Desde que foram mencionados pela primeira vez por John Michell numa carta à Sociedade Real de Londres em 1783, que os buracos negros têm iluminado a imaginação dos cientistas.
© ESO/S. Brunier (ilustração do horizonte de eventos de um buraco negro)
Talvez parte do fascínio é que estes objetos enigmáticos nunca foram realmente "vistos". Mas isto pode estar agora prestes a mudar, pois uma equipe internacional de astrônomos está ligando vários telescópios na esperança de obter a primeira imagem de um buraco negro.
Os buracos negros são regiões do espaço onde a atração da gravidade é tão forte que nada, nem mesmo a luz, consegue escapar. A sua existência foi prevista matematicamente por Karl Schwarzchild em 1915, como solução para equações propostas pela teoria da relatividade geral de Albert Einstein.
Os astrônomos já têm, há décadas, evidências circunstanciais de que, nos núcleos de galáxias massivas, encontram-se buracos negros supermassivos, entre um milhão e bilhões de vezes a massa do Sol. Isto porque eles conseguem ver a atração gravitacional que exercem sobre estrelas que orbitam ao redor do centro galáctico. Quando abastecidos com material do ambiente galáctico circundante, também podem expelir jatos de plasma com velocidades próximas da luz. O ano passado, a experiência LIGO forneceu ainda mais evidências através da famosa detecção de ondulações no espaço-tempo provocadas pela fusão de dois buracos negros de massa intermediária há milhões de anos atrás.
Mas, apesar de sabermos que os buracos negros existem, ainda permanecem, na vanguarda da astronomia moderna, questões sobre sua origem, evolução e influência no Universo.
Entre os dias 5 e 14 de abril de 2017, a equipe por trás do EHT (Event Horizon Telescope) espera testar as teorias fundamentais da física dos buracos negros, tentando obter a primeira imagem do horizonte de eventos de um buraco negro. Ao ligar uma rede global de radiotelescópios para formar o equivalente a um telescópio gigante do tamanho da Terra, usando uma técnica conhecida como Interferometria de Linha de Base Muito Longa e síntese de abertura da Terra, os cientistas vão examinar o coração da Via Láctea, onde se esconde um buraco negro com 4 milhões de vezes a massa do Sol, Sagittarius A*.
Sabe-se que existe um disco de poeira e gás em órbita do buraco negro. O percurso que a luz deste material leva será distorcido no campo gravitacional do buraco negro. O seu brilho e cor também devem ser alterados de maneiras previsíveis. A assinatura que se espera observar com o EHT é uma forma crescente brilhante em vez de um disco. E podem, quem sabe, até ser vista a sombra do horizonte de eventos do buraco negro contra o plano de fundo deste material brilhante e giratório.
A rede liga nove estações espalhadas pelo planeta, alguns telescópios individuais e várias coleções de telescópio, na Antártica, Chile, Havaí, Espanha, México e EUA. O "telescópio virtual" está em desenvolvimento há muitos anos e a tecnologia já foi testada. No entanto, estes testes revelaram, inicialmente, uma sensibilidade limitada e uma resolução angular insuficiente para estudar as escalas necessárias para observar a região do buraco negro. Mas a adição de novas redes telescópicas, incluindo o ALMA (Atacama Large Millimeter Array) no Chile e o SPT (South Pole Telescope), dará à rede um impulso necessário em capacidade de resolução. É como colocar óculos e, de repente, sermos capazes de ver ambos os faróis de um carro que se dirige na nossa direção, em vez de um único borrão de luz.
O buraco negro é uma fonte compacta no céu, no visível, está completamente bloqueado por grandes quantidades de gás e poeira. No entanto, os telescópios com resolução suficiente e operando a longos comprimentos de onda, no rádio, podem atravessar este nevoeiro cósmico.
A resolução de qualquer tipo de telescópio, o mais fino detalhe que pode ser discernido e medido, é geralmente citado como um pequeno ângulo correspondente à razão entre o tamanho de um objeto e a sua distância. O tamanho angular da Lua, vista a partir da Terra, é de mais ou menos meio grau, ou 1.800 segundos de arco. Para qualquer telescópio, quanto maior a abertura, maior o detalhe que pode ser observado.
A resolução de um único radiotelescópio, por exemplo, com a abertura de 100 metros, é aproximadamente de 60 segundos de arco. Isto é comparável à resolução do olho humano, sem ajudas, e a cerca de um-sexagésimo do diâmetro aparente da Lua Cheia. Mas, ao ligarmos muitos telescópios, o EHT será capaz de atingir uma resolução de 15 a 20 microssegundos de arco, equivalente a ser capaz de discernir uma uva à distância da Lua.
Embora a prática de ligar muitos telescópios, desta maneira, seja bem conhecida, o EHT vai enfrentar desafios particulares. Os dados recolhidos em cada estação da rede serão enviados para uma instalação de processamento central onde um supercomputador vai combiná-los cuidadosamente. Diferentes condições meteorológicas, atmosféricas e telescópicas, em cada local, vão exigir uma calibração meticulosa dos dados para que os cientistas possam ter a certeza que quaisquer características que encontrem nas imagens finais não sejam artefatos.
Se funcionar, a captação de imagens do material perto da região do buraco negro, com resoluções angulares comparáveis à do seu horizonte de eventos, abrirá uma nova era no estudo dos buracos negros e resolverá uma série de grandes questões: será que os horizontes de eventos sequer existem? Será que a teoria de Einstein funciona nesta região de gravidade extrema ou precisamos de uma nova teoria para descrever a gravidade assim tão perto de um buraco negro? Além disso, como é que os buracos negros são abastecidos e como é que o material é expelido?
Poderá até mesmo ser possível captar imagens de buracos negros no centro de galáxias vizinhas.
Em última análise, a combinação de teorias matemáticas e de profundos conhecimentos físicos, impressionantes colaborações científicas internacionais, incríveis avanços tecnológicos na física experimental e na engenharia, vão revelar a natureza do espaço-tempo como uma característica definidora da ciência do início do século XXI.
Fonte: Nature
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