À primeira vista, Ceres, o maior corpo no cinturão de asteroides, pode não parecer gelado.
© NASA/JPL-Caltech (Ceres)
As imagens obtidas pela sonda Dawn da NASA, que está atualmente voando numa órbita elíptica a mais de 7.200 km de Ceres, revelaram um mundo escuro e altamente craterado cuja área mais brilhante é composta por sais altamente refletivos, e não gelo. Mas estudos recentemente publicados por cientistas da Dawn mostram duas linhas distintas de evidência para gelo à superfície ou perto da superfície do planeta anão. Os pesquisadores apresentaram os seus achados na reunião da União Geofísica Americana de 2016 em San Francisco.
"Estes estudos suportam a ideia que o gelo se separou da rocha no início da história de Ceres, formando uma camada crustal rica em gelo, e que o gelo permaneceu perto da superfície durante o resto da história do Sistema Solar," comenta Carol Raymond, pesquisadora principal adjunta da missão Dawn, no Jet Propulsion Laboratory (JPL) da NASA em Pasadena, no estado norte-americano da Califórnia.
A água gelada em outros corpos planetários é importante porque é um ingrediente essencial para a vida como a conhecemos. "Ao encontrarmos corpos ricos em água no passado distante, podemos descobrir pistas sobre onda a vida pode ter existido no início do Sistema Solar," realça Raymond.
A superfície de Ceres é rica em hidrogênio, com uma maior concentração em latitudes médias e altas, consistente com grandes extensões de água gelada.
"Em Ceres, o gelo não está apenas localizado em algumas crateras. Está em toda a parte e está mais próximo da superfície a latitudes mais altas," afirma Thomas Prettyman, pesquisador principal do instrumento GRaND (Gamma Ray and Neutron Detector) da Dawn, que pertence ao Instituto de Ciências Planetárias em Tucson, Arizona, EUA.
Os pesquisadores usaram o instrumento GRaND para determinar as concentrações de hidrogênio, ferro e potássio até um metro de profundidade em Ceres. O GRaND mede o número e energia de raios gama e nêutrons emanados de Ceres. Os nêutrons são produzidos à medida que os raios cósmicos galácticos interagem com a superfície de Ceres. Alguns são absorvidos pela superfície enquanto outros conseguem escapar. Dado que o hidrogênio diminui a velocidade dos nêutrons, está associado com a fuga de um menor número de nêutrons. Em Ceres, o hidrogênio está provavelmente na forma de água gelada.
Em vez de uma camada sólida de gelo, é provável que exista uma mistura porosa de materiais rochosos na qual o gelo preenche os poros, descobriram os cientistas. Os dados do GRaND mostram que o gelo corresponde a cerca de 10% da massa da mistura.
"Estes resultados confirmam previsões feitas há quase três décadas de que o gelo pode sobreviver durante bilhões de anos logo abaixo da superfície de Ceres," realça Prettyman. "A evidência reforça o caso para a presença de água gelada perto da superfície em outros asteroides do cinturão principal."
As concentrações de ferro, hidrogênio, potássio e carbono fornecem evidências adicionais de que a camada superior de material que cobre Ceres foi alterada por água líquida no interior de Ceres. Os cientistas teorizam que o decaimento de elementos radioativos no interior de Ceres produziu calor que dirigiu este processo de alteração, separando Ceres num interior rochoso e numa camada gelada exterior. A separação do gelo e da rocha levaria a diferenças na composição química da superfície e do interior de Ceres.
Dado que a classe de meteoritos a que chamamos condritos carbonáceos também foram alterados por água, os cientistas estão interessados em compará-los com Ceres. Estes meteoritos provavelmente vêm de corpos menores que Ceres, que tiveram fluxos líquidos limitados, de modo que podem fornecer pistas sobre a história do interior de Ceres. O estudo publicado na revista Science mostra que Ceres tem mais hidrogênio e menos ferro do que estes meteoritos, talvez porque as partículas mais densas afundaram-se enquanto os materiais ricos em salmoura subiram até à superfície. Alternativamente, Ceres ou os seus componentes podem ter-se formado numa região diferente do Sistema Solar do que os meteoritos.
Um segundo estudo, liderado por Thomas Platz do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar, em Göttingen, Alemanha, e publicado na revista Nature Astronomy, focou-se em crateras permanentemente à sombra no hemisfério norte de Ceres. Os cientistas examinaram cuidadosamente centenas destas crateras frias e escuras, algumas com menos de –160 ºC, tão frias que muito pouco do gelo se transforma em vapor ao longo de bilhões de anos. Foram encontrados depósitos de material brilhante em 10 destas crateras. Numa cratera parcialmente iluminada, o espectrômetro de mapeamento infravermelho da Dawn confirmou a presença de gelo.
Isto sugere que a água gelada pode ser armazenada em crateras escuras e frias em Ceres. O gelo nestas armadilhas frias já tinha sido avistado em Mercúrio e, em alguns casos, na Lua. Todos estes corpos têm inclinações muito pequenas em relação aos seus eixos de rotação, de modo que os seus polos são extremamente frios e salpicados com crateras permanentemente à sombra. Os cientistas acreditam que corpos impactantes podem ter entregado gelo a Mercúrio e à Lua. As origens do gelo nas armadilhas frias de Ceres são, no entanto, mais misteriosas.
"Estamos interessados em saber como este gelo aí chegou e como conseguiu durar tanto tempo," acrescenta Norbert Schorghofer da Universidade do Havaí. "Pode ter vindo da crosta rica em gelo de Ceres, ou pode ter sido entregue a partir do espaço."
Independentemente da sua origem, as moléculas de água em Ceres têm a capacidade de pular de regiões mais quentes para os polos. Uma pesquisa anterior sugeriu uma tênue atmosfera de água, incluindo observações do vapor de água de Ceres realizadas pelo Observatório Espacial Herschel em 2012-13. As moléculas de água que deixam a superfície caem de volta para Ceres e podem aterrar nas armadilhas frias. Com cada salto existe uma hipótese de que a molécula seja perdida para o espaço, mas uma parte delas acaba nas armadilhas frias, onde se acumulam.
A área mais brilhante de Ceres, no interior da cratera Occator do hemisfério norte, não brilha por causa do gelo, mas sim por causa de sais altamente refletivos. A brilhante região central de Occator, que inclui uma abóbada com fraturas, recebeu recentemente o nome de Cerealia Facula. O conjunto de manchas menos refletivas chama-se Vinalia Faculae.
Fonte: Jet Propulsion Laboratory
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