Ao explorar a história do nosso cosmos com uma grande amostra de galáxias "ativas" distantes observadas pelo XMM-Newton da ESA, uma equipe de astrônomos descobriu que pode haver algo mais na expansão inicial do Universo do que o previsto pelo modelo cosmológico padrão.
© ESA/C. Carreau (ilustração de um quasar)
De acordo com o cenário mais aceito, o nosso Universo contém apenas uma pequena porcentagem de matéria comum. Um-quarto do cosmos é composto por matéria escura, que podemos sentir gravitacionalmente, mas não observar, e o resto consiste na ainda mais misteriosa energia escura que está impulsionando a atual aceleração da expansão do Universo.
Este modelo é baseado numa infinidade de dados recolhidos ao longo das últimas décadas, desde o fundo cósmico de micro-ondas, a primeira luz na história do cosmos, liberada apenas 380.000 anos após o Big Bang e observada em detalhes sem precedentes pela missão Planck da ESA. Estas últimas incluem explosões de supernova, aglomerados galácticos e distorções gravitacionais impressas pela matéria escura em galáxias distantes, e podem ser usadas para traçar a expansão cósmica em épocas recentes da história cósmica, ao longo dos últimos nove bilhões de anos.
Um novo estudo, por Guido Risaliti da Universidade de Florença, Itália, e Elisabeta Lusso da Universidade de Durham, Reino Unido, aponta para outro tipo de rastreador cósmico, os quasares, que preencheriam parte da lacuna entre estas observações, medindo a expansão do Universo até há 12 bilhões de anos.
Os quasares são os núcleos de galáxias onde um buraco negro supermassivo está puxando matéria dos seus arredores a velocidades muito elevadas, brilhando através do espectro eletromagnético. À medida que o material cai para o buraco negro, forma um disco giratório que irradia no visível e no ultravioleta; esta radiação, por sua vez, aquece os elétrons próximos, produzindo raios X.
Há três anos, Guido e Elisabeta perceberam que uma relação bem conhecida entre o brilho ultravioleta e raios X dos quasares podia ser usada para estimar a distância até estas fontes, algo que é notoriamente complicado em astronomia, e, em última análise, estudar a história da expansão do Universo.
As fontes astronômicas cujas propriedades permitem-nos avaliar as suas distâncias são chamadas "velas padrão".
A classe mais notável, as supernovas do tipo Ia, consiste no espetacular desaparecimento das anãs brancas depois de terem engolido demasiado material de uma estrela companheira, gerando explosões de brilho previsível que permitem com que os astrônomos determinem a distância. As observações destas supernovas, no final da década de 1990, revelou a expansão acelerada do Universo nos últimos bilhões de anos.
"A utilização de quasares como velas padrão tem grande potencial, já que podemos observá-los a distâncias muito maiores do que as supernovas do tipo Ia, e assim usá-los para investigar épocas muito mais para trás no Universo," explica Elisabeta.
Com uma amostra considerável de quasares em mão, os astrônomos colocaram agora o seu método em prática, e os resultados são interessantes.
Vasculhando o arquivo do XMM-Newton, recolheram dados de raios X para mais de 7.000 quasares, combinando-os com observações ultravioletas do SDSS (Sloan Digital Sky Survey). Também usaram um novo conjunto de dados, obtidos especialmente com o XMM-Newton em 2017 para observar quasares muito distantes, observando-os como eram quando o Universo tinha apenas dois bilhões de anos. Finalmente, complementaram os dados com um pequeno número de quasares ainda mais longínquos e com alguns relativamente próximos, estudados com os observatórios de raios X Chandra e Swift da NASA, respectivamente.
"Uma amostra tão grande permitiu-nos escrutinar a relação entre a emissão de raios X e ultravioleta por parte dos quasares em grande detalhe, o que refinou em muito a nossa técnica para estimar a distância," explica Guido.
As novas observações do XMM-Newton de quasares distantes são tão boas que a equipe até identificou dois grupos diferentes: 70% das fontes brilham intensamente com raios X de baixa energia, enquanto os restantes 30% emitem quantidades mais baixas de raios X caracterizados por energias mais altas. Para a análise, apenas mantiveram o primeiro grupo de fontes, no qual a relação entre as emissões de raios X e ultravioleta parece mais clara.
Depois de examinarem os dados e de restringir a amostra até mais ou menos 1.600 quasares, os astrônomos ficaram com as melhores observações, levando a estimativas robustas da distância até estas fontes que podiam usar para pesquisar a expansão do Universo.
"Quando combinamos a amostra, que abrange quase 12 bilhões de anos de história cósmica, com a amostra mais local de supernovas do tipo Ia, que cobre apenas aproximadamente os últimos 8 bilhões de anos, encontramos resultados semelhantes nas épocas que se sobrepõem. No entanto, nas fases anteriores que só podemos estudar com os quasares, encontramos uma discrepância entre a evolução observada do Universo e o que poderíamos prever com base no modelo cosmológico padrão," explica Elisabeta.
Ao examinarem este período anteriormente pouco explorado da história cósmica com a ajuda dos quasares, os astrônomos revelaram uma possível tensão no modelo cosmológico padrão, o que poderá exigir a adição de novos parâmetros para reconciliar os dados com a teoria.
"Uma das possíveis soluções seria invocar uma energia escura em evolução, com uma densidade que aumenta com o passar do tempo," diz Guido.
Incidentalmente, este modelo em particular também aliviaria outra tensão que tem mantido os cosmólogos ocupados ultimamente, no que concerne à constante de Hubble, a atual velocidade de expansão do Universo. Esta discrepância foi encontrada em estimativas da constante de Hubble no Universo local, com base em dados de supernovas, independentemente em aglomerados de galáxias e em observações pelo Planck do fundo cósmico de micro-ondas no Universo primordial.
A equipe está ansiosa por observar ainda mais quasares no futuro a fim de refinar os seus resultados. Pistas adicionais poderão vir da missão Euclides da ESA, com lançamento previsto para 2022 e que vai explorar os últimos dez bilhões de anos da expansão cósmica e explorar a natureza da energia escura.
Fonte: ESA
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