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terça-feira, 19 de setembro de 2023

Prevista a possível existência de um planeta nos confins do Sistema Solar

Existem muitas anomalias por explicar nas órbitas e na distribuição dos objetos transnetunianos, pequenos corpos celestes localizados nos confins do Sistema Solar.

© F. P. D'Andrea (ilustração de um novo planeta)

Agora, com base em simulações computacionais detalhadas do início do Sistema Solar exterior, pesquisadores do Japão preveem a possibilidade de um planeta com um tamanho semelhante ao da Terra, ainda não descoberto, localizado para lá de Netuno, orbitando o Sol.

Se esta previsão se concretizar, poderá revolucionar a nossa compreensão da história do Sistema Solar. No entanto, é quase certo que, há bilhões de anos, o Sistema Solar formou mais planetas do que estes oito. Embora a maior parte deles já tenha desaparecido ou saído do Sistema Solar, será possível que alguns tenham permanecido e sobrevivido até aos dias de hoje?

A resposta a esta pergunta pode vir dos chamados OTNs (objetos transnetunianos). Como o nome indica, os OTNs são pequenos corpos celestes que orbitam o Sol a uma distância média superior à da órbita de Netuno. Em particular, o distante Cinturão de Kuiper, a região localizada a mais de 50 UA (unidades astronômicas) ou 7,5 bilhões de quilômetros do Sol, contém muitos OTNs. Embora estes objetos representem os restos da formação planetária no Sistema Solar exterior, as suas órbitas e distribuição podem muito bem revelar a presença de planetas por descobrir. 

Num estudo recente, o professor associado Patryk Sofia Lykawka da Universidade de Kindai no Japão e o professor associado Takashi Ito do CfCA (Center for Computational Astrophysics) do NAOJ (National Astronomical Observatory of Japan) resolveram este enigma. Com base na análise teórica das observações e em simulações computacionais de ponta, chegaram à notável conclusão de que um planeta com aproximadamente o tamanho da Terra (1,5 a 3 vezes mais massivo) pode estar à espreita no distante Cinturão de Kuiper! 

Os pesquisadores começaram por analisar em pormenor a estrutura orbital do distante Cinturão de Kuiper, que exibe várias anomalias por explicar. Por exemplo, existe uma grande população de OTNs isolados cujas órbitas estão para além da influência gravitacional de Netuno. Além disso, há um número significativo de OTNs com órbitas altamente inclinadas, juntamente com uma população de "OTNs extremos" cujas órbitas são extremamente difíceis de explicar com os modelos atuais para a formação do Sistema Solar e do Cinturão de Kuiper. 

Com base nestas análises, os cientistas teorizaram que outro planeta para além dos quatro gigantes (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno) deve ter influenciado a formação do Cinturão de Kuiper. Para testar a sua hipótese, efetuaram uma série de simulações utilizando os computadores instalados no laboratório de Lykawka e o grupo de PCs de uso geral do NAOJ, usando modelos do Sistema Solar primitivo que existia há cerca de 4,5 bilhões de anos. 

Foram consideradas interações entre os quatro planetas gigantes, um hipotético planeta do Cinturão de Kuiper e um disco de pequenos objetos representando o distante Cinturão de Kuiper primordial. Depois de cada simulação ter sido concluída, as populações de OTNs resultantes, após um período de 4,5 bilhões de anos, foram comparadas com as obtidas a partir de observações modernas para ver se algum dos modelos explicava as anomalias no Cinturão de Kuiper. Notavelmente, os melhores resultados das simulações sugeriam que deveria existir um planeta por descobrir com distâncias entre cerca de 200 e 800 UA. 

Graças à massa palpável e a uma órbita inclinada de cerca de 30°, um tal planeta poderia ter gerado o grande número de OTNs isolados, os OTNs altamente inclinados, bem como os OTNs extremos com órbitas peculiares, de acordo com as observações atuais. 

A descoberta de um novo planeta de tamanho semelhante ao da Terra no Sistema Solar teria, sem dúvida, implicações profundas, como explica o Dr. Lykawka: "Primeiro, o Sistema Solar voltaria a ter oficialmente nove planetas. Além disso, à semelhança do que aconteceu em 2006 quando Plutão foi despromovido da categoria de planeta, teríamos de aperfeiçoar a definição de 'planeta', uma vez que um planeta de tamanho semelhante à Terra, localizado muito para além de Netuno, pertenceria provavelmente a uma nova classe de planetas. Finalmente, as nossas teorias sobre a formação do Sistema Solar e dos planetas também precisariam de ser revistas". 

