Doze anos de observações em uma região obscura da constelação de Escorpião, vizinha do centro da Via Láctea, levaram à descoberta de um objeto celeste envolto em um contexto singular.
© Vista (estrela central iluminando nebulosa)
Imagem em falsa cor mostra a estrela central (dentro do círculo cinza) que ilumina parte da nebulosa (rosa), enquanto outra região fica escurecida (azul).
Uma equipe internacional de astrônomos identificou uma jovem estrela variável, que muda de brilho ao longo do tempo, imersa em uma nebulosa, uma nuvem de gás e poeira cósmica, que também altera periodicamente sua luminosidade.
“A cada quatro anos, aproximadamente, a estrela pisca e diminui por um certo tempo o seu brilho. Uma região da nebulosa pisca em sincronia com ela, enquanto outra parte se comporta de maneira inversa”, diz o astrofísico Roberto Saito, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), autor principal que estuda o exótico objeto celeste.
Esse padrão de variação da luminosidade foi observado durante três ciclos completos de quatro anos. O jogo de pisca e apaga da estrela e da nebulosa é atribuído a um fenômeno ondulatório denominado eco luminoso, similar ao que ocorre com a reverberação produzida pelo som. A estrela emite uma luz que, quando encontra a nebulosa, é refletida de volta e ilumina a nuvem de gás e poeira. Devido à velocidade finita da luz e ao grande tamanho da nebulosa, suas diferentes regiões são, do ponto de vista de um observador externo, iluminadas pela estrela central em momentos distintos. A estrela emite luz em todas as direções. A parte da luz que vem diretamente para a Terra ilumina a região da nuvem mais próxima de nós. Já a luz emitida na direção oposta demora mais para chegar aqui porque tem de ir até a porção mais distante da nebulosa antes de ser refletida de volta em direção à Terra. Quando isso ocorre, a estrela já escureceu de novo.
No espaço, ecos de luz são comumente observados em novas e supernovas. A nova é a explosão brilhante produzida quando uma enorme massa de gás é transferida de uma estrela grande e relativamente fria para outra, pequena, mas muito quente, em um sistema binário. Quando estrelas gigantes chegam ao final de seu ciclo de vida e sofrem uma violenta explosão nuclear, esse jorro de luz e energia é denominado supernova.
Em uma estrela variável, ecos de luz nunca tinham sido registrados. Por não se parecer com nenhum tipo de estrela presente nos catálogos de objetos astronômicos, o astro da constelação de Escorpião recebeu o nome de WIT-12. As letras remetem à pergunta, em inglês, “what is this?”, usada para indicar corpos celestes que não se encaixam em nenhuma classe conhecida de objetos e são agrupados em uma categoria à parte. O numeral indica que a estrela é o décimo segundo corpo celeste a ser considerado um WIT, nomenclatura adotada pelo projeto Vista Variables in the Via Lactea (VVV).
Saito também participou da descoberta de outros WIT a partir de dados do VVV. Desde 2010, essa iniciativa mapeou, em frequências do infravermelho próximo, cerca de 1 bilhão de estrelas no plano da Via Láctea com o telescópio Vista, do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado em Cerro Paranal, no Chile. As observações do Vista usaram diferentes filtros de cor ao longo do tempo e possibilitaram identificar, inicialmente, a existência de uma nebulosa cujo brilho se alterava periodicamente. Em seguida, foi possível associar a mudança de luminosidade da nuvem de gás e poeira a uma fonte de brilho, também variável, situada em seu centro, provavelmente uma estrela.
Para determinar as características desse objeto celeste, os autores do trabalho tiveram de recorrer aos serviços de outro telescópio situado no Chile. Usaram o Soar, – que tem como um de seus sócios o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – para obter o espectro da estrela.
Esse tipo de registro decompõe a luz emitida por um astro em suas cores constituintes (diferentes comprimentos de onda) a partir dos quais se pode inferir alguns parâmetros, como sua composição química, temperatura e luminosidade intrínseca. A análise do espectro no infravermelho próximo permitiu classificar a fonte de luz no interior da nebulosa como um objeto estelar jovem (YSO, young stellar object).
Os dados disponíveis sugerem que se trata de uma estrela vermelha jovem. Esse tipo de corpo celeste, que está nos primórdios de sua existência, costuma ser relativamente frio, com massa não muito maior do que a do Sol, e ter sido formado há apenas alguns milhões de anos. Também é comum que um YSO ainda esteja circundado por uma nuvem de gás e poeira.
Para o astrofísico Augusto Damineli, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não está envolvido nos estudos com a estrela e a nuvem de gás e poeira, os resultados apresentados são o começo, e não o fim, dos trabalhos com WIT-12. “Sabemos que se trata de uma estrela variável que emite ecos luminosos para a nebulosa que a cerca”, pondera Damineli. “Foi preciso um investimento observacional significativo para se poder fazer essa afirmação. Ainda assim, ela é completamente insuficiente para responder à pergunta ‘o que é isso?’.” Ele espera que o emprego de novos métodos de análise, possivelmente com ajuda da inteligência artificial, e a entrada em operação de instrumentos de observação mais potentes possam jogar uma luz sobre a natureza de estrelas fora do padrão. Até porque objetos misteriosos como os WIT devem ser registrados com mais constância à medida que novos telescópios, como o Observatório Vera Rubin, no Chile, comecem a funcionar.
Um artigo foi publicado no periódico The Astrophysical Journal Letters.
Fonte: Revista FAPESP
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