A partir dos seus laboratórios, num planeta rochoso superado pela vastidão do espaço, cientistas da Universidade de Clemson conseguiram medir toda a luz estelar já produzida ao longo da história do Universo observável.
© NASA/LAT (mapa do céu em raios gama)
Este mapa construído através de observações pelo Large Area Telescope (LAT) do Fermi mostra como o céu em raios gama aparece em energias acima dos 10 bilhões eV (elétron-volt). O plano da Via Láctea percorre o meio da imagem. As cores mais brilhantes indicam fontes mais brilhantes de raios gama.
Os astrofísicos pensam que o nosso Universo, que tem cerca de 13,7 bilhões de anos, começou a formar as primeiras estrelas quando tinha algumas centenas de milhões de anos. Desde então, o Universo tornou-se numa verdadeira máquina de fazer estrelas. Existem agora aproximadamente 2 trilhões (2x1012) de galáxias e um septilhão (1x1024) de estrelas. Usando novos métodos de medição de luz estelar, o astrofísico Marco Ajello e a sua equipe analisaram dados do telescópio espacial de raios gama Fermi da NASA para determinar a história da formação estelar durante a maior parte do tempo de vida do Universo.
Colocar um número na quantidade de luz estelar já produzida tem várias variáveis que dificultam a quantificação em termos simples. Mas, de acordo com a nova medição, o número de fótons (partículas de luz visível) que escaparam para o espaço após serem emitidos pelas estrelas traduz-se em 4x1084!
Apesar deste número estupendamente grande, é interessante notar que, à exceção da luz que vem do nosso próprio Sol e da Galáxia, o resto da luz estelar que alcança a Terra é extremamente fraca, equivalente a uma lâmpada de 60 watts, vista em completa escuridão, a cerca de 4 km de distância. Isto porque o Universo é quase incompreensivelmente grande. É também por isso que o Universo é escuro à noite, além da luz da Lua, das estrelas visíveis do brilho fraco da Via Láctea.
O telescópio espacial de raios gama Fermi foi lançado em órbita no dia 11 de junho de 2008 e recentemente comemorou o seu 10.º aniversário. É um poderoso observatório que forneceu quantidades enormes de dados sobre raios gama (a forma mais energética de luz) e sobre a sua interação com a luz extragalática de fundo, que é uma névoa cósmica composta por toda a luz ultravioleta, visível e infravermelha emitida por estrelas ou poeira na sua vizinhança. Ajello e o colega de pós-doutoramento Vaidehi Paliya analisaram quase nove anos de dados referentes a sinais de raios gama de 739 blazares.
Os blazares são galáxias contendo buracos negros que são capazes de liberar jatos estreitamente colimados de partículas energéticas que saltam das suas galáxias e cruzam o cosmos quase à velocidade da luz. Quando um destes jatos está, fortuitamente, apontado diretamente para a Terra, é detectável mesmo quando tem uma origem muito distante. Os fótons de raios gama produzidos dentro dos jatos eventualmente colidem com a névoa cósmica, deixando uma impressão observável. Isso permitiu que a equipe de Ajello medisse a densidade do nevoeiro, não apenas num determinado local, mas também num determinado momento da história do Universo.
Ao medir o número de fótons absorvidos, os pesquisadores foram capazes de medir a espessura da névoa e medir também, em função do tempo, quanta luz havia em toda a faixa de comprimentos de onda.
Usando levantamentos galácticos, a história da formação estelar do Universo é estudada há décadas. Mas um obstáculo enfrentado por pesquisas anteriores era que algumas galáxias estavam muito distantes, ou eram muito fracas, para qualquer telescópio atual as detectar. Isto obrigou os cientistas a estimar a luz das estrelas produzida por estas galáxias distantes, em vez de a registar diretamente.
A equipe de Ajello conseguiu contornar isso usando os dados do LAT do Fermi para analisar a luz extragalática de fundo. A luz estelar que escapa das galáxias, incluindo as mais distantes, acaba eventualmente por se tornar parte da luz extragalática de fundo. Portanto, as medições precisas desta névoa cósmica, que só recentemente foram possíveis, eliminaram a necessidade de estimar as emissões de luz de galáxias ultradistantes.
Paliya realizou a análise de raios gama de todos os 739 blazares, cujos buracos negros são milhões a bilhões de vezes mais massivos que o nosso Sol.
Quando os raios gama altamente energéticos colidem com luz visível de baixa energia, transformam-se em pares de elétrons e pósitrons. Segundo a NASA, a capacidade do Fermi em detectar raios gama através de uma ampla gama de energias torna-o especialmente adequado para mapear a névoa cósmica. Estas interações de partículas ocorrem ao longo de distâncias cósmicas imensas, o que permitiu que o grupo de Ajello investigasse mais profundamente do que nunca a produtividade de formação estelar no Universo.
Os cientistas há muito tempo que tentam medir a luz extragalática de fundo. No entanto, fontes muito luminosas no plano da frente, como a luz zodiacal (que é luz espalhada pela poeira no Sistema Solar) tornavam esta medição muito complexa.
A formação estelar, que ocorre quando regiões densas de nuvens moleculares colapsam e formam estrelas, atingiu o pico há 11 bilhões de anos. Mas embora o nascimento de novas estrelas tenha diminuído desde então, nunca cessou. Por exemplo, na nossa Via Láctea nascem cerca de sete novas estrelas por ano.
A formação estelar é um grande ciclo cósmico de reciclagem de energia, matéria e metais. É o motor do Universo. Sem a evolução estelar, não teríamos os elementos fundamentais necessários para a existência da vida.
A compreensão da formação estelar também tem ramificações para outras áreas de estudo astronômico, incluindo pesquisas sobre a poeira cósmica, evolução galáctica e matéria escura. A análise da equipe irá fornecer missões futuras com uma diretriz para explorar os primeiros dias da evolução estelar, como o telescópio espacial James Webb, com lançamento previsto para 2021 e que vai permitir com que os cientistas busquem a formação de galáxias primordiais.
Um artigo foi publicado na revista Science.
Fonte: Clemson University
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