Na busca deste novo planeta, muitos novos OTNs extremos poderiam ser descobertos no processo, fornecendo informações valiosas sobre a região transnetuniana. Um conhecimento mais pormenorizado da estrutura orbital no Cinturão de Kuiper fornecerá uma melhor compreensão da formação do Sistema Solar exterior, o que também revelará as condições em que os planetas se formaram. 

Um artigo foi publicado no periódico The Astronomical Journal

Fonte: Kindai University

domingo, 7 de maio de 2023

Descoberto o segundo anel "improvável" em torno do asteroide Quaoar

A descoberta do segundo anel ocorre apenas dois meses após o primeiro anel de Quaoar ter sido revelado, indicando que o sistema é mais complexo do que se pensava.

© ON / UTFPr (ilustração do segundo anel de Quaoar)

Uma equipe de pesquisadores, liderada pelo aluno de doutorado do Observatório Nacional (ON/MCTI), Chrystian Luciano Pereira, descobriu um segundo anel improvável mais interno em torno do asteroide Quaoar. A orientação da pesquisa é realizada pelo Dr. Felipe Braga Ribas, professor do Programa de Pós-Graduação em Astronomia do Observatório Nacional (ON). Ambas as descobertas foram feitas com o uso da técnica de ocultações estelares, quando um objeto do Sistema Solar passa em frente a uma estrela e bloqueia a sua luz por alguns instantes.

Este objeto é um dos pequenos corpos do nosso Sistema Solar e é conhecido como um objeto Transnetuniano (TNO) por orbitar a região além do planeta Netuno. Com mais de 1.000 km de diâmetro, Quaoar é candidato a planeta-anão. 

Os TNOs, como Quaoar, são fósseis praticamente intactos da formação do Sistema Solar. Dessa forma, catalogar suas características físicas é fundamental para entender como o Sistema Solar se formou e evoluiu até os dias atuais. 

Anéis ao redor de corpos do Sistema Solar têm sido alvo de pesquisas desde 1610, quando Galileu Galilei observou pela primeira vez um anel em torno ao apontar sua luneta para Saturno. Nos séculos seguintes, anéis foram descobertos ao redor dos outros três planetas gigantes: Júpiter, Urano e Netuno. 

Até 2013, não se sabia que anéis poderiam orbitar pequenos corpos do Sistema Solar. A surpresa ocorreu quando um sistema com dois anéis foi descoberto ao redor do objeto Centauro (10199) Chariklo, primeiro asteroide com anéis descoberto em trabalho liderado pelo Dr. Felipe Braga-Ribas (UTFPR-Curitiba/ON). Depois, em 2017, um anel foi descoberto ao redor do planeta-anão Haumea. Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a mesma equipe divulgou a descoberta do terceiro sistema de anéis, agora ao redor do objeto Transnetuniano Quaoar. 

De acordo com os pesquisadores, diferentemente dos anéis observados em Chariklo, Haumea e nos quatro planetas gigantes, os anéis de Quaoar se encontram em uma região inesperada, muito além do limite de Roche para o corpo (para Quaoar, esse limite é estimado em 1.780 km do centro do corpo). O limite de Roche é uma região em que as forças de maré do corpo central estão em equilíbrio com a atração mútua das partículas que compõem um anel, impedindo então a acreção dessas partículas em satélites. Em outras palavras, trata-se de uma “linha imaginária” que define a distância mínima que um objeto pode se aproximar de outro antes de ser desintegrado pela força gravitacional. Quando um objeto está dentro do limite de Roche, espera-se que ele se desintegre e forme um anel em torno do objeto central. Por outro lado, se estiver além deste limite, como é o caso dos anéis do Quaoar – espera-se que as partes de agreguem e formem um satélite, e não um anel como é o caso.

A partir dos dados observacionais do primeiro anel (Q1R), os pesquisadores conseguiram detectar o segundo anel (Q2R) que, na verdade, está mais próximo do TNO. O Q2R possui cerca de 10 km de largura e, apesar de estar mais próximo de Quaoar, também se encontra fora do limite de Roche, orbitando 2.520 km do centro do objeto. Isso revela o quão curioso e complexo o sistema de Quaoar pode ser. O anel mais externo orbita Quaoar a uma distância muito próxima a região de estabilidade gerada pela ressonância spin-órbita 1:3. Isso significa que enquanto o Quaoar completa três rotações, as partículas do anel completam uma órbita. Já o anel mais interno se encontra próximo a região de ressonância spin-órbita 5:7, ou seja, enquanto Quaoar completa sete rotações, as partículas do anel completam cinco órbitas.

Esse comportamento dinâmico é observado nos anéis ao redor de Chariklo e Haumea, que também se encontram próximos à região de ressonância 1:3. Isso sugere que as ressonâncias podem estar intimamente relacionadas com a manutenção e localização desses anéis. Outro fator que pode causar o confinamento desses anéis é a presença de pequenos satélites "pastores" que ainda não foram descobertos. 

