Algumas das imagens mais nítidas obtidas com o Very Large Telescope (VLT) do ESO revelaram pela primeira vez o que parece ser uma estrela velha originando uma nebulosa planetária em forma da borboleta.
© ESO/P. Kervella (imagem do VLT/SPHERE e NACO da estrela L2 Puppis e seus arredores)
Estas observações da estrela gigante vermelha L2 Puppis, obtidas no modo ZIMPOL do recentemente instalado instrumento SPHERE, mostram também de forma clara uma companheira estelar próxima. As fases finais das estrelas continuam suscitando muitas questões aos astrônomos, incluindo a origem de uma nebulosa bipolar como esta, com a sua estranha e complexa forma de ampulheta.
A cerca de 200 anos-luz de distância, L2 Puppis é uma das gigantes vermelhas mais próximas da Terra que se sabe ter atingido já as fases finais da sua vida. As novas observações obtidas com o modo ZIMPOL do SPHERE foram feitas no visível usando métodos de ótica adaptativa extremos, com os quais se corrigem as imagens com um grau muito mais elevado do que com a ótica adaptativa normal, permitindo assim que objetos tênues próximos de fontes de luz intensa possam ser observados com imenso detalhe. Tratam-se dos primeiros resultados publicados com este modo e os mais detalhados obtidos para uma estrela deste tipo.
O ZIMPOL consegue produzir imagens três vezes mais nítidas do que as obtidas com o telescópio espacial Hubble da NASA/ESA, sendo que as novas observações mostram a poeira que rodeia a L2 Puppis de forma extremamente detalhada. Estes dados confirmam resultados anteriores, obtidos com o instrumento NACO, da poeira formando um disco, o qual a partir da Terra nos aparece praticamente de perfil, mas dão-nos uma visão muito mais detalhada. A informação de polarização obtida com o ZIMPOL permitiu à equipe construir um modelo tridimensional das estruturas de poeira.
Os astrônomos descobriram que o disco de poeira começa a cerca de 900 milhões de quilômetros da estrela, um pouco mais do que a distância do Sol a Júpiter, e que depois se espalha para o exterior, criando uma forma simétrica semelhante a um funil que rodeia a estrela. A equipe observou também uma segunda fonte luminosa a cerca de 300 milhões de quilômetros, o dobro da distância da Terra ao Sol, de L2 Puppis. Esta companheira estelar muito próxima é muito provavelmente outra estrela gigante vermelha de massa similar, mas mais jovem.
A combinação de enormes quantidades de poeira rodeando uma estrela que está morrerendo lentamente, juntamente com a presença de uma estrela companheira, é exatamente o tipo de sistema do qual se espera que surja uma nebulosa planetária bipolar. Estes três elementos parecem ser necessários, no entanto é também preciso uma boa dose de sorte para chegarmos ao subsequente emergir de uma borboleta celeste deste casulo poeirento.
O autor principal do artigo científico que descreve estes resultados, Pierre Kervella, explica: “A origem das nebulosas planetárias bipolares é um dos grandes problemas clássicos da astrofísica moderna, especialmente a questão de saber exatamente como é que as estrelas liberam para o espaço a sua quantidade valiosa de metais, um processo importante, uma vez que este material será usado para produzir futuras gerações de sistemas planetários”.
Além do disco de L2 Puppis, a equipe encontrou também dois cones de material perpendiculares ao disco. Mais importante ainda, no interior destes cones, foram descobertas duas plumas de material, compridas e ligeiramente curvas. A partir dos pontos de origem destas plumas, a equipe pôde deduzir que uma é possivelmente o resultado da interação entre o material de L2 Puppis e o vento e pressão de radiação da sua estrela companheira, enquanto a outra parece ter tido origem na colisão entre os ventos estelares das duas estrelas ou ser o resultado de um disco de acreção que se encontrará em torno da estrela companheira.
Embora muito ainda esteja por compreender, existem duas teorias principais sobre nebulosas planetárias bipolares, ambas apoiadas na existência de um sistema binário de estrelas. A primeira teoria diz que a poeira produzida pelos ventos estelares da estrela primária moribunda, fica confinada numa órbita em forma de anel em torno da estrela por ação dos ventos estelares e pressão de radiação da estrela companheira. Qualquer perda de massa subsequente por parte da estrela principal é canalizada ou colimada por este disco, que força a matéria a deslocar-se para o exterior em duas colunas opostas perpendiculares ao disco. A segunda teoria diz que a maior parte do material que está sendo ejetado pela estrela moribunda é acretado pela sua companheira próxima, que começa a formar um disco de acreção e um par de poderosos jatos. Qualquer material restante é empurrado pelos ventos estelares da estrela moribunda, dando origem a uma nuvem de gás e poeira, o que ocorreria normalmente num sistema com uma única estrela. Os jatos bipolares recém formados da estrela companheira, deslocando-se a velocidades muito mais elevadas que os ventos estelares da estrela moribunda, esculpem duas cavidades na poeira circundante, dando assim origem a uma nebulosa planetária bipolar.
As novas observações sugerem que ambos estes processos estão atuando em torno de L2 Puppis, parecendo muito provável que este par de estrelas dê origem a uma borboleta.
Pierre Kervella conclui: “Com a estrela companheira completando uma órbita em torno de L2 Puppis em apenas alguns anos, esperamos ver como é que esta companheira irá dar forma ao disco da gigante vermelha. Podemos seguir a evolução da poeira em torno da estrela em tempo real, uma possibilidade extremamente interessante e rara”.
Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “The dust disk and companion of the nearby AGB star L2 Puppis”, de P. Kervella et al., que foi publicado hoje na revista especializada Astronomy & Astrophysics.
Fonte: ESO