As galáxias gigantes como a Via Láctea e Andrômeda consistem principalmente da exótica matéria escura.
© NRAO (liberação de gás no halo da Via Láctea)
À medida que a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães orbitam a Via Láctea, e uma à outra, elas liberam seu gás (mostrado em rosa na imagem acima) no halo de nossa galáxia.
Mas até o substrato comum da primeira ainda é um enigma, já que sua maior parte está desaparecida e continua sem ser descoberta por cientistas. Agora, porém, astrônomos fizeram uma estimativa da quantidade de gás que cerca o brilhante disco da Via Láctea ao observarem uma galáxia atravessando sua periferia, e constataram que esse material supera todo o gás e poeira interestelar de sua região.
Medições da radiação cósmica de fundo deixada pelo Big Bang indicam que um sexto de toda a matéria no Universo é comum, ou bariônica, contendo bárions (prótons e nêutrons), assim como ocorre com estrelas, planetas e seres humanos. Com base no movimento de objetos distantes que orbitam a Via Láctea, astrônomos estimam que nossa galáxia seria aproximadamente um trilhão de vezes mais massiva que o Sol. Se cinco sextos desse material são matéria escura, então essa substância exótica compõe 830 bilhões de massas solares de nossa galáxia; a matéria bariônica deve explicar os 170 bilhões restantes.
O problema é que todas as estrelas e a matéria interestelar conhecidas de nossa galáxia somam apenas cerca de 60 bilhões de massas solares: 50 bilhões em estrelas e 10 bilhões em gás e poeira interestelar. (A Via Láctea tem mais de 100 bilhões de estrelas, mas a maioria delas é menor que o Sol.) Isso deixa colossais 110 bilhões de massas solares de material comum inexplicáveis, desaparecidos. Se a Via Láctea for ainda mais massiva do que se calcula atualmente, esse problema bariônico se agrava. E outras galáxias gigantes apresentam o mesmo mistério.
Onde estão os bárions que faltam? Talvez em um difuso halo gasoso ao redor da Via Láctea. Satélites de raios X detectaram átomos de oxigênio em nossa galáxia que perderam a maior parte de seus oito elétrons, um sinal de que eles habitam um gás de milhões de graus de temperatura; muito mais quente que a superfície do Sol. Mas como não sabemos a que distância esses átomos de oxigênio aquecidos estão de nós, não podemos avaliar com precisão o tamanho desse componente galáctico. Se estiverem relativamente perto do disco, então esse chamado meio circungaláctico não é vasto, extensivo, e, portanto, não tem grande importância. Mas se estiverem muito distantes, espalhados por um halo gigantesco, esse material gasoso poderia superar todas as estrelas da galáxia, fornecendo combustível para a formação estelar por bilhões de anos vindouros.
Felizmente, a Via Láctea é tão imensa que governa um séquito de galáxias menores que giram em torno dela, assim como luas orbitam um planeta. A mais esplêndida galáxia satélite é a Grande Nuvem de Magalhães, que brilha a 160 mil anos-luz da Terra. Como todos os outros satélites galácticos, ela se move ao redor da Via Láctea, mas ao contrário da maioria de seus iguais, está repleta de gás, que é ejetado à medida que ele mesmo se choca violentamente com o gás do halo. A quantidade de gás perdido depende da velocidade com que nosso vizinho se move e da densidade do gás do halo. E com essa densidade pode-se calcular a estimativa correspondente de massa.
Recentemente, o telescópio espacial Hubble mediu a velocidade da galáxia. Isso permitiu que os astrônomos Munier Salem, da Universidade Columbia, Gurtina Besla da Universidade do Arizona, e seus colegas estudassem o gás ejetado, ou perdido, e estimassem que a densidade de gás no halo da Via Láctea, perto da Grande Nuvem de Magalhães, é de 0,0001 átomo por centímetro cúbico. Isso não é muito, somente cerca de 10 mil vezes mais tênue que o gás interestelar no disco da Via Láctea, mas o halo cobre uma área muito grande. Os astrônomos presumem que a densidade do gás diminui à medida que se distancia do centro da Via Láctea, e calculam que ele equivale a 26 bilhões de massas solares, ou quase a metade da quantidade contida em todas as estrelas da Via Láctea. Matthew Miller, estudante de graduação na Universidade de Michigan, que está concluindo sua dissertação sobre o meio circungaláctico, afirma que esse número corresponde a estimativas anteriores, mas está baseado em uma medição mais direta da densidade.
A massa de gás do halo calculada recentemente constitui apenas 15% do esperado conteúdo bariônico da Via Láctea. De acordo com Besla, a verdadeira quantidade de gás do halo provavelmente é maior, porque sua densidade pode diminuir menos com a distância do que previsto pelo modelo padrão. Miller suspeita que os bárions desaparecidos possam estar completamente ausentes da Via Láctea, sem jamais terem caído em nossa galáxia com a matéria escura; nesse caso, eles estariam à deriva no vasto espaço entre galáxias gigantes.
Besla prevê que futuros trabalhos poderão produzir uma medição mais precisa. Outra galáxia rica em gás, a Pequena Nuvem de Magalhães, a 200 mil anos-luz da Terra, orbita a Grande Nuvem de Magalhães. A dança das duas lançou gás em um imenso fluxo de mais de meio milhão de anos-luz de extensão. A maior parte desse chamado Fluxo de Magalhães se estende além da Grande Nuvem de Magalhães e, portanto, a densidade do gás do halo deveria ser sondada em outro lugar, restringindo ainda mais a massa do meio circungalácticio, pondera Besla.
De fato, astrônomos aqui na Terra têm sorte: eles habitam uma das poucas galáxias gigantes que têm a vantagem de ter duas galáxias satélite ricas em gás próximas. “É incrível quanta informação esse sistema nos fornece”, comemora Besla. Comparativamente, todos os satélites que orbitam uma galáxia gigante mais típica não têm mais gás, e quaisquer astrônomos ali podem olhar com silenciosa inveja para seus iguais na Via Láctea.
A pesquisa foi apresentada para publicação no periódico The Astrophysical Journal.
Fonte: Scientific American
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