Outra propriedade interessante e não usual do anel Q1R de Quaoar é a variabilidade na sua largura e opacidade, sendo muito estreito e denso em uma região, tênue e extenso em outra. Afim de obter mais informações de Quaoar e seu curioso anel, a equipe organizou uma campanha observacional para uma ocultação estelar que foi observada em 9 de agosto de 2022, envolvendo telescópios amadores e profissionais, como por exemplo o Gemini Norte e Canadá-França-Hawaii Telescope (CFHT), com diâmetro de 8,1 e 3,6 metros, respectivamente. A alta performance dos instrumentos acoplados nos telescópios Gemini Norte e CFHT, as cameras 'Alopeke e WIRcam, respectivamente, aliado a sua localização no topo do Mauna Kea, no Havaí, permitiram a obtenção de curvas de luz com ótima qualidade.

A região densa e estreita do “primeiro” anel foi sondada por essa ocultação, revelando uma estrutura estreita confinada com aproximadamente 5 km de largura e com grande profundidade óptica (bastante densa). Esse núcleo estreito do anel é cercado por um envelope de material disperso com cerca de 60 km, se assemelhando em estrutura ao anel F de Saturno ou o arco observado nos anéis de Netuno. A região mais extensa e tênue desse anel também foi detectada, tendo uma largura média de 90 km e com menos de 1% da opacidade da região mais densa. A distância calculada entre Quaoar e esse anel é de 4.060 km. 

Trabalhos futuros acerca da determinação precisa da forma de Quaoar, em conjunto com novas observações desses anéis, serão importantes para um melhor entendimento do sistema dinâmico em que Quaoar e seus anéis se inserem e qual o real papel das ressonâncias na manutenção e confinamento desses anéis. 

Este trabalho foi realizado como parte do projeto "Lucky Star", sob a liderança do Dr. Bruno Sicardy do Observatório de Paris (França) e foi viabilizado através de uma colaboração mundial envolvendo astrônomos profissionais e amadores. Este estudo contou com a participação de pesquisadores de diversos institutos internacionais, como: Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil), Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha), Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil), Instituto Espacial da Flórida (Orlando, Flórida), entre outros. 

Um artigo sobre a descoberta do segundo anel de Quaoar, sob o título “The two rings of (50000) Quaoar”, foi publicado no periódico Astronomy & Astrophysics Letters

Fonte: Observatório Nacional

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Encontrado um anel em torno do planeta anão Quaoar

Durante uma pausa na observação de planetas em torno de outras estrelas, a missão CHEOPS (CHaracterising ExOPlanet Satellite) da ESA observou um planeta anão no nosso próprio Sistema Solar e deu uma contribuição decisiva para a descoberta de um denso anel de material à sua volta.

© ESA (ilustração do sistema Quaoar)

O planeta anão é conhecido como Quaoar. A presença de um anel a uma distância de quase sete vezes e meia o raio de Quaoar abre um mistério para os astrônomos resolverem: porque é que este material não coalesceu numa pequena lua? 

O anel foi descoberto através de uma série de observações realizadas entre 2018 e 2021. Utilizando uma coleção de telescópios terrestres e o telescópio espacial CHEOPS, os astrônomos assistiram à passagem de Quaoar em frente a uma sucessão de estrelas distantes, bloqueando brevemente a sua luz. Tal evento é conhecido como uma ocultação. 

Observar como a luz da estrela ocultada diminui de brilho fornece informações sobre o tamanho e forma do objeto no plano da frente e pode revelar se tem ou não uma atmosfera. Neste caso, quedas menores antes e depois da ocultação principal traíram a presença de material em órbita de Quaoar. 

Quaoar faz parte de uma coleção de mundos pequenos e distantes conhecidos como objetos transnetunianos (OTNs). Conhecem-se cerca de 3.000. Como o nome sugere, os OTNs encontram-se nos confins do Sistema Solar, além da órbita do planeta Netuno. Os maiores dos OTNs são Plutão e Éris. Com um raio estimado em 555 km, Quaoar ocupa o número sete da lista de tamanhos e é orbitado por uma pequena lua chamada Weywot, com um raio de aproximadamente 80 km. 

O estudo destes planetas anões é difícil devido às suas pequenas dimensões e distâncias extremas. O próprio Quaoar orbita o Sol a quase 44 vezes a distância Sol-Terra. Portanto, as ocultações são ferramentas particularmente valiosas. Até há pouco tempo, porém, era difícil prever exatamente quando e onde teriam lugar. Para que uma ocultação ocorra, o alinhamento entre o objeto interveniente (neste caso, o OTN), a estrela e o telescópio tem que ser extremamente preciso. 

