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sábado, 29 de março de 2025

As auroras de Netuno foram captadas pela primeira vez

Pela primeira vez, o telescópio espacial James Webb captou uma brilhante atividade auroral em Netuno.

© NASA (aurora em Netuno)

As auroras ocorrem quando partículas energéticas, muitas vezes provenientes do Sol, ficam presas no campo magnético de um planeta e eventualmente atingem a atmosfera superior. A energia liberada durante estas colisões cria o brilho característico.

No passado, os astrônomos viram indícios tentadores de atividade auroral em Netuno, por exemplo, na passagem da Voyager 2 da NASA em 1989. No entanto, a obtenção de imagens e a confirmação das auroras em Netuno há muito que escapavam aos astrônomos, apesar das detecções bem-sucedidas em Júpiter, Saturno e Urano.

Para além da imagem do planeta, foi obtido um espectro para caracterizar a composição e a temperatura da atmosfera superior do planeta (a ionosfera). Pela primeira vez, foi encontrado uma linha de emissão extremamente proeminente que significa a presença do cátion trihidrogênio (H3+), que pode ser criado nas auroras. Nas imagens de Netuno pelo Webb, a aurora brilhante aparece como manchas representadas em ciano. O H3+ tem sido um sinal claro de atividade auroral em todos os gigantes gasosos: Júpiter, Saturno, Urano e agora em Netuno.

A atividade auroral observada em Netuno é também visivelmente diferente da que estamos habituados a ver aqui na Terra, ou mesmo em Júpiter ou Saturno. Em vez de estarem confinadas aos polos norte e sul do planeta, as auroras de Netuno estão localizadas nas latitudes médias geográficas do planeta, como se fosse a localização da América do Sul na Terra. Isto deve-se à estranha natureza do campo magnético de Netuno, originalmente descoberto pela Voyager 2 em 1989, que está inclinado 47 graus em relação ao eixo de rotação do planeta.

Uma vez que a atividade auroral se baseia onde os campos magnéticos convergem para a atmosfera do planeta, as auroras de Netuno estão longe dos seus polos de rotação. A detecção pioneira das auroras de Netuno vai ajudar-nos a compreender como o campo magnético de Netuno interage com as partículas que fluem do Sol para os confins distantes do nosso Sistema Solar, uma janela totalmente nova na ciência atmosférica dos gigantes gelados.

A partir das observações do Webb, foi medida a temperatura do topo da atmosfera de Netuno pela primeira vez desde o sobrevoo da Voyager 2. Os resultados sugerem a razão pela qual as auroras de Netuno permaneceram escondidas durante tanto tempo. A atmosfera superior de Netuno arrefeceu várias centenas de graus. Ao longo dos anos, os astrônomos têm previsto a intensidade das auroras de Netuno com base na temperatura registrada pela Voyager 2. Uma temperatura substancialmente mais fria resultaria em auroras muito mais fracas. Esta temperatura fria é provavelmente a razão pela qual as auroras de Netuno não foram detectadas durante tanto tempo. O arrefecimento dramático também sugere que esta região da atmosfera pode sofrer grandes alterações, apesar de o planeta se situar 30 vezes mais longe do Sol do que a Terra.

Os astrônomos esperam agora estudar Netuno com o Webb durante um ciclo solar completo, um período de 11 anos de atividade impulsionado pelo campo magnético do Sol. Os resultados poderão fornecer informações sobre a origem do bizarro campo magnético de Netuno e até explicar porque é que está tão inclinado.

Um artigo foi publicado na revista Nature Astronomy

Fonte: Space Telescope Science Institute

domingo, 16 de março de 2025

Saturno tem 128 novas luas

Saturno deixou o seu antigo rival, Júpiter, para trás com um novo total de 274 luas, quase o dobro de todos os outros planetas juntos.

