Uma equipe de astrofísicos liderada pelo Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) conseguiu, pela primeira vez, simular a viagem do gás primordial que data do início do Universo até à fase em que é arrastado para um disco de material que alimenta um único buraco negro supermassivo.
© Caltech (simulação mostra um buraco negro supermassivo)
A nova simulação de computador põe em causa as ideias que os astrônomos tinham sobre esses discos desde a década de 1970 e abre caminho a novas descobertas sobre a forma como os buracos negros e as galáxias crescem e evoluem.
A nova simulação marca o culminar de vários anos de trabalho de duas grandes colaborações iniciadas no Caltech. A primeira colaboração, designada por FIRE (Feedback in Realistic Environments), centrou-se nas maiores escalas do Universo, estudando questões como a formação das galáxias e o que acontece quando estas colidem. A outra, denominada STARFORGE, foi concebida para examinar escalas muito menores, incluindo a maneira como as estrelas se formam em nuvens de gás individuais.
Mas havia uma grande lacuna entre as duas. Para analisar esta diferença, os pesquisadores construíram uma simulação com uma resolução mais de 1.000 vezes superior à melhor neste campo. A simulação revelou que os campos magnéticos desempenham um papel muito mais importante do que se pensava na formação e definição dos enormes discos de material que giram em torno e alimentam os buracos negros supermassivos.
À medida que o gás e a poeira são puxados pela enorme gravidade destes buracos negros, não são imediatamente sugados. Em vez disso, o material forma primeiro um disco que gira rapidamente, chamado disco de acreção. E quando o material está prestes a cair, irradia uma enorme quantidade de energia, brilhando com uma luminosidade extrema no Universo. Mas ainda não se sabe muito sobre estes buracos negros supermassivos ativos, chamados quasares, e como se formam e comportam os discos que os alimentam. Embora os discos em torno de buracos negros supermassivos já tenham sido fotografados anteriormente, o EHT (Event Horizon Telescope) fotografou discos em torno de buracos negros no coração da Via Láctea em 2022 e em Messier 87 em 2019; estes discos estão muito mais próximos e são mais calmos do que os existentes em torno dos quasares.
Para visualizar o que acontece em volta destes buracos negros mais ativos e distantes, os astrofísicos recorrem a simulações em supercomputadores. Alimentam milhares de processadores que trabalham em paralelo com informações sobre a física que atua nestes cenários galácticos; desde as equações básicas que regem a gravidade até à forma de tratar a matéria escura e as estrelas. Afinal, as estrelas afetam o que as rodeia. Emitem radiação que pode aquecer ou empurrar o gás circundante. Sopram ventos como o vento solar criado pelo nosso próprio Sol, que pode varrer material. Explodem como supernovas, por vezes lançando material para fora das galáxias ou alterando a química do seu ambiente. Assim, os computadores têm de conhecer todos os meandros da evolução estelar, uma vez que regula o número de estrelas que uma galáxia pode efetivamente formar.
A equipa liderada pelo Caltech utilizou um código a que chamaram GIZMO para os projetos de simulação em grande e pequena escala. O mais importante é que construíram o projeto FIRE de modo a que toda a física que lhe adicionassem pudesse funcionar com o projeto STARFORGE e vice-versa. Isto permitiu aos cientistas simular um buraco negro com uma massa cerca de 10 milhões de vezes superior à do nosso Sol, começando no início do Universo. A simulação aproxima-se desse buraco negro no momento em que um fluxo gigante de material é arrancado de uma nuvem de gás com formação estelar e começa a girar em torno do buraco negro supermassivo. A simulação pode continuar se aproximando, resolvendo uma área mais fina em cada passo, à medida que segue o gás no seu caminho em direção ao buraco negro.
Em dois influentes artigos científicos da década de 1970, que descreviam os discos de acreção que alimentam os buracos negros supermassivos, os cientistas assumiram que a pressão térmica, a alteração da pressão causada pela mudança de temperatura do gás nos discos, desempenhava o papel dominante na prevenção do colapso desses discos sob a enorme gravidade que sofrem perto do buraco negro. Reconheceram que os campos magnéticos podem ter um papel menor em ajudar a sustentar os discos. Em contrapartida, a nova simulação revelou que a pressão dos campos magnéticos desses discos era 10.000 vezes superior à pressão do calor do gás. Assim, os discos são quase completamente controlados pelos campos magnéticos.
Os campos magnéticos têm muitas funções, uma das quais é sustentar os discos e tornar o material fofo. Esta constatação altera uma série de previsões que os cientistas podem fazer sobre esses discos de acreção, tais como a sua massa, a densidade e espessura que devem ter, a rapidez com que o material deve ser capaz de se deslocar deles para um buraco negro e até a sua geometria (por exemplo, se os discos podem ter deformações).
Para o futuro, espera-se que esta nova capacidade de colmatar a lacuna entre as escalas das simulações cosmológicas abra muitas novas vias de investigação. Por exemplo, o que acontece em pormenor quando duas galáxias se fundem? Que tipos de estrelas se formam nas regiões densas das galáxias, onde as condições são diferentes das da vizinhança do nosso Sol? Qual terá sido o aspecto da primeira geração de estrelas no Universo?
Um artigo foi publicado no The Open Journal of Astrophysics.
Fonte: California Institute of Technology
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