No passado, tem sido quase impossível cumprir os rigorosos requisitos de precisão para se ter a certeza de ver um evento. No entanto, para alcançar este objetivo foi criado o projeto Lucky Star do ERC (European Research Council), coordenado por Bruno Sicardy, da Universidade de Sorbonne e do Observatório de Paris - PSL (LESIA), para prever as próximas ocultações por OTNs e para coordenar a observação destes eventos com observatórios profissionais e amadores de todo o mundo. 

Recentemente, o número de ocultações estelares observadas tem vindo a aumentar. Isto deve-se, em grande parte, à contribuição dos dados da missão de mapeamento Gaia da ESA. A nave espacial proporcionou uma precisão tão impressionante nas suas posições estelares que as previsões feitas pela equipe do Lucky Star se tornaram muito mais precisas.

A primeira vez que a equipe tentou observar uma ocultação com o CHEOPS, que envolveu Plutão, a previsão não era suficientemente precisa, pelo que não pôde ser observada nenhuma ocultação. Contudo, o alinhamento foi mais favorável na segunda tentativa, quando observaram Quaoar. Durante esta observação, fizeram a primeira detecção, de uma ocultação estelar por um objeto transnetuniano a partir do espaço.

O CHEOPS fornece uma excelente relação sinal-ruído porque o telescópio não está olhando através dos efeitos de distorção da atmosfera inferior da Terra. Esta claridade provou ser decisiva no reconhecimento do sistema de anéis de Quaoar porque permitiu eliminar a possibilidade de que as quedas de luz fossem provocadas por um efeito da atmosfera da Terra. 

Ao combinar várias detecções secundárias, efetuadas com telescópios na Terra, foi possível ter a certeza de que eram provocadas por um sistema de anéis em redor de Quaoar. Bruno Morgado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, liderou a análise. Ele combinou os dados do CHEOPS com os de grandes observatórios profissionais de todo o mundo e de cientistas cidadãos amadores, todos eles tendo observado Quaoar ocultando várias estrelas ao longo dos últimos anos. 

Quando foi unidas todas as observações, foram notadas quedas de brilho que não eram provocadas por Quaoar, mas que apontavam para a presença de material numa órbita circular. 

Quando se trata de sistemas de anéis, o planeta gigante Saturno é rei. Saturno ostenta uma coleção de poeira e pequenas luas que circundam o equador do planeta. Apesar de ser uma visão impressionante, a massa do sistema de anéis é bastante pequena. No total, corresponde entre 1/3 e metade da massa da lua de Saturno, Mimas, ou cerca de metade da massa da camada de gelo na Antártida. 

O anel de Quaoar é muito menor que o de Saturno, mas não menos intrigante. Não é o único sistema de anéis conhecido em torno de um planeta anão ou planeta menor. Os outros dois - em torno de Chariklo e Haumea, foram detectados através de observações terrestres. Porém, o que torna o anel de Quaoar único é onde se encontra relativamente ao próprio Quaoar.

Qualquer objeto celeste com um campo gravitacional apreciável terá um limite dentro do qual um objeto em aproximação será dilacerado. Isto é conhecido como o limite de Roche. Espera-se que existam sistemas de anéis dentro do limite de Roche, que é o caso de Saturno, Chariklo e Haumea.

Assim sendo, o que torna esta descoberta tão intrigante em torno de Quaoar é que o anel de material está muito mais longe do que o limite de Roche. Isto é um mistério porque, de acordo com o pensamento convencional, os anéis para lá do limite de Roche acabam por coalescer numa pequena lua em apenas algumas décadas. Como resultado das nossas observações, a noção clássica de que os anéis densos sobrevivem apenas dentro do limite de Roche de um corpo planetário tem que ser profundamente revista. 

Os resultados iniciais sugerem que as temperaturas geladas em Quaoar podem desempenhar um papel ao prevenir que as partículas se mantenham juntas, mas são necessárias mais investigações.

Um artigo foi publicado na revista Nature

Fonte: ESA

sábado, 11 de julho de 2020

O poder coletivo dos corpos escuros e gelados do Sistema Solar

Os confins do nosso Sistema Solar são um lugar estranho, cheios de corpos escuros e gelados com alcunhas como Sedna, Biden e Goblin, cada um dos quais com várias centenas de quilômetros de diâmetro.


© JILA/Steven Burrows (corpos separados do Sistema Solar)

Dois novos estudos realizados por pesquisadores da Universidade do Colorado em Boulder, EUA, podem ajudar a resolver um dos maiores mistérios sobre estes mundos distantes: o porquê de tantos não orbitarem o Sol da maneira que deviam.