© NASA (ilustração de Saturno e de algumas das suas luas)

A IAU (International Astronomical Union) reconheceu a descoberta feita por astrônomos de Taiwan, Canadá, EUA e França no dia 11 de março. A equipe utilizou o CFHT (Canada-France-Hawaii Telescope) para monitorar repetidamente o céu em torno de Saturno entre 2019 e 2021, com detalhes minuciosos, combinando várias imagens para reforçar o sinal de um objeto astronômico. Esta fase inicial produziu 62 luas, e um número ainda maior de outros objetos que, no momento, não podiam ser designados.

Com o conhecimento de que seriam provavelmente luas, e que provavelmente havia ainda mais à espera de serem descobertas, os mesmos campos celestes foram revisitados durante três meses consecutivos em 2023. E efetivamente foram encontradas 128 novas luas. Todas as luas descobertas são irregulares, objetos capturados pelo seu planeta hospedeiro no início da história do Sistema Solar.

Estas luas têm poucos quilômetros de tamanho e são provavelmente todas fragmentos de um número menor de luas originalmente capturadas que foram quebradas por colisões violentas, quer com outras luas saturnianas quer com cometas que passavam.

Um mistério no sistema irregular de luas de Saturno foi um dos principais motivadores da última pesquisa: dado o elevado número de luas pequenas em comparação com as grandes, é provável que tenha havido uma colisão em algum lugar no sistema de Saturno nos últimos 100 milhões de anos, relativamente recente em termos astronômicos.

De outra forma, mais tempo e estas luas teriam colidido umas com as outras e ficado em pedaços, o que reduziria preferencialmente a proporção de luas pequenas em relação às maiores. De fato, a maioria das novas luas descobertas estão perto do subgrupo Mundilfari das luas de Saturno que, dado o seu tamanho, número e concentração orbital, é o local provável da colisão. Mundilfari, também conhecido como Saturno XXV, é um satélite natural de Saturno.

Com a tecnologia atual, não creio que possamos fazer muito melhor do que o que já foi feito para as luas em volta de Saturno, Urano e Netuno.

Fonte: The University of British Columbia

quinta-feira, 13 de março de 2025

Descoberto que KBO binário pode afinal ser triplo

O quebra-cabeças de prever como três corpos gravitacionalmente ligados se movem no espaço tem desafiado os físicos e matemáticos durante séculos, e foi mais recentemente popularizado no romance e série de televisão "3 Body Problem".


© STScI (ilustração do sistema 148780 Altjira no Cinturão de Kuiper)

A ilustração mostra um dos cenários possíveis para o sistema 148780 Altjira no Cinturão de Kuiper do Sistema Solar. Na imagem, o Sol está na direção da constelação de Sagitário, com a Via Láctea em segundo plano. A estrela vermelha brilhante Antares aparece na parte superior central. A poeira no plano do Sistema Solar brilha como a conhecida luz zodiacal.

No entanto, não há qualquer problema com o trio estável de rochas espaciais geladas no Cinturão de Kuiper do Sistema Solar, descoberto com base em dados do telescópio espacial Hubble e do Observatório W. M. Keck, no Havaí.

Se for confirmado como o segundo sistema de três corpos encontrado na região, o sistema 148780 Altjira sugere que poderão existir triplos semelhantes à espera de serem descobertos, o que apoiaria uma teoria particular da história do nosso Sistema Solar e da formação dos Objetos do Cinturão de Kuiper (sigla inglesa KBO, "Kuiper Belt Object").

O Universo está repleto de sistemas de três corpos, incluindo as estrelas mais próximas da Terra, o sistema estelar Alpha Centauri, e estamos descobrindo que o Cinturão de Kuiper pode não ser exceção.

Conhecidos desde 1992, os KBOs são remanescentes gelados e primitivos do início do Sistema Solar que se encontram para além da órbita de Netuno. Até à data, foram catalogados mais de 3.000 KBOs e os cientistas estimam que possam existir várias centenas de milhares de outros que medem mais de 16 quilômetros de diâmetro. O maior KBO é o planeta anão Plutão.

A descoberta do Hubble é um apoio crucial a uma teoria de formação de KBOs, segundo a qual três pequenos corpos rochosos não seriam o resultado de uma colisão num movimentado Cinturãp de Kuiper, mas sim formados como um trio diretamente a partir do colapso gravitacional de matéria no disco de material que rodeava o recém-formado Sol, há cerca de 4,5 bilhões de anos. 

