Eventos como os GRBs, que despejam em 10 segundos energia equivalente à que toda a Via Láctea emite em um século, eram sérias ameaças ao surgimento da vida. Só a partir de 4 bilhões de anos o Sistema Solar teria experimentado condições mais seguras.
© NASA/Swift/Cruz deWilde (ilustração de uma GRB alcançando a Terra)
Para entender como a vida surgiu na Terra, os cientistas têm procurado avaliar todos os possíveis fatores que permitem que ela se forme e se mantenha, desde os mais microscópicos e locais até os de dimensões verdadeiramente cósmicas.
Agora, um novo estudo sugere que, na verdade, até seis bilhões de anos atrás o Sistema Solar estava posicionado numa região perigosa para o surgimento da vida. Nesta época, a parte central da nossa galáxia, onde está a Terra, era varrida por intensas explosões de raios gama, capazes de destruir formas incipientes de vida. E talvez uma destas explosões tenha realmente contribuído para um dos grandes eventos de destruição em massa que o nosso planeta experimentou.
Um grupo de pesquisadores liderado por Riccardo Spinelli, doutorando na Universidade de Insubria e associado ao Instituto Nacional de Astrofísica da Itália (INAF), procurou determinar onde e quando a vida poderia ter se desenvolvido em nossa galáxia de forma a estar a salvo do impacto de violentas explosões cósmicas, tais como as explosões de raios gama (GRBs) e as explosões de supernovas.
Tanto as supernovas quanto as GRBs estão ligados ao ciclo de vida das estrelas e, em particular, à sua morte. Uma supernova ocorre quando uma estrela com massa muito maior do que o Sol chega ao fim de sua vida e explode. Ou quando explode uma anã branca – o remanescente de estrelas menos massivas, como o Sol – após acumular massa de uma companheira em um sistema binário. Já a GRB é um flash intenso de radiação de alta energia emitido quando uma estrela muito massiva e em rotação rápida morre, ou quando duas estrelas de nêutrons, ou uma estrela de nêutrons e um buraco negro – ambos remanescentes de estrelas massivas – se fundem.
A energia liberada por GRBs e supernovas é enorme. Uma supernova libera em poucas horas, na faixa de alta energia, tanta energia quanto a Via Láctea, que contém centenas de bilhões de estrelas. Uma GRB, em 10 segundos, emite o mesmo que nossa galáxia em um século. As supernovas são mais frequentes em regiões do espaço onde estrelas de grande massa são formadas. Já as GRBs costumam ocorrer em áreas de formação de estrelas onde há pouca disponibilidade de elementos pesados.
“Nessas regiões, as estrelas massivas formadas por gases pobres em metais perdem menos massa durante sua vida, devido aos ventos estelares. Portanto, estas estrelas são capazes de se manter em rotação rápida, condição necessária para que, uma vez formado um buraco negro, um jato poderoso seja gerado,” diz Giancarlo Ghirlanda, também do INAF.
“Para entender como estes eventos se distribuem em nossa galáxia, partimos de um modelo que descreve a evolução de nossa galáxia,” diz Francesco Haardt, pesquisador associado do INAF. “Este modelo prevê que as regiões internas se formaram rapidamente nos estágios iniciais da história de nossa galáxia, ao contrário do que ocorreu nas regiões periféricas. Com o passar do tempo, a taxa de formação de estrelas diminuiu no centro e aumentou gradualmente na periferia. Consequentemente, no centro da Via Láctea, os gases primordiais, contendo hidrogênio e hélio, foram enriquecidos com elementos mais pesados (oxigênio, carbono, nitrogênio) rapidamente. Já na periferia o enriquecimento foi mais gradual, sem entretanto atingir as altas metalicidades das regiões centrais.”
“Excluindo as regiões muito centrais, a menos de 6.500 anos-luz do centro galáctico, onde as explosões de supernovas são mais frequentes, nosso estudo sugere que a pressão evolutiva em cada época é determinada principalmente por GRBs,” diz Spinelli. “Embora sejam eventos muito mais raros que as supernovas, as GRBs são capazes de causar uma extinção em massa a distâncias maiores”.
Os resultados do estudo mostram que, até 6 bilhões de anos atrás, excetuando-se as regiões periféricas da Via Láctea, onde havia relativamente poucos planetas, os demais planetas estavam sujeitos a muitos destes eventos de grandes explosões, capazes de desencadear extinções em massa, devido à alta taxa de formação de estrelas e baixa metalicidade que se verificava à época.
Mais tarde, a partir de 4 bilhões de anos atrás, o aumento na quantidade de elementos pesados disponíveis, que foi o resultado das gerações seguintes de estrelas, reduziu a frequência da ocorrência de GRBs. Isto garantiu que as regiões centrais se tornassem um ambiente mais seguro, numa distância entre 6,5 mil e 26 mil anos-luz do centro galáctico (e 26 mil anos-luz corresponde à distância do Sol ao centro).
É nesta região que planetas do tipo da Terra são mais abundantes. Em paralelo, aumentava a formação de estrelas na periferia da galáxia, favorecendo a ocorrência de GRBs e tornando estas regiões inseguras. Em um planeta como a Terra, um evento como um GRB teria efeitos catastróficos.
Vários estudos sugerem que a radiação gama liberada por uma GRB a uma distância de 3,3 mil anos-luz da Terra destruiria a camada de ozônio na atmosfera. Sem esta proteção, o planeta ficaria exposto à radiação ultravioleta do Sol que poderia desencadear a extinção de quase todas as formas de vida na superfície.
A destruição da camada de ozônio produziria compostos de nitrogênio. Isto reduziria a luz solar visível, causando resfriamento global. Por estas razões, vários estudos propuseram que a primeira das cinco extinções em massa que afetaram a Terra, a extinção em massa do Ordoviciano Tardio, cerca de 445 milhões de anos atrás, foi causada por uma GRB.
O trabalho de Spinelli e colaboradores apóia essa hipótese. Em relação ao passado “recente”, o estudo constata que, nos últimos 500 milhões de anos, a Via Láctea tornou-se globalmente mais segura do que em épocas anteriores. As regiões periféricas estão mais expostas à ação das GRBs letais. Já nas regiões a uma distância de até 6,5 mil anos-luz do centro galáctico estão mais expostas à supernovas.
Por fim os pesquisadores estimam que nosso planeta deve ter experimentado pelo menos uma GRB letal nos últimos 500 milhões de anos, possivelmente associado à primeira grande extinção em massa de que temos conhecimento.
O trabalho foi publicado na revista Astronomy & Astrophysics.
Fonte: Scientific American
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