As órbitas destes extravagantes corpos menores, que os cientistas chamam de "objetos separados", inclinam-se e desviam-se do plano do Sistema Solar, entre outros comportamentos incomuns.

Alguns cientistas sugeriram que um objeto muito grande podia ser o culpado, como o conhecido planeta teórico, "Planeta Nove", por espalhar objetos no seu rastro. Mas pode ser um objeto menor.

Baseando-se em simulações exaustivas de computador, os pesquisadores defendem que estes objetos separados podem eles próprios ter perturbado as suas órbitas, através de pequenos impulsos gravitacionais acumulados ao longo de milhões de anos.

O Sistema Solar exterior é muito escuro. Normalmente, a única maneira de observar estes objetos é quando os raios solares colidem com a sua superfície e são dirigidos para os telescópios terrestres.

Enquanto a maior parte dos corpos no Sistema Solar tendem a orbitar o Sol num disco achatado, as órbitas destes mundos gelados podem ter grandes inclinações. Muitos também tendem a agrupar-se apenas numa região do céu noturno, um pouco semelhante a uma bússola que aponta apenas para o norte.

No processo foi descoberto algo incomum: os objetos gelados nas simulações começaram a orbitar o Sol como normal. Mas, com o tempo, começaram a empurrar e a puxarem-se uns aos outros. Como resultado, as suas órbitas foram ficando esquisitas até parecem-se com as órbitas reais. O mais notável foi que fizeram isto tudo sozinhos, os asteroides e os planetas menores não precisavam de um planeta grande para os impelir para órbitas fora do comum.

Individualmente, todas as interações gravitacionais entre estes corpos pequenos são fracas; mas, em grande número, tornam-se importantes.

As descobertas também vêm com uma grande ressalva. Para fazer com que a teoria de "gravidade coletiva" funcione, o Sistema Solar exterior já precisou de conter uma enorme quantidade de material. Estes objetos devem totalizar algo na ordem das 20 massas terrestres.

De uma forma ou de outra, os cientistas podem em breve ter mais certezas. Um novo telescópio, denominado Observatório Vera C. Rubin, vai em 2022 entrar em funcionamento no Chile e começar a observar novos aspectos sobre esta região tão desconhecida do espaço.

Os resultados foram publicados nos periódicos The Astronomical Journal e The Astronomical Journal Letters.

Fonte: University of Colorado

terça-feira, 17 de março de 2020

Descobertos novos planetas menores localizados além de Netuno

Usando dados do DES (Dark Energy Survey) instalado no telescópio Blanco, pesquisadores descobriram mais de 300 objetos transnetunianos (OTNs), planetas menores localizados nos confins do Sistema Solar, incluindo mais de 100 novas descobertas.


© Fermilab/Reidar Hahn (cúpula do telescópio Blanco)

O estudo também descreve uma nova abordagem para encontrar tipos semelhantes de objetos e pode ajudar pesquisas futuras do hipotético Planeta Nove e de outros planetas não descobertos. O trabalho foi executado por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, EUA.

O objetivo do DES, que completou em janeiro seis anos de recolhimento de dados, é entender a natureza da energia escura, obtendo imagens de alta resolução do céu do hemisfério sul. Embora o DES não tenha sido desenhado especificamente para os OTNs, a sua abrangência e profundidade de cobertura tornaram-no particularmente hábil em encontrar novos objetos localizados além de Netuno.

Dado que o DES foi projetado para estudar galáxias e supernovas, os pesquisadores tiveram que desenvolver uma nova maneira de rastrear movimento. Dois levantamentos dedicados a OTNs recolhem medições com a frequência de uma ou duas horas, o que permite que os cientistas sigam mais facilmente os seus movimentos.

Usando os primeiros quatros anos de dados do DES, foi obtido inicialmente um conjunto de dados de 7 bilhões de 'pontos', todos os possíveis objetos detectados pelo software que estavam acima dos níveis de fundo da imagem. Seguidamente, removeu quaisquer objetos presentes em noites múltiplas - objetos como estrelas, galáxias e supernovas - para criar uma lista "transiente" de 22 milhões de objetos antes de iniciar um jogo massivo de "liga os pontos", procurando pares ou trios de objetos detectados a fim de ajudar a determinar onde o objeto apareceria nas noites subsequentes.

Para filtrar a lista de candidatos até OTNs reais, os pesquisadores voltaram ao conjunto de dados originais para ver se conseguiam encontrar mais imagens do objeto em questão.