É bem sabido que as estrelas se formam por colapso gravitacional de gás, geralmente em pares ou trios, mas a ideia de que objetos cósmicos como os do Cinturão de Kuiper se formam de maneira semelhante ainda está sendo investigada.

O sistema Altjira está localizado nos confins do Sistema Solar, a aproximadamente 6 bilhões de quilômetros de distância, cerca de 44 vezes a distância entre a Terra e o Sol. As imagens do Hubble mostram dois KBOs separados por a cerca de 7.600 quilômetros. No entanto, os pesquisadores afirmam que as observações repetidas do movimento orbital único dos objetos indicam que o objeto interior é na realidade dois corpos que estão tão próximos que não podem ser distinguidos a uma distância tão grande.

Com objetos tão pequenos e distantes, a separação entre os dois membros interiores do sistema é uma fração de um pixel na câmara do Hubble, por isso é preciso usar métodos que não sejam de imagem para descobrir que se trata de um triplo. Os cientistas reuniram uma base de observação de 17 anos de dados do Hubble e do Observatório Keck, observando a órbita do objeto exterior do sistema Altjira. Ao longo do tempo, foi vista a orientação da órbita do objeto exterior mudar, indicando que o objeto interior ou era muito alongado ou era na realidade dois objetos separados. Outras possibilidades são que o objeto interior é um binário de contato, em que dois corpos separados ficam tão próximos que se tocam, ou algo que é estranhamente plano, como uma panqueca.

Atualmente, existem cerca de 40 objetos binários identificados no Cinturão de Kuiper. Os únicos objetos do Cinturão de Kuiper que foram explorados em pormenor são Plutão e o objeto menor Arrokoth, que a missão New Horizons da NASA visitou em 2015 e 2019, respectivamente. A New Horizons mostrou que Arrokoth é um binário de contato, o que para os KBOs significa que dois objetos que se aproximaram cada vez mais um do outro estão agora se tocando e/ou fundiram-se, resultando frequentemente numa forma de amendoim.

Estima-se que Altjira seja 10 vezes maior do que Arrokoth, com 200 quilômetros de largura. Embora não exista nenhuma missão planejada para passar por Altjira para obter detalhes ao nível de Arrokoth, há uma oportunidade futura diferente para um estudo mais aprofundado do intrigante sistema. Altjira entrou numa época de eclipse, em que o corpo exterior passa à frente do corpo central. Tal vai durar os próximos dez anos, dando aos cientistas uma grande oportunidade de aprender mais sobre o sistema. O telescópio espacial James Webb da NASA também está participando no estudo de Altjira, uma vez que irá verificar se os componentes têm o mesmo aspecto nas suas próximas observações do Ciclo 3.

O estudo foi publicado na revista The Planetary Science Journal.

Fonte: W. M. Keck Observatory

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Rochas lunares ajudam determinar o período de cristalização da Lua

Embora os seres humanos contemplem a Lua desde que os primeiros de nós olharam para o céu, ainda há muito que não sabemos sobre o nosso satélite natural.

© NASA (ilustração de como seria a aparência da Lua parcialmente derretida)

Uma dessas questões por resolver é a sua história de origem. Pensamos que a Lua se formou depois de uma colisão colossal entre a Terra e outro objeto enorme ter criado duas bolas de magma derretido. Mas não sabemos exatamente quando nem como. 

Agora, cientistas fizeram novas medições de rochas lunares das missões Apollo para estabelecer uma data para o momento em que a Lua se solidificou: há 4,43 bilhões de anos. O estudo, realizado por uma colaboração que incluiu cientistas da Universidade de Chicago, aplicou técnicas de ponta para efetuar leituras precisas de minerais raros nas rochas. Os resultados acrescentam evidências para a nossa compreensão da história da formação da Lua e da Terra. Isto coloca uma idade exata para a formação da Lua - e também, potencialmente, para o momento em que a Terra se tornou habitável.

