões de anos para se recuperar.
A segunda opinião, sustentada pela maioria dos astrofísicos, é que Eta Carinae sequer produzirá uma ERG; e, se o fizer, ela não atingirá a Terra. E mesmo em um cenário onde nosso planeta realmente se encontre na mira de uma ERG oriunda de Eta Carinae, se a explosão tivesse intensidade média, sua luz estaria muito atenuada depois de cruzar 7.500 anos-luz para prejudicar seriamente a biosfera. Nesse cenário, o fim de Eta Carinae se manifestaria com relativa modéstia: o brilho da estrela se aproximaria da luminosidade da lua cheia antes de desaparecer gradualmente no céu.
Para compreender como essa profunda divergência de opiniões precisamos saber mais sobre Eta Carinae. Desde que foi catalogada por Edmond Halley, em 1677, o brilho da estrela já apresentou enormes flutuações, atingindo seu pico em 1843 para se tornar a segunda estrela mais brilhante no céu durante quase duas décadas.
Atualmente, astrônomos consideram esse evento como sendo um “impostor de supernova”, em vez de explodir, a estrela talvez tenha ejetado 10% de sua massa total na forma de duas imensas nuvens de gás e poeira, que atualmente são conhecidas como Nebulosa do Homúnculo. Resquícios brilhantes de eventos ainda mais antigos de quase-morte ainda cercam a estrela. Se vista hoje através de um grande telescópio, Eta Carinae fica um pouco parecida com um amendoim sendo assado no fogo.
Eta Carinae brilha com tanta intensidade que está erodindo a si mesma, gerando uma pressão radioativa externa tão intensa que quase neutraliza a atração gravitacional o que permite o lento desprendimento de suas camadas mais externas em poderosos ventos estelares. Nas profundezas da estrela, abaixo de uma espessa camada de hidrogênio, reações de fusão estão “queimando” vários combustíveis nucleares em camadas semelhantes àquelas encontradas no interior de uma cebola. As explosões e pulsações anteriores de Eta Carinae provavelmente estão ligadas a instabilidades entre suas camadas interiores, criadas quando ela esgotou um combustível nuclear e começou a queimar outro.
Alex Filippenko, astrofísico da University of California, Berkeley, explica que a massiva cobertura de hidrogênio e os fortes ventos estelares de Eta Carinae reduzem a probabilidade de a estrela produzir uma ERG. “Uma espessa camada de hidrogênio torna difícil que um jato relativístico escape da estrela”, explica Filippenko. “Mas se a Eta Carinae não explodir dentro de um longo tempo, ela teria chance de se livrar da camada externa, e provavelmente se transformaria em uma ERG”. Mas ele também adiciona que, uma vez que a camada tenha desaparecido, a força dos ventos estelares provavelmente aumentaria, dissipando grande parte do momento angular que seria necessário para produzir uma ERG quando o núcleo de Eta Carinae colapsasse. “Tudo isso torna uma ERG menos provável, mas não impossível”, observa Filippenko. “E mesmo que ela consiga se livrar de sua camada de hidrogênio antes de explodir e não se transforme em uma ERG, Eta Carinae provavelmente não está apontando para aqui no momento”.
Os lóbulos gêmeos da Nebulosa do Homúnculo estão afastados de nós em um ângulo de aproximadamente 40 graus, e Filippenko explica que uma ERG emergindo do eixo polar de uma estrela em colapso teria uma dispersão de apenas 10 graus ou menos. Assim, se a Nebulosa do Homúnculo estiver alinhada com o eixo polar de Eta Carinae, uma ERG vinda de lá se desviaria de nosso Sistema Solar por uma grande margem.
Infelizmente, existe um grande complicador nisso tudo: em 2005, foi descoberto que Eta Carinae é um sistema binário. Sua companheira é relativamente pequena, com “apenas” 30 vezes a massa de nosso Sol, e fica em uma órbita de aproximadamente cinco anos ao redor da estrela que tem 100 massas solares.
Se a órbita da pequena companheira não estiver alinhada com o eixo rotacional da estrela mais massiva, então a Nebulosa do Homúnculo pode não estar alinhada com os polos da estrela massiva. E é possível que as interações gravitacionais entre as duas estrelas, ou com outra estrela que estivesse de passagem, pudessem alterar a orientação do eixo da estrela mais massiva, sendo capazes de virá-la em nossa direção. Finalmente, a presença da estrela companheira também poderia alterar a evolução da estrela mais massiva, lançando mais incerteza no tempo e na mecânica de qualquer possível supernova.
Quando somadas, todas essas variáveis são, em grande parte, o motivo de Eta Carinae ser um problema mais intrigante atualmente segundo Stan Woosley, astrofísico da University of California, Santa Cruz, que se especializa em modelar a evolução e morte de estrelas. “Ninguém sabe o que está acontecendo lá fora... Ela poderia morrer amanhã ou daqui a muito tempo”.
Parte do que acontecerá a seguir depende do atual combustível nuclear dominante no interior de Eta Carinae. Se ela estiver fundindo elementos como oxigênio ou carbono dentro, ou nas proximidades, de seu núcleo, ela pode ter apenas alguns anos de vida, no máximo séculos, e poderia ejetar sua cobertura externa de hidrogênio em breve. Se, em vez disso, seu núcleo estiver fundindo hélio, a estrela ainda poderia brilhar durante centenas de milhares de anos. Por outro lado, a fusão de hélio poderia fazer com que Eta Carinae inchasse como um balão e se tornasse uma estrela supergigante. Nesse caso, sua companheira estelar poderia ser engolida e destruir sua camada externa de hidrogênio, acelerando a morte explosiva da supergigante.
Depois que a estrela morrer, explica Woosley, seu núcleo provavelmente colapsará para formar um buraco negro, ainda que com uma rotação muito lenta para formar um disco relativístico e uma ERG. Sem a criação desse disco, a morte da Eta Carinae poderia ser “bem pouco espetacular”, fracassando até mesmo em produzir uma supernova, já que os resquícios da estrela simplesmente escapariam para trás do horizonte de eventos do buraco negro.
“Às vezes eu me pergunto se Eta Carinae já se foi”, conclui Woosley. “Mas as pessoas me dizem que ainda conseguem vê-la”.
Fonte: Scientific American