Os pesquisadores desenvolveram uma maneira de "empilhar" várias imagens para criar uma visão mais nítida, o que ajudou a confirmar se um objeto detectado era um OTN real. Também verificaram que o seu método era capaz de observar OTNs conhecidos nas áreas do céu em estudo e foram capazes de detectar objetos falsos injetados na análise.

Após muitos meses de desenvolvimento de método e de análise, os cientistas encontraram 316 OTNs, incluindo 245 descobertas feitas pelo DES e 139 novos objetos que não tinham sido publicados anteriormente. Com apenas 3.000 objetos atualmente conhecidos, este catálogo DES representa 10% de todos os objetos transnetunianos conhecidos. Plutão, o OTN mais famoso, está 40 vezes mais distante do Sol do que a Terra, e os OTNs encontrados usando os dados do DES estão entre 30 e 90 vezes a distância Terra-Sol. Alguns destes objetos estão em órbitas extremamente longas que os levam muito além de Plutão.

Agora que o DES está completo, os pesquisadores estão executando novamente a sua análise de todo o conjunto de dados do DES, desta vez com um limite mais baixo para a detecção de objetos no primeiro estágio de filtragem. Isto significa que há um potencial ainda maior para, no futuro próximo, encontrar novos OTNs, possivelmente até 500, com base nestas estimativas.

O método desenvolvido também pode ser usado para procurar OTNs nos próximos levantamentos astronômicos, incluindo o do novo Observatório Vera C. Rubin. Este observatório vai examinar todo o céu do hemisfério sul e será capaz de detectar objetos ainda mais fracos e mais distantes do que o DES.

Este catálogo de OTNs também será uma ferramenta científica útil para pesquisas futuras do Sistema Solar. Dado que o DES recolhe um amplo espectro de dados sobre cada objeto detectado, os pesquisadores podem tentar descobrir a origem do objeto transnetuniano, tendo em conta que se espera que objetos que se formam mais perto do Sol tenham cores diferentes daqueles formados em regiões mais distantes e mais frias. E, ao estudar as órbitas destes objetos, os cientistas podem estar um passo mais perto de encontrar o Planeta Nove, um planeta hipotético do tamanho de Netuno que se pensa existir para além de Plutão.

Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal.

Fonte: University of Pennsylvania

sábado, 26 de janeiro de 2019

Órbitas misteriosas nos confins do Sistema Solar

As estranhas órbitas de alguns objetos nas áreas mais distantes do nosso Sistema Solar, que alguns astrônomos teorizam serem moldadas por um nono planeta ainda por descobrir, podem ao invés ser explicadas pela força gravitacional combinada de pequenos objetos que orbitam o Sol localizados além de Netuno.


© ESO/M. Kornmesser (ilustração da região do Cinturão de Kuiper)

A explicação alternativa à hipótese denominada de "Planeta Nove", apresentada por pesquisadores da Universidade de Cambridge e da Universidade Americana de Beirute, propõe um disco composto por pequenos corpos gelados com uma massa combinada equivalente a dez massas terrestres. Quando combinada com um modelo simplificado do Sistema Solar, as forças gravitacionais do disco teorizado podem explicar a arquitetura orbital incomum exibida por alguns objetos nos limites exteriores do Sistema Solar.

Embora a nova teoria não seja a primeira a propor que as forças gravitacionais de um disco massivo constituído por objetos pequenos podem evitar a necessidade de um nono planeta, é a primeira teoria capaz de explicar as características significativas das órbitas observadas tendo em conta a massa e a gravidade dos outros oito planetas do nosso Sistema Solar.

Para além da órbita de Netuno, encontramos o Cinturão de Kuiper, composta por corpos pequenos remanescentes da formação do Sistema Solar. Netuno e os outros planetas gigantes influenciam gravitacionalmente os objetos no Cinturão de Kuiper e além, conhecidos coletivamente como Objetos Transnetunianos (TNOs), que rodeiam o Sol em órbitas quase circulares e em quase todas as direções.

No entanto, os astrônomos descobriram alguns aspectos misteriosos. Desde 2003 que foram localizados cerca de 30 TNOs em órbitas altamente elípticas: destacam-se do resto dos TNOs partilhando, em média, a mesma orientação espacial. Este tipo de agrupamento não pode ser explicado pela arquitetura existente do Sistema Solar com oito planetas e levou alguns astrônomos a supor que as órbitas incomuns podem ser influenciadas pela existência de um nono planeta ainda desconhecido.

A hipótese do "Planeta Nove" sugere que, para explicar as órbitas incomuns destes TNOs, teria que haver outro planeta, que se acredita ser dez vezes mais massivo do que a Terra, escondido nos confins distantes do Sistema Solar e acompanhando os TNOs na mesma direção através do efeito combinado da sua gravidade e da do resto do Sistema Solar.