O Sistema Solar formou-se há cerca de 4,57 bilhões de anos. Pouco tempo depois, à medida que arrefecia, os detritos começaram a colidir e a aglomerar-se ao longo do tempo, formando os planetas. Os cientistas pensam que um objeto muito grande colidiu com a Terra em formação e que a nossa Lua se formou a partir dos detritos produzidos por este impacto. Esta colisão foi extremamente violenta, o suficiente para derreter rocha. A Lua rapidamente começou a arrefecer. A maior parte do oceano lunar de magma solidificou quase de imediato, segundo os padrões geológicos, cerca de um milênio. Mas quando cerca de 80% do magma se solidificou, formou-se uma crosta de minerais que isolou a jovem Lua.

Isto abrandou o processo de arrefecimento e, durante algum tempo, a Lua teve um manto parcialmente fundido. O que ainda não foi possível determinar é quanto tempo se manteve assim, antes de arrefecer completamente e se tornar rocha sólida. Estudos de amostras das missões Apollo revelaram que, à medida que a Lua arrefecia lentamente, uma mistura de certos elementos teria flutuado para cima no manto parcialmente derretido, um pouco como o sal deixado para trás quando a água do mar se evapora, formando uma camada distinta. 

Os cientistas pensaram que se conseguissem encontrar uma idade exata para esta camada de magma, que continha muito potássio, elementos raros e fósforo, saberiam quando a Lua ficou 99% cristalizada.

Um dos elementos também encontrados é o lutécio, que é muito ligeiramente radioativo; ao longo de eras, transforma-se gradualmente no elemento háfnio a um ritmo previsível. Assim, os cientistas podem trabalhar para trás para ver há quanto tempo uma determinada rocha existe; isto é semelhante à forma como usamos a datação por carbono para saber a idade dos artefatos arqueológicos. No início do Sistema Solar, todas as rochas tinham a mesma quantidade do lutécio. Com base em outros estudos, os cientistas pensam que a Lua teria levado cerca de 20 milhões de anos a arrefecer até esse nível.

Um artigo foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.

Fonte: University of Chicago

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

O mistério da verdadeira idade da Lua

Muito sobre a Lua permanece envolto em mistério, incluindo a sua idade.

© A. Chizhik (ilustração do aspecto da Lua durante o evento de aquecimento de maré)

Análises de amostras trazidas da superfície lunar indicam que a nossa companheira celeste pode ter cerca de 4,35 bilhões de anos, o que significa que surgiu cerca de 200 milhões de anos após a formação do nosso Sistema Solar. 

Mas este imenso desfasamento não agrada a alguns cientistas. Durante os primeiros tempos do Sistema Solar, os detritos e os corpos planetários colidiram e coalesceram para formar planetas. Por volta dos 200 milhões de anos, a maior parte destes detritos caóticos tinha sido arrastada para corpos maiores. Assim, muitos cientistas que simulam a evolução do Sistema Solar consideram improvável a ideia de uma colisão massiva que tenha formado a Lua tão tarde.

Os pesquisadores propõem uma possível explicação para esta discrepância: a Lua teria sofrido uma nova fusão há 4,35 bilhões de anos, devido à atração das marés da Terra, que provocou uma convulsão geológica generalizada e um aquecimento intenso. Esta segunda fusão teria "reiniciado" a idade das rochas lunares, ocultando a verdadeira idade da Lua com o que poderia ser comparado a uma cirurgia plástico-vulcânica. 

A Lua fascina a humanidade há milénios e, nos últimos séculos, as pessoas começaram a perguntar-se como e quando a Lua se formou. Uma das razões para enviar astronautas à Lua foi para responder a esta pergunta. A Lua também serve como um degrau luminoso para compreender objetos mais distantes. Mas, se não conseguimos determinar a idade da Lua, como podemos ter a certeza da idade exata de qualquer coisa para além dela? 

