O telescópio espacial de raios gama da ESA, Integral, desempenhou um papel decisivo na observação de jatos de matéria expelidos para o espaço a um-terço da velocidade da luz.
© ESA (jato emitido no disco de acreção)
A matéria e a energia foram liberadas quando ocorreram enormes explosões na superfície de uma estrela de nêutrons.
Esta observação inédita provou ser ideal para explorar jatos astrofísicos de todos os tipos. Os jatos são produzidos por muitos objetos astronômicos diferentes, mas o seu estudo é difícil. Estes fluxos de matéria são distantes e é um desafio ver as suas características. Isto torna extremamente difícil o rastreio da matéria em movimento para assim compreender como o jato está sendo lançado e acelerado.
No entanto, uma equipe internacional de astrônomos, incluindo Thomas Russell, do INAF (Istituto Nazionale di Astrofisica), Palermo, Itália, notou de que certos tipos de estrelas de nêutrons poderiam abrir uma nova via de investigação.
As estrelas de nêutrons são "cadáveres" estelares supercompactos. Quando em órbita com outra estrela, o intenso campo gravitacional da estrela de nêutrons pode acabar por puxar matéria da sua estrela companheira. Parte desta matéria acumulada é então expelida em jatos que se afastam ao longo do eixo de rotação da estrela de nêutrons, e o resto da matéria espirala para a estrela de nêutrons. Aí, acumula-se como uma camada à superfície. À medida que mais e mais material é absorvido pela estrela de nêutrons, o campo gravitacional comprime-o até se iniciar uma explosão nuclear descontrolada. Isto cria um evento cataclísmico conhecido como erupção de raios X de tipo I.
A equipe pensou que esta súbita liberação de matéria e energia, da superfície da estrela de nêutrons, afetaria o jato e que poderiam medir esta perturbação à medida que se propagava para longe. Se assim fosse, isso proporcionaria um novo e poderoso método para estudar estes eventos violentos e energéticos. Atualmente, conhecemos cerca de 125 estrelas de nêutrons que se comportam desta forma.
Trata-se de uma medição crucial porque, uma vez estudado um número suficiente de estrelas de nêutrons em acreção, a velocidade do jato pode revelar o mecanismo de lançamento dominante e mostrar se o jato é alimentado por campos magnéticos ancorados no material acretado ou na própria estrela.
A equipa identificou duas estrelas de nêutrons, denominadas 4U 1728-34 e 4U 1636-536, respectivamente, que mostraram um comportamento explosivo em raios X. No entanto, no momento, apenas 4U 1728-34 era suficientemente brilhante, no rádio, para realizar a experiência com o detalhe necessário. Depois houve um problema prático. Ao passo que as explosões eram visíveis em raios X, o jato só emitia ondas de rádio. Assim, era necessário coordenar as observações radiotelescópicas na Terra para que ocorressem simultaneamente com as do satélite Integral, que é capaz de ver em raios X. Mas era impossível prever exatamente quando é que uma destas explosões ia acontecer.
As observações no rádio foram efetuadas durante três dias com o ATCA (Australia Telescope Compact Array) da CSIRO (Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation), registando um total de cerca de 30 horas de tempo de observação entre os dias 3 e 5 de abril de 2021. O Integral observou a partir do espaço. Foi a única missão de alta energia capaz de manter esta longa vigília. A sua órbita grande e alongada permitia-lhe observar o objeto celeste durante muitas horas seguidas. No final das observações, o Integral tinha captado 14 explosões de raios X de 4U 1728-34, das quais 10 ocorreram quando a fonte era visível para o ATCA.
A capacidade de seguir a matéria extra injetada ao longo do jato, a comprimentos de onda do rádio, permitiu à equipe calcular que o material estava sendo lançado a uns incríveis 35-40% da velocidade da luz.
Esta técnica permitirá o estudo de muitas mais estrelas de nêutrons com erupções de raios X. Isto permitirá compreender e relacionar o lançamento de jatos com características específicas, tais como a rotação e a quantidade de gás que cai na sua superfície. Para quem estuda estes fenômenos, estas são as questões mais prementes. A sua resposta terá impacto nos estudos que vão para além das estrelas de nêutrons, porque os jatos são criados por muitos objetos astronômicos. Desde estrelas recém-formadas a buracos negros supermassivos no centro das galáxias, os jatos podem também ser produzidos por eventos cataclísmicos como explosões de supernovas e explosões de raios gama.
Desempenham uma função importante em todo o Universo, desde o transporte de elementos exóticos sintetizados em explosões cósmicas para o espaço interestelar, até ao aquecimento de nuvens de gás circundantes que alteram a forma e o local de formação de novas estrelas. Uma vez que se pensa que todos os jatos astrofísicos são lançados de forma semelhante, nomeadamente pela interação da matéria com campos magnéticos em objetos celestes em rotação, os novos resultados terão grande aplicabilidade em muitos estudos do cosmos.
Um artigo foi publicado na revista Nature.
Fonte: ESA