O professor Jihad Touma, da Universidade Americana de Beirute, e o seu ex-aluno Sefilian modelaram a dinâmica espacial completa dos TNOs com a ação combinada dos planetas exteriores gigantes e um grande disco massivo localizados além de Netuno. Os cálculos desta dupla de cientistas, que surgiram de um seminário na Universidade Americana de Beirute, revelaram que tal modelo pode explicar as órbitas perplexas espacialmente agrupadas de alguns TNOs. No processo, foram capazes de identificar variedades na massa do disco, a sua excentricidade e mudanças graduais forçadas nas suas orientações (precessão), que reproduziram com precisão as órbitas dos TNOs.

As tentativas anteriores de estimar a massa total dos objetos localizados além de Netuno apenas contribuíram para cerca de um-décimo da massa da Terra. No entanto, para que os TNOs tenham as órbitas observadas e para que não exista um Planeta Nove, o modelo apresentado por Sefilian e Touma requer que a massa combinada do Cinturão de Kuiper esteja entre algumas a dez vezes a massa da Terra.

"Ao observar outros sistemas, muitas vezes estudamos o disco em torno da estrela hospedeira para inferir as propriedades de quaisquer planetas em órbita. O problema é que quando observamos o disco a partir do interior do sistema, é quase impossível ver o seu todo de uma só vez. Embora não tenhamos evidências observacionais diretas do disco, também não as temos para o Planeta Nove, razão pela qual estamos investigando outras possibilidades. No entanto, é interessante notar que as observações de análogos do Cinturão de Kuiper em torno de outras estrelas, bem como de modelos de formação planetária, revelam populações remanescentes massivas de detritos," disse Sefilian.

"Também é possível que ambos os cenários possam ser verdadeiros, pode haver um disco massivo e um nono planeta. Com a descoberta de cada novo TNO, reunimos mais evidências que podem ajudar a explicar o seu comportamento."

Os resultados foram divulgados na revista científica The Astronomical Journal.

Fonte: University of Cambridge

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

New Horizons explora Ultima Thule

A sonda New Horizons da NASA passou por Ultima Thule nas primeiras horas do dia de Ano Novo, inaugurando a era da exploração do enigmático Cinturão de Kuiper, uma região de objetos primordiais que detém a chave para entender as origens do Sistema Solar.

Ultima Thule

© NASA/JHUAPL/SwRI (Ultima Thule)

Os sinais com dados científicos de Ultima Thule chegaram ao centro de operações da missão no Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins, às 13:29 (BRST) do dia 1, quase 10 horas depois da maior aproximação da New Horizons pelo objeto.

"A New Horizons teve um desempenho como planejado, concluindo a exploração mais longínqua de um objeto na história da Humanidade, a 6,4 bilhões de quilômetros do Sol," disse o pesquisador principal Alan Stern, do Southwest Research Institute (SwRI). "Os dados que temos parecem fantásticos e já estamos aprendendo mais sobre Ultima Thule de perto. A partir daqui os dados vão ficar cada vez melhores!"

Os cientistas da missão New Horizons da NASA divulgaram as primeiras imagens detalhadas do objeto mais distante já explorado. A sua aparência notável, diferente de tudo o que já vimos antes, ilumina os processos que construíram os planetas há 4,5 bilhões de anos.

"Nunca antes tinha uma nave espacial estudado um corpo tão pequeno, a uma velocidade tão elevada, tão longe nos confins do Sistema Solar. A New Horizons estabeleceu um novo marco para a navegação espacial de última geração," disse Stern.

As novas imagens obtidas a uma distância de 27.000 km revelaram Ultima Thule como um "binário de contato", consistindo de duas esferas ligadas. De ponta a ponta, mede 31 km. A equipe apelidou a esfera maior de "Ultima" (19 km de comprimento) e a menor de "Thule" (14 km de comprimento).

As duas esferas provavelmente uniram-se logo no início da formação do Sistema Solar, colidindo a uma velocidade não superior à de um pequeno acidente entre dois automóveis.

Os dados recebidos já resolveram um dos mistérios de Ultima Thule, mostrando que o objeto do Cinturão de Kuiper gira como uma hélice, com o eixo apontando aproximadamente na direção da New Horizons. Isso explica porque, em imagens obtidas anteriormente, o seu brilho não parecia variar à medida que girava. A equipe ainda não determinou o período de rotação.