Pensa-se que a Lua nasceu de uma colisão entre a Terra primitiva e um protoplaneta da dimensão de Marte, o último impacto gigante na história do nosso planeta. A data deste evento foi estimada através da datação de amostras lunares que se presume terem sido cristalizadas a partir do oceano de magma lunar que existiu após o impacto, situando a idade da Lua em cerca de 4,35 bilhões de anos. No entanto, esta idade não explica várias discrepâncias com modelos térmicos e outras evidências, como as idades de alguns minerais de zircão na superfície lunar, que sugerem que a Lua poderia ter até 4,51 bilhões de anos.

A hipótese de que um evento de refusão, impulsionado pela evolução orbital da Lua, poderia explicar a ocorrência frequente de rochas com cerca de 4,35 bilhões de anos, como as recolhidas pelas missões Apollo dos EUA e outras, e não a primeira solidificação do oceano lunar de magma.

A Lua pode ter sofrido aquecimento de maré suficiente para causar esta segunda fusão. O aquecimento de maré é um processo no qual as forças gravitacionais entre dois corpos celestes causam atrito interno que leva a um aquecimento intenso. No caso da Lua, este efeito foi provavelmente mais pronunciado no início da sua história, quando estava mais próxima da Terra. 

De acordo com os modelos mais recentes, durante certos períodos dos seus primeiros anos, a órbita da Lua teria sido instável, fazendo com que sofresse forças de maré intensas da Terra que poderiam ter levado a eventos de aquecimento significativos, alterando drasticamente a geologia da Lua. Os pesquisadores estabelecem paralelos entre este hipotético evento de aquecimento na Lua e a atual atividade vulcânica observada na lua de Júpiter, Io, que é conhecida como o corpo mais vulcanicamente ativo do Sistema Solar. A atividade vulcânica em Io é impulsionada por forças de maré semelhantes às que podem ter marcado o início da história da Lua, com atividade vulcânica generalizada e a superfície a ser constantemente remodelada por erupções.

Os pesquisadores também afirmam que a refusão da Lua explicaria o fato de existirem menos bacias lunares de impacto dos primeiros bombardeamentos do que seria de esperar, uma vez que teriam sido apagadas durante um evento de aquecimento. Esta explicação sugere que a formação da Lua ocorreu entre 4,43 a 4,53 bilhões de anos atrás, no limite superior das estimativas anteriores de idade.

A recente entrega de amostras lunares pela missão Chang'e 6 da China é motivo de grande entusiasmo. Estas amostras, recolhidas no lado oculto da Lua, fornecerão dados valiosos para compreender os processos que moldaram a sua história.

Esta pesquisa não só oferece uma nova perspectiva sobre o passado da Lua, como também abre a porta para investigações mais sutis sobre a sua formação e evolução. A interação entre a geoquímica e as simulações está ajudando os cientistas a preencher as lacunas da história lunar, com o aquecimento de maré emergindo como um mecanismo crucial para compreender as características geológicas da Lua.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Max Planck Institute for Solar System Research

sábado, 14 de dezembro de 2024

Um cinturão de asteroides inesperadamente lotado

Astrônomos descobriram uma população inesperadamente grande de pequenos asteroides do cinturão principal graças a uma nova análise de imagens do telescópio espacial James Webb.

© NASA / JPL-Caltech (ilustração do cinturão de asteroides)

A descoberta pode mudar os cálculos da taxa de impacto na Terra de tais corpos, que variam do tamanho de uma casa ao tamanho de um estádio. Esses são de longe os menores objetos já fotografados tão longe. Artem Burdanov, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e colegas aplicaram um método de deslocamento e empilhamento computacionalmente intensivo às imagens de arquivo do Webb. A partir dos detectores infravermelhos sensíveis do telescópio, a equipe foi capaz de determinar com precisão os tamanhos de pequenos objetos, variando de cerca de 10 a 500 metros de diâmetro. 

Asteroides maiores do cinturão principal, cujas órbitas estão entre as de Marte e Júpiter, tendem a permanecer em órbitas relativamente estáveis. No entanto, as interações gravitacionais perturbam com mais frequência os menores, que podem entrar no Sistema Solar interno para se tornarem potenciais impactadores. O alto número de pequenos objetos agora encontrados no cinturão principal, pelo menos cinco vezes mais do que o esperado, pode afetar os cálculos da frequência de tais impactos. 

