Os avanços da astronomia criaram um problema inusitado de taxonomia estelar, ou seja, de classificação de objetos.
© John Pinfield (ilustração de estrelas e exoplaneta)
Com a melhoria da capacidade dos instrumentos científicos, mas também dos modelos teóricos de formação de estrelas, os astrônomos continuamente foram empurrando o limite inferior de massa das estrelas. Simplificando, astrônomos foram descobrindo cada vez mais estrelas cada vez menores. Aí surgiu a discussão, qual deveria ser o valor da massa mínima para que um corpo celeste pudesse ser classificado como estrela.
Por definição, um corpo celeste é considerado estrela se ele tem massa suficiente para produzir energia através de fusão nuclear, juntando átomos de hidrogênio e formando átomos de hélio, nos casos mais simples. É possível haver fusão de átomos mais pesados se fundindo em outros mais pesados ainda, no interior de estrelas de muita massa. Com esse processo é possível produzir até átomos de ferro. Por conta dos detalhes da física nuclear, produzir átomos mais pesados que o ferro não gera energia, mas sim a consome. Se a estrela chega a esse ponto ela se torna uma supernova, numa explosão tão poderosa que pode criar uma estrela de nêutrons ou mesmo um buraco negro, mas também produz todos os elementos da tabela periódica.
Mas, qual o valor da massa que um corpo celeste deve ter para que as condições necessárias para haver fusão de nuclear ocorra?
Modelos teóricos dizem que 75 vezes a massa de Júpiter, mas esse valor pode variar, e muito, de acordo com a composição química da estrela. Para piorar, em 1988 foi descoberto um objeto de massa sub estelar que foi classificado como uma anã marrom. Essa classe de objetos têm massas variando entre 12 e 80 vezes a massa de Júpiter. Isso é muito pouco para produzir a fusão do hidrogênio comum, mas com 13 massas de Júpiter, um corpo é capaz de fundir o deutério, um isótopo do átomo de hidrogênio. As anãs marrons com mais de 65 massas de Júpiter conseguem fundir átomos de lítio.
E aí? Como fica agora? Se a definição inicial dizia que uma estrela é o corpo celeste que consegue produzir energia por fusão nuclear, as anãs marrons não deveriam ser consideradas estrelas? Ou esses corpos deveriam ser considerados Júpiteres gigantes? Alguns astrônomos acham que não, aqueles que pensam justamente nos processos de fusão nuclear dizem que são estrelas. Já outros, que pensam nos processos de formação de estrelas acham que sim, que não passam de Júpiteres bombados.
Polêmicas à parte, o que ocorre é que não existe uma linha bem definida que separe estrelas de exoplanetas, mas sim uma extensa faixa cinza. Para se ter uma ideia, a anã marrom mais massiva tem 29 vezes a massa de Júpiter, portanto é capaz de produzir energia através da fusão nuclear de deutério, mas é considerado o exoplaneta mais massivo já descoberto.
Bom, se já é difícil dizer quem é Júpiter gigante e quem é estrela, o que dizer de um corpo celeste que tenha nascido com cara de estrela, mas hoje poderia ser classificado como planeta?
Esse é o caso do objeto WISE J0304-2705, descoberto por um grupo internacional de astrônomos liderado por David Pinfeld da Universidade de Hertfordshire, Inglaterra. Classificado inicialmente como uma anã marrom da classe mais fria possível, o espectro de J0304 mostrou que ele tinha características de uma estrela muito antiga e que passou por um processo de esfriamento ao longo de bilhões de anos e hoje é quente o suficiente para ferver água, apenas.
De acordo com a linha do tempo traçada por Pinfeld e colaboradores, durante os primeiros 20 milhões de anos de vida dessa (ainda) estrela, sua temperatura era de 2.800 graus Celsius, o mesmo que uma anã vermelha. Depois de 100 milhões de anos a temperatura baixou para 1.500 graus e nuvens de silicatos começaram a se condensar em sua atmosfera. Com uma idade de um bilhão de anos a temperatura já era de 1.000 graus, fazendo com que nuvens de metano e vapor d'água trouxessem as características típicas de uma anã marrom. Desde então, J0304 esfriou até chegar a uma temperatura entre 100 e 150 graus Celsius.
Esse objeto tem entre 20 a 30 vezes a massa de Júpiter, o que a faria uma anã marrom, mas com uma temperatura baixa assim, lembre-se que Vênus tem por volta de 450 graus, J0304 está mais para um planeta e não pode realizar qualquer fusão nuclear. Situado a uma distância entre 33 e 55 anos luz de distância, esse é o primeiro objeto conhecido a cruzar a linha cinza entre estrelas e planetas e é o primeiro caso de uma estrela que virou planeta.
Fonte: Globo G1
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