Pela primeira vez, os astrônomos descobriram que pelo menos um membro das anãs brancas tem duas faces.
© Caltech / K. Miller (ilustração da anã branca Jano)
Um dos lados de uma anã branca é composto por hidrogênio, enquanto o outro é composto por hélio. A superfície da anã branca muda completamente de um lado para o outro.
As anãs brancas são os remanescentes escaldantes de estrelas que já foram como o nosso Sol. À medida que as estrelas envelhecem, transformam-se em gigantes vermelhas; eventualmente, o seu material exterior é expelido e os seus núcleos contraem-se em anãs brancas densas e escaldantes. O nosso Sol evoluirá para uma anã branca dentro de cerca de 5 bilhões de anos.
A recém-descoberta anã branca, apelidada de Jano em homenagem ao deus romano, com duas caras, das mudanças e transições (o nome científico da anã branca é ZTF J203349.8+322901.1), foi inicialmente descoberta pelo ZTF (Zwicky Transient Facility), um instrumento que varre o céu todas as noites a partir do Observatório Palomar do Caltech, perto de San Diego, EUA.
Os astrônomos estavam procurando anãs brancas altamente magnetizadas, como o objeto conhecido como ZTF J1901+1458. Um dos objetos candidatos destacou-se pelas suas rápidas mudanças de brilho, que foi analisada mais a fundo com o instrumento CHIMERA, também em Palomar, e o HiPERCAM no GTC (Gran Telescopio Canarias), nas Ilhas Canárias, Espanha.
Estes dados confirmaram que Jano completa uma rotação de 15 em 15 minutos. Observações subsequentes feitas com o Observatório W. M. Keck no topo de Maunakea, no Havaí, revelaram a dramática natureza de dupla face da anã branca. A equipe usou um instrumento chamado espetrômetro para espalhar a luz da anã branca num arco-íris de comprimentos de onda que contém impressões digitais químicas. Os dados revelaram a presença de hidrogênio quando um dos lados do objeto estava à vista (sem sinais de hélio), e apenas hélio quando o outro lado era visível.
O que é que levaria uma anã branca, flutuando sozinha no espaço, a ter faces tão drasticamente diferentes? A equipe reconhece que está perplexa, mas avançou com algumas teorias possíveis. Uma delas é que podemos estar assistindo a Jano passando por uma fase rara da evolução de uma anã branca. Após a formação das anãs brancas, os elementos mais pesados afundam-se para o núcleo e os elementos mais leves, como o hidrogênio, flutuam para o topo. Mas com o tempo, à medida que as anãs brancas arrefecem, pensa-se que os materiais se misturem. Em alguns casos, o hidrogênio é misturado no interior e diluído de tal forma que o hélio se torna mais predominante.
A estrela Janus pode estar realizando esta fase de transição, mas uma questão premente é: porque é que a transição está acontecendo de forma tão desarticulada, com um lado evoluindo antes do outro? A resposta pode estar nos campos magnéticos, que à volta dos corpos cósmicos tendem a ser assimétricos, ou seja, mais fortes num dos lados. Os campos magnéticos podem impedir a mistura de materiais. Assim, se o campo magnético for mais forte de um lado, ele terá menos mistura e, portanto, mais hidrogênio. Outra teoria proposta pela equipe para explicar as duas faces também depende dos campos magnéticos. Mas, neste cenário, pensa-se que os campos alterem a pressão e a densidade dos gases atmosféricos. Os campos magnéticos podem levar a pressões de gás mais baixas na atmosfera, o que pode permitir a formação de um "oceano" de hidrogênio onde os campos magnéticos são mais fortes.
Para ajudar a resolver o mistério, a equipe espera encontrar mais anãs brancas do tipo Jano com o levantamento do céu do ZTF. Futuras explorações, como as que serão efetuadas pelo Observatório Vera C. Rubin, no Chile, deverão facilitar ainda mais a descoberta de anãs brancas variáveis.
Um artigo foi publicado na revista Nature.
Fonte: W. M. Keck Observatory
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