A abordagem de processamento de deslocamento e empilhamento é usada por astrônomos profissionais e amadores para fornecer imagens de objetos tênues e em movimento rápido, como asteroides e cometas. Neste caso, os astrônomos usaram esse método com asteroides. 

Normalmente, a ideia é mover o telescópio precisamente na direção e na taxa de movimento de um objeto com uma órbita conhecida. Cada quadro mantém o alvo no centro, enquanto as estrelas de fundo se movem de quadro para quadro. Assim, mesmo que uma imagem individual não capture o objeto, dezenas ou mesmo centenas de quadros podem ser adicionados juntos, permitindo que o objeto emerja do ruído de fundo aleatório que muda de quadro para quadro. Mas o processo geralmente depende do conhecimento da órbita. 

E se você não souber? É aí que entra o aproveitamento de muito poder de processamento. A equipe minerou um arquivo de imagens do Webb que foram coletadas para um propósito diferente: estudar os planetas ao redor da estrela próxima TRAPPIST-1. Como essas imagens envolviam olhar para o mesmo pequeno pedaço do céu por longos períodos de até 8 horas, elas também se mostraram úteis para encontrar objetos em movimento, como asteroides. 

Para descobrir asteroides em órbitas desconhecidas, foi usado essencialmente um método de força bruta, mudando em todas as direções possíveis e faixas de velocidade razoáveis para potenciais alvos em movimento, e então empilhando essas imagens. A busca cega inicial produziu mais de 1.000 candidatos, onde foram destacados 138 asteroides até então desconhecidos, bem como oito conhecidos.

O Webb é particularmente bom em encontrar asteroides, porque eles são muito mais brilhantes em comprimentos de onda infravermelhos. Os astrônomos restringiram seus diâmetros a 10 a 20%, enquanto estimativas de tamanho baseadas em observações de luz visível podem variar em mais de uma ordem de magnitude. Isso ocorre porque a luz visível vem do reflexo da luz solar de um asteroide e, portanto, de quão escura é sua superfície, uma qualidade que pode variar muito de objeto para objeto. A luz infravermelha, por outro lado, resulta principalmente da emissão térmica, que não mudará muito para um determinado objeto. Medições infravermelhas também poderiam fornecer o formato dos objetos, já que quaisquer variações no brilho seriam devidas à forma, e não a variações na refletividade da superfície. No entanto, as observações iniciais examinadas foram muito curtas para fornecer tais informações.

Encontrar tantos asteroides pequenos por acaso, a partir de um conjunto de observações de uma estrela tiradas para um propósito diferente, abre a perspectiva de minerar muito mais de outros conjuntos de dados semelhantes.

Um artigo foi publicado na revista Nature.

Fonte: Sky & Telescope

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O que está por baixo das superfícies insípidas de Urano e Netuno?

Chuva de diamantes? Água superiônica?

© Quanta Magazine (vista interior de um planeta gigante gasoso)

Estas são apenas duas propostas que os cientistas planetários apresentaram para o que se encontra por baixo das espessas atmosferas azuladas de hidrogênio e hélio de Urano e Netuno, gigantes gelados do nosso Sistema Solar, mas superficialmente insípidos.

O cientista planetário Burkhard Militzer, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA, propõe agora uma teoria alternativa, que os interiores destes dois planetas são constituídos por camadas e que as duas camadas, tal como o azeite e a água, não se misturam. Esta configuração explica perfeitamente os incomuns campos magnéticos dos planetas e implica que as teorias prévias acerca dos interiores provavelmente não são verdadeiras.

Ele defende que existe um oceano profundo de água logo abaixo das camadas de nuvens e, por baixo, um fluido altamente comprimido de carbono, nitrogênio e hidrogênio. As simulações em computador mostram que, sob as temperaturas e pressões do interior dos planetas, uma combinação de água (H2O), metano (CH3) e amônia (NH3) se separaria naturalmente em duas camadas, principalmente porque o hidrogênio seria espremido do metano e da amônia que constituem grande parte do interior profundo. Estas camadas imiscíveis explicariam porque é que nem Urano nem Netuno têm um campo magnético como o da Terra. Esta foi uma das descobertas surpreendentes acerca dos gigantes gelados do nosso Sistema Solar feitas pela missão Voyager 2 no final da década de 1980.Os planetas do tamanho de Urano e Netuno, os chamados planetas subnetuno, estão entre os exoplanetas mais comuns descobertos até à data. 

