sexta-feira, 29 de julho de 2016

Anã branca castiga anã vermelha com raio misterioso

Astrônomos utilizaram o Very Large Telescope (VLT) do ESO, e mais outros telescópios tanto no solo como no espaço, e descobriram um novo tipo de estrela binária bastante exótica.

  ilustração do exótico sistema binário de estrelas AR Scorpii

  © M. Garlick/U. Warwick/ESO (ilustração do exótico sistema binário de estrelas AR Scorpii)

No sistema AR Scorpii, uma anã branca em rotação rápida acelera elétrons até quase à velocidade da luz. Estas partículas de alta energia liberam quantidades de radiação que fuzilam a estrela companheira, uma anã vermelha, fazendo com que todo o sistema pulse drasticamente a cada 1,97 minutos e libere radiação que vai do ultravioleta até as ondas de rádio.

Em maio de 2015, um grupo de astrônomos amadores da Alemanha, Bélgica e Reino Unido encontrou um sistema estelar que se comportava de um modo nunca antes observado. Observações feitas em seguida, lideradas pela Universidade de Warwick e fazendo uso de vários telescópios, colocados tanto no solo como no espaço, revelaram a verdadeira natureza deste sistema até então mal identificado.

O sistema estelar AR Scorpii, ou AR Sco, situa-se na constelação do Escorpião e está a 380 anos-luz de distância da Terra. É composto por uma anã branca em rotação rápida, do tamanho da Terra mas com cerca de 200 mil vezes mais massa, e por uma anã vermelha fria, de tipo espectral M, com um terço da massa do Sol, que se orbitam mutuamente com um período de 3,6 horas, executando uma dança cósmica tão regular como um relógio.

As anãs brancas correspondem à fase final da vida de estrelas com massas até cerca de 8 vezes a massa solar. Quando a fusão do hidrogênio no núcleo da estrela termina, as variações internas levam a uma drástica expansão da estrela, dando origem a uma gigante vermelha, seguida de uma contração acompanhada pelo lançamento das camadas exteriores da estrela para o espaço interestelar em grandes nuvens de gás e poeira. O que resta é uma anã branca, de cerca do tamanho da Terra mas 200 mil vezes mais densa. O equivalente a uma única colher de matéria de uma anã branca pesa tanto como um elefante na Terra.

Este sistema binário de estrelas exibe um comportamento muito violento. Altamente magnetizada e girando muito depressa, a anã branca acelera elétrons até quase à velocidade da luz. À medida que estas partículas de alta energia se deslocam no espaço, liberam radiação num raio semelhante a um farol, que atinge a anã vermelha fria, fazendo com que todo o sistema brilhe e apague a cada 1,97 minutos. Estes pulsos poderosos incluem radiação nas frequências de rádio, algo que nunca tinha sido antes detectado num sistema com uma anã branca.

O pesquisador principal Tom Marsh, do Grupo de Astrofísica da Universidade de Warwick, comenta: “AR Scorpii foi descoberta há mais de 40 anos, mas não suspeitamos da sua verdadeira natureza até começarmos a observá-la em 2015. Percebemos que estávamos vendo algo extraordinário poucos minutos depois de começarmos as observações.”

As propriedades observadas de AR Sco são únicas e misteriosas. A radiação emitida ao longo de uma grande gama de frequências indica emissão de elétrons acelerados em campos magnéticos, o que pode ser explicado pela anã branca em rotação. A fonte de elétrons propriamente dita permanece, no entanto, um mistério; não é claro se estará associada à própria anã branca ou à sua companheira mais fria.

AR Scorpii foi inicialmente observada no início da década de 1970 e as suas flutuações de brilho regulares a cada 3,6 horas fizeram com que fosse erroneamente classificada como uma estrela variável isolada. Uma estrela variável mostra uma flutuação no seu brilho quando vista a partir da Terra. Estas flutuações podem ser devidas a variações de propriedades intrínsecas à própria estrela. Por exemplo, algumas estrelas expandem-se e contraem-se de forma notória. As flutuações podem também ter origem num outro objeto que regularmente eclipsa a estrela. AR Scorpii foi confundida com uma única estrela variável, uma vez que a órbita de duas estrelas em torno uma da outra resulta também em flutuações regulares no brilho observado.

A verdadeira natureza da variação em luminosidade da AR Scorpii foi revelada graças aos esforços conjuntos de astrônomos profissionais e amadores. Uma pulsação semelhante tinha sido já observada anteriormente, mas vinda de estrelas de nêutrons, alguns dos objetos celestes mais densos conhecidos no Universo, e não de anãs brancas.

Boris Gänsicke, também da Universidade de Warwick, conclui: “Conhecemos estrelas de nêutrons pulsando há quase 50 anos e algumas teorias previam que as anãs brancas poderiam também apresentar um comportamento semelhante. É muito excitante termos descoberto um tal sistema e é também um exemplo fantástico de colaboração entre astrônomos amadores e profissionais.”

Este trabalho foi publicado ontem na revista Nature.

Fonte: ESO

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