Outras características de Ultima Thule foram observadas, tais como:

  • Não existem evidências de anéis ou satélites com mais de 1,6 km em órbita de Ultima Thule;
  • Não existem evidências de uma atmosfera;
  • A cor de Ultima Thule coincide com a cor de mundos parecidos no Cinturão de Kuiper, como determinado por medições telescópicas;
  • Os dois lóbulos de Ultima Thule são quase idênticos em termos de cor. Isto coincide com o que sabemos sobre sistemas binários que ainda não entraram em contato um com o outro, mas que orbitam, ao invés, um ponto gravitacional comum.

"A New Horizons é como uma máquina do tempo, levando-nos de volta ao nascimento do Sistema Solar. Estamos vendo uma representação física do início da formação planetária, congelada no tempo," comenta Jeff Moore, líder da equipe de Geologia e Geofísica da New Horizons. "O estudo de Ultima Thule está nos ajudando a entender como os planetas se formam, tanto aqueles no nosso Sistema Solar como aqueles em órbita de outras estrelas da Via Láctea."

A sonda New Horizons continuará transmitindo imagens e outros dados nos próximos dias e meses, completando o envio de todos os dados científicos em 20 meses, com imagens de muito maior resolução ainda por vir. Em 2015, a sonda começou a sua exploração do Cinturão de Kuiper com uma passagem por Plutão e pelas suas luas. Quase 13 anos após o lançamento, a sonda vai continuar  explorando o Cinturão de Kuiper até pelo menos 2021. Os membros da equipe planejam propor a exploração de ainda outro objeto do Cinturão de Kuiper além de Ultima Thule.

Fonte: Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Será que o próximo alvo da New Horizons tem uma lua?

O próximo alvo rasante da New Horizons, um objeto transnetuniano do Cinturão de Kuiper a mais de um bilhão de quilômetros para além de Plutão, pode ou ter a forma de um amendoim ou até mesmo ser dois objetos em órbita um do outro. Agora, novos dados sugerem que o 2014 MU69 pode ter companhia orbital: uma pequena lua.

ilustração do 2014 MU69 e de uma pequena lua

© NASA/JHUAPL/SwRI (ilustração do 2014 MU69 e de uma pequena lua)

Esta é a teoria mais recente da equipe da New Horizons da NASA, à medida que continua analisando os dados telescópicos do alvo para o voo rasante do Dia de Ano Novo de 2019. "Nós realmente só saberemos o aspeto do MU69 quando passarmos lá perto, até só podemos entendê-lo completamente depois do encontro," afirma Marc Buie, membro da equipe científica da New Horizons, do SwRI (Southwest Research Institute) em Boulder, no estado norte-americano do Colorado, que forneceu uma atualização sobre a análise de MU69 esta semana na American Geophysical Union Fall Meeting em Nova Orleans.

Os dados que levaram a estas pistas sobre a natureza do MU69 foram obtidos ao longo de seis semanas em junho e julho, quando a equipe fez três tentativas para colocar telescópios na estreita sombra do MU69 quando este passava em frente de uma estrela. O reconhecimento mais valioso ocorreu no dia 17 de julho, quando cinco telescópios montados na Argentina estiveram no lugar certo, no momento certo, para captar esta ocultação, e captar dados importantes sobre o tamanho, forma e órbita do MU69. Estes dados levantaram a possibilidade do MU69 ser dois objetos de tamanho semelhante, ou seja, um binário.

A perspetiva de que o MU69 possa ter uma lua surgiu de dados obtidos durante uma ocultação diferente no dia 10 de julho, pelo observatório aéreo SOFIA (Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy) da NASA. Focado na localização esperada do MU69 enquanto voava sobre o Oceano Pacífico, o SOFIA detectou o que parecia ser uma queda muito curta na luz da estrela. Buie disse que uma análise mais aprofundada destes dados, incluindo a sincronização com cálculos da órbita do MU69 fornecidos pela missão Gaia da ESA, abre a possibilidade que a ocultação detectada pelo SOFIA possa ser outro objeto em torno do MU69.

"Um binário com uma lua menor também pode ajudar a explicar as mudanças que vimos na posição do MU69 durante estas várias ocultações," acrescenta Buie. "É tudo muito sugestivo, mas é outro passo no nosso trabalho para obter uma imagem clara do MU69 antes da passagem rasante da New Horizons, daqui a pouco mais de um ano."

"Este voo rasante será o mais distante da história da exploração espacial. O antigo objeto do Cinturão de Kuiper conhecido como MU69, descoberto em 2014, está a mais de 6,5 bilhões de quilômetros da Terra. Parece não ter mais que 30 km em comprimento ou, caso seja um binário, cada corpo terá entre 15 e 20 km em diâmetro. Tal como outros objetos do Cinturão de Kuiper, o MU69 fornece um olhar de perto sobre os restos do antigo processo de construção planetária, mundos pequenos que contêm pistas críticas para a formação do Sistema Solar exterior.

Fonte: NASA