À medida que um planeta arrefece da sua superfície para baixo, o material frio e mais denso afunda-se, enquanto as manchas de fluido mais quente sobem como água fervendo, um processo chamado convecção. Se o interior for condutor de eletricidade, uma camada espessa de material em convecção gerará um campo magnético dipolar semelhante ao de um ímã em barra. O campo dipolar da Terra, criado pelo seu núcleo externo de ferro líquido, produz um campo magnético que vai do polo norte ao polo sul e é a razão pela qual as bússolas apontam para os polos. 

Mas a Voyager 2 descobriu que nenhum dos dois gigantes de gelo tem este campo dipolar, apenas campos magnéticos desorganizados. Isto implica que não há movimento convectivo de material, numa camada espessa, no interior profundo dos planetas. Para explicar estas observações, dois grupos de pesquisa distintos propuseram, há mais de 20 anos, que os planetas devem ter camadas que não se podem misturar, impedindo assim a convecção em grande escala e um campo magnético dipolar global. A convecção numa das camadas poderia, no entanto, produzir um campo magnético desorganizado. 

Mas nenhum dos grupos conseguiu explicar de que eram feitas estas camadas que não se misturam. Há dez anos, Militzer tentou repetidamente resolver o problema, utilizando simulações em computador de cerca de 100 átomos com as proporções de carbono, oxigénio, nitrogênio e hidrogênio refletindo a composição conhecida dos elementos do Sistema Solar primitivo. Com as pressões e temperaturas previstas para os interiores dos planetas, 3,4 milhões de vezes a pressão atmosférica da Terra e 4750 K, respectivamente, não conseguiu encontrar uma forma de formar camadas. Porém, no ano passado, com a ajuda da aprendizagem de máquina, conseguiu executar um modelo que simulava o comportamento de 540 átomos e, para sua surpresa, descobriu que as camadas se formam naturalmente à medida que os átomos são aquecidos e comprimidos.

Nota-se que uma camada é rica em água e a outra é rica em carbono, e em Urano e Netuno, é o sistema rico em carbono que está por baixo. A parte pesada fica em baixo e a parte mais leve fica em cima e não pode fazer qualquer convecção. A quantidade de hidrogênio espremido aumenta com a pressão e a profundidade, formando uma camada estratificada estável de carbono, nitrogênio e hidrogênio, quase como um polímero plástico. Enquanto a camada superior, rica em água, provavelmente realiza convecção para produzir o campo magnético desorganizado observado, a camada mais profunda, estratificada e rica em hidrocarbonetos, não pode. Quando modelou a gravidade produzida por um Urano e por um Netuno em camadas, os campos gravitacionais coincidiram com os medidos pela Voyager 2 há quase 40 anos. 

Militzer prevê que por baixo da atmosfera de Urano, com quase 5 mil quilômetros de espessura, se encontre uma camada rica em água com cerca de 8 mil quilômetros de espessura e, por baixo desta, uma camada rica em hidrocarbonetos, também com cerca de 8 mil quilômetros de espessura. 

O seu núcleo rochoso tem aproximadamente o tamanho do planeta Mercúrio. Apesar de Netuno ser mais massivo do que Urano, é menor em diâmetro, com uma atmosfera mais fina, mas com camadas igualmente espessas, ricas em água e hidrocarbonetos. 

Uma missão proposta pela NASA a Urano poderia também fornecer uma confirmação, se a nave espacial tiver a bordo um gerador de imagens Doppler para medir as vibrações do planeta. Um planeta em camadas vibraria a frequências diferentes das de um planeta em convecção. O próximo projeto é utilizar o modelo computacional para calcular a diferença entre as vibrações dos planetas.

Um artigo foi publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.